Completa
a fotografia o facto notório que o turismo mesmo sendo o grande
impulsionador da economia fica muito aquém do desejável no efeito
positivo de arrastamento sobre o conjunto da economia que mostra ter
noutras paragens. Perante a percepção, mais ou menos disseminada desde
há alguns anos, de se estar quase a “patinar” sem poder ultrapassar os
constrangimentos principais do país, a questão que se coloca é, como
avisa o Banco Mundial no relatório-diagnóstico de Cabo Verde (SCD), se
tudo isso não irá conduzir à exclusão social com possível impacto na
criminalidade e à perda de coesão social com eventuais efeitos nocivos
na estabilidade das instituições, na confiança no futuro e na crença na
democracia.
Entretanto algo mais complicado poderá verificar-se. Quebra nas expectativas futuras das populações pode ter efeitos erosivos no que une a todos nas ilhas se se deixar que disputas por recursos se alimentem de frustrações e ressentimentos, uns apresentando-se como vítimas do centralismo e outros como alvo de discriminações passadas. Uma das consequências de o país nunca ter-se libertado da ajuda externa foi o agravamento das assimetrias regionais e a macrocefalia da capital. Uma outra, com repercussão ainda maior, foi a criação de uma mentalidade hostil a negócios, refractária quanto ao investimento privado e em particular ao investimento directo estrangeiro e de aceitação relutante do turismo. Virada para dentro, centralizadora e rentista, a atitude prevalecente das autoridades não permitiu que se completasse a reorientação da economia para atrair investimento estrangeiro e promover a exportação, precisamente a formula que permitiu a muitos pequenos países crescer, resolver o problema do desemprego e a se desenvolverem. A história passada e recente do país demonstra claramente a ligação causal entre a prosperidade nas ilhas com a ligação que se fizer com o mundo via exportações, serviços prestados ou turismo. Por isso fechar o país mesmo quando se faz conversa para inglês ouvir de atracção de investimento externo, significa de facto condenar as pessoas nas ilhas à uma pobreza estrutural da qual dificilmente têm conseguido escapar.
Da mesma forma simplificar a problemática do desenvolvimento reduzindo-a à questão da centralização sem perceber por que ela existe e o que a mantém, não ajuda. Pode-se abrir caminho para discussões intermináveis à volta da descentralização, da regionalização ou da simples desconcentração dos recursos, mas o facto é que mantendo o quadro actual dificilmente se conseguirá descentralizar. Pelo contrário, o mais provável é que a cultura administrativa burocrática e centralizadora prevalecente ao nível central se reproduza a nível municipal como todos podem verificar que já acontece e no futuro se manifeste a nível regional, se se efectivar a regionalização. É interessante que haja quase unanimidade entre os políticos em designar a centralização como a origem dos problemas. É evidente que convém a muitos políticos locais que os problemas com que se debatem na sua comunidade possam ser imputadas à acção de outras pessoas e resultam do poder estranho e distante. A forma mais primária de fazer política é socorrer-se de armas identitárias e incitar uns a resistir na luta contra o “outro”. Entra-se num jogo em que eleições são ganhas por quem for mais exímio em apresentar e manipular essas paixões. Para os votantes abre-se depois um longo caminho semeado de frustrações e ressentimentos e em que cada vez mais vão-se dar conta dos tiques de cacique e de autoritarismo dos políticos eleitos e em que o desenvolvimento prometido vai continuar a ser mais uma miragem.
É evidente que num país arquipélago como Cabo Verde permitir que se proceda desta forma não deixará de conduzir a situações em que todos perdem. O diálogo que deve existir entre ilhas é substituído por reivindicações extremadas em que cada vez mais haverá menos pejo em fazer uso de cartas identitárias para as justificar. Inversamente, menos enfase será posto no desenvolvimento a partir de uma perspectiva nacional, numa base estratégica do país e sempre com atenção que Cabo Verde é mais do que o somatório das suas ilhas. De uma convivência de séculos as ilhas participaram todas na produção do cadinho cultural de onde veria a emergir a ideia da caboverdianidade e a consciência da nação. O contracto social subsumido na Constituição reconhece isso e afirma a igualdade das ilhas. Não se pode deixar sem contestação a política que – em vez de fazer da diversidade das ilhas uma fonte de enriquecimento cultural e do diálogo plural em busca dos melhores caminhos para o desenvolvimento – se enverede pela vitimização, pelo ressentimento e por exigências de privilégios baseadas em razões dúbias e divisivas.
Na luta pelo desenvolvimento, um dos grandes combates a ser travado deve resultar na inflexão da tendência para se olhar para dentro como se o país tivesse dimensão para sustentar sozinho a dinâmica económica necessária. Ninguém tem, muito menos Cabo Verde que pelos seus números irrisórios em quase tudo, designadamente população, água disponível, terra arável e outros recursos não tem base para economias de escala. Mesmo que tivesse não seria suficiente. A ligação com o mundo em termos de capitais, tecnologia e mercados continuaria a ser imprescindível. Ficar pela bitola baixa que é a oferecida pela ajuda externa só podia conduzir a encruzilhadas difíceis de ultrapassar. Este é um tema que S. Vicente com a sua formação e desenvolvimento ligado ao mundo deveria sempre manter bem vivo no diálogo entre as ilhas. Como se vê, no Sal e na Boa Vista, dinâmica económica ganha-se com ligações das mais variadas e vantajosas com a economia mundial que se puder estabelecer. Mas considerando os aspectos negativos já conhecidos e ainda o facto do impacto do turismo ficar aquém do possível é fundamental que se deixe de ser passivo na relação com os investidores. Há que ser proactivo e estratégico na atracção do investimento estrangeiro e firme, seguro e exigente na qualificação das pessoas.
