A crise na Europa e nos Estados Unidos chama de forma dramática a atenção por atitudes na governação potencialmente desastrosas a prazo. Assim, hoje sabe-se que governar como na Grécia, escondendo da sociedade e dos parceiros dados cruciais para a permanência do país no euro pode revelar-se catastrófica. Governar como em Portugal cavalgando a euforia derivada das vantagens de pertença à zona euro não dura sempre e o dia do acerto de contas acaba por chegar. Governar como na Alemanha e nos Estados Unidos, apanhado por interesses eleitorais de curto prazo que impedem a tomada de medidas de fundo, deixa a nação sem real liderança e prejudica o futuro.
A crise prova que não dizer a verdade, substituir acção por propaganda e orientar-se só pela vontade de se manter no poder a todo o custo tem consequências gravosas. Governos que teimosamente persistirem nesses caminhos não têm desculpa. O desfecho vê-se por aí nas convulsões dos mercados, no crescimento raso da economia nacional, no desemprego persistente e no desespero crescente particularmente das populações mais vulneráveis.
Em Cabo Verde, oito meses após as eleições legislativas, a postura do governo não mudou. Parece que nas altas esferas de decisão política ainda persiste a ilusão da blindagem do país à crise ou talvez a ideia que o país “is too small to fail”. Entretanto sucedem-se crises de energia e água, mantém-se o sentimento de insegurança e notam-se em todas as ilhas as consequências sociais do abrandamento do crescimento da economia nacional. E a população já percebe que não se está a lidar com a situação no país da melhor forma. Provavelmente os resultados das eleições presidenciais desfavoráveis ao candidato preferido do governo já são sinais de desagrado e frustração crescente em vários sectores da sociedade.
O Governo aparentemente nada nota. Continua nas suas práticas de sempre. Esta semana escolheu as falhas na facturação da Electra para justificar as crises no fornecimento de energia e água. Na semana passada aproveitou a assinatura do contrato de construção das instalações frigoríficas de São Vicente para mais uma vez trazer o projecto de transbordo e o terminal de cruzeiros agora apresentados no âmbito do que chama cluster do mar. A visita da Ministra Sara Lopes aos bairros da Capital e as controvérsias em que se envolveu com a Câmara Municipal da Praia mostraram também que a realização de eleições, há um mês atrás, presidenciais e, daqui a nove meses, autárquicas continuam a condicionar grandemente o governo na sua agenda, na sua eficácia e na atenção que devia dedicar às questões nacionais.
A ministra de Finanças em Washington deixou transparecer receios de que Cabo Verde pode ser apanhado na chamada “armadilha de países de rendimento médio”. Outros países procuraram, em tempo útil, evitar serem apanhados na armadilha. Esforçaram-se por ganhar eficiência na utilização do capital e da mão-de-obra, designadamente via a exigência de qualidade no sistema de ensino. Fizeram um esforço de internalização da economia diversificando-se e alargando a participação do empresariado nacional. Diminuíram os custos na economia da inoperacionalidade do Estado, dos seus serviços e das empresas públicas. Desafios que ficaram por ser devidamente enfrentados aqui em Cabo Verde.
A saída para fora da armadilha que o Governo encontra é a de pedir a extensão do período em que o país continuará a beneficiar de ajuda pública e de empréstimos concessionais. Ganhar tempo porém não será de grande utilidade se os métodos e a atitude se mantiverem os mesmos. Urge pois que a governação do país vá além dos grandes gestos, da propaganda e dos interesses partidários e sirva a verdade, cultive a honestidade e aja com visão de futuro.
Editorial do jornal "Expresso das ilhas" de 5 de Outubro de 2011
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