Humberto Cardoso
Texto originalmente publicado na edição impressa do expresso das ilhas nº 890 de 19 de Dezembro de 2018.
Entretanto algo mais complicado poderá verificar-se. Quebra nas expectativas futuras das populações pode ter efeitos erosivos no que une a todos nas ilhas se se deixar que disputas por recursos se alimentem de frustrações e ressentimentos, uns apresentando-se como vítimas do centralismo e outros como alvo de discriminações passadas. Uma das consequências de o país nunca ter-se libertado da ajuda externa foi o agravamento das assimetrias regionais e a macrocefalia da capital. Uma outra, com repercussão ainda maior, foi a criação de uma mentalidade hostil a negócios, refractária quanto ao investimento privado e em particular ao investimento directo estrangeiro e de aceitação relutante do turismo. Virada para dentro, centralizadora e rentista, a atitude prevalecente das autoridades não permitiu que se completasse a reorientação da economia para atrair investimento estrangeiro e promover a exportação, precisamente a formula que permitiu a muitos pequenos países crescer, resolver o problema do desemprego e a se desenvolverem. A história passada e recente do país demonstra claramente a ligação causal entre a prosperidade nas ilhas com a ligação que se fizer com o mundo via exportações, serviços prestados ou turismo. Por isso fechar o país mesmo quando se faz conversa para inglês ouvir de atracção de investimento externo, significa de facto condenar as pessoas nas ilhas à uma pobreza estrutural da qual dificilmente têm conseguido escapar.
Da mesma forma simplificar a problemática do desenvolvimento reduzindo-a à questão da centralização sem perceber por que ela existe e o que a mantém, não ajuda. Pode-se abrir caminho para discussões intermináveis à volta da descentralização, da regionalização ou da simples desconcentração dos recursos, mas o facto é que mantendo o quadro actual dificilmente se conseguirá descentralizar. Pelo contrário, o mais provável é que a cultura administrativa burocrática e centralizadora prevalecente ao nível central se reproduza a nível municipal como todos podem verificar que já acontece e no futuro se manifeste a nível regional, se se efectivar a regionalização. É interessante que haja quase unanimidade entre os políticos em designar a centralização como a origem dos problemas. É evidente que convém a muitos políticos locais que os problemas com que se debatem na sua comunidade possam ser imputadas à acção de outras pessoas e resultam do poder estranho e distante. A forma mais primária de fazer política é socorrer-se de armas identitárias e incitar uns a resistir na luta contra o “outro”. Entra-se num jogo em que eleições são ganhas por quem for mais exímio em apresentar e manipular essas paixões. Para os votantes abre-se depois um longo caminho semeado de frustrações e ressentimentos e em que cada vez mais vão-se dar conta dos tiques de cacique e de autoritarismo dos políticos eleitos e em que o desenvolvimento prometido vai continuar a ser mais uma miragem.
É evidente que num país arquipélago como Cabo Verde permitir que se proceda desta forma não deixará de conduzir a situações em que todos perdem. O diálogo que deve existir entre ilhas é substituído por reivindicações extremadas em que cada vez mais haverá menos pejo em fazer uso de cartas identitárias para as justificar. Inversamente, menos enfase será posto no desenvolvimento a partir de uma perspectiva nacional, numa base estratégica do país e sempre com atenção que Cabo Verde é mais do que o somatório das suas ilhas. De uma convivência de séculos as ilhas participaram todas na produção do cadinho cultural de onde veria a emergir a ideia da caboverdianidade e a consciência da nação. O contracto social subsumido na Constituição reconhece isso e afirma a igualdade das ilhas. Não se pode deixar sem contestação a política que – em vez de fazer da diversidade das ilhas uma fonte de enriquecimento cultural e do diálogo plural em busca dos melhores caminhos para o desenvolvimento – se enverede pela vitimização, pelo ressentimento e por exigências de privilégios baseadas em razões dúbias e divisivas.
Na luta pelo desenvolvimento, um dos grandes combates a ser travado deve resultar na inflexão da tendência para se olhar para dentro como se o país tivesse dimensão para sustentar sozinho a dinâmica económica necessária. Ninguém tem, muito menos Cabo Verde que pelos seus números irrisórios em quase tudo, designadamente população, água disponível, terra arável e outros recursos não tem base para economias de escala. Mesmo que tivesse não seria suficiente. A ligação com o mundo em termos de capitais, tecnologia e mercados continuaria a ser imprescindível. Ficar pela bitola baixa que é a oferecida pela ajuda externa só podia conduzir a encruzilhadas difíceis de ultrapassar. Este é um tema que S. Vicente com a sua formação e desenvolvimento ligado ao mundo deveria sempre manter bem vivo no diálogo entre as ilhas. Como se vê, no Sal e na Boa Vista, dinâmica económica ganha-se com ligações das mais variadas e vantajosas com a economia mundial que se puder estabelecer. Mas considerando os aspectos negativos já conhecidos e ainda o facto do impacto do turismo ficar aquém do possível é fundamental que se deixe de ser passivo na relação com os investidores. Há que ser proactivo e estratégico na atracção do investimento estrangeiro e firme, seguro e exigente na qualificação das pessoas.
Humberto Cardoso
Texto originalmente publicado na edição impressa do expresso das ilhas nº 890 de 19 de Dezembro de 2018.