Expresso das ilhas, edição 641 de 12 de Março de 2014
Editorial
O Primeiro Ministro José
Maria Neves anunciou no passado dia 10 de Março um segundo fórum nacional de
transformação “para traçar novos rumos
para a nação”. O I Fórum realizou-se
em 2003 e foi, segundo ele, um “momento de importância transcendente” e serviu
para definir “uma visão de futuro e traçar caminhos”. Hoje considera a missão
cumprida com “o ultrapassar da fase de
sobrevivência e caminhar para um desenvolvimento sustentado com base na
competitividade”. O II Fórum diferentemente do Iº projectar-se-á não por
dez anos mas por 15 anos realizando os objectivos de fazer Cabo Verde um país
desenvolvido em 2030.
Nestas declarações do Sr.
Primeiro Ministro chama logo a atenção o facto de essas datas desses fora transformacionais, 2003 e 2014, não
coincidirem com os momentos em que o voto popular sufraga programas de
governação. Tão pouco o tempo que exigem para a implementação dos respectivos
planos estratégicos, 10 anos para o I Fórum e 15 anos para o IIº coincide com o
mandato popular de 5 anos. É evidente que tudo isso briga com a própria noção
de democracia no que respeita à legitimidade no exercício do poder: os mandatos
fixos, a responsabilização pelos resultados e a prestação de contas, e a
alternância na governação. Não se está propriamente no mundo dos “planos
quinquenais sucessivos” e dos “grandes saltos em frente”.
No nosso sistema democrático, o governo no
início do mandato apresenta ao Parlamento um programa de governação válido por
cinco anos baseado na plataforma eleitoral e nas promessas com que ganhou as
eleições. Não se espera que venham criar fora
que redefinam o programa aprovado na Assembleia Nacional e estendam o tempo
para a consecução de objectivos para além da legislatura. A legitimidade
democrática para se realizar o “o quê e como” tem que ser assegurada nos
momentos certos. Tentar definir em fórum governamental o que compete de facto
ao pleito eleitoral de 2016, não é curial. Apresentado sob a capa de consenso
nacional e amparado na muleta do financiamento do Escritório das Nações Unidas
poderá ser visto como tentativa de esvaziamento do indispensável debate sobre a
situação actual do país e sobre propostas alternativas de governação que
precederá à realização das eleições legislativas.
Quer-se também com o anúncio
de um II Fórum proclamar que Cabo Verde estará a entrar numa nova etapa já com
a devida preparação para ser um país desenvolvido em 2030. De facto, em 2014
Cabo Verde passa a ser considerado país de rendimento médio, significando isso
essencialmente redução da ajuda externa e o fim do acesso a empréstimos
concessionais. Com a graduação a rendimento médio assume-se que no país já
existe estrutura produtiva diversificada, capacidade de atracção de capital
directo estrangeiro em volume e qualidade que ultrapassam os fluxos da ajuda
externa e credibilidade para se financiar no mercado internacional nos termos
comerciais do mercado. A realidade, porém, é que talvez em demasiados casos,
países que se graduam, depois vêem-se apanhados numa armadilha caracterizada
por crescimento anémico, elevado desemprego e deterioração dos equilíbrios
externos, o chamado “middle income trap”.
O ex-presidente brasileiro
Fernando Henrique Cardoso numa entrevista recente ao jornal Público alertou
para os riscos de mesmo um país colosso como o Brasil ser apanhado nessa
armadilha. As razões para isso, segundo ele, estão no facto de não se ter dado
continuidade às reformas estruturais e mudanças no ambiente de negócios que
tornariam os serviços públicos mais eficientes, o capital humana mais produtivo
e a economia globalmente mais competitiva. Adiamento das reformas deveu-se em
parte à euforia dos anos dos altos preços das commodities, matérias-primas e
produtos agrícolas. A factura veio depois com o baixo
crescimento, desemprego e agitação social devido à quebra na expectativa das
pessoas.
Em Cabo Verde, a euforia que
atrasou reformas tem uma base ainda mais precária. Sustenta-se essencialmente
na ajuda externa e no acesso a créditos concessionais que permitiram que o país
parecesse moderno em betão e asfalto enquanto a administração pública
permanecia ineficiente e hostil à iniciativa privada, deixava-se a base da
economia afunilar-se ao turismo e permitia-se que o investimento na educação e
na formação dos jovens não contribuísse grandemente para sua empregabilidade.
Em consequência, no momento de graduação, a dívida pública situa-se
oficialmente em 98% do PIB, o desemprego atinge os 16,8%, o crescimento
económico limita-se a 1,5% do PIB e no ranking de Competitividade e do Doing
Business, Cabo Verde está respectivamente na posição 122 em 148 países e 121 em
189 países.
Impõe-se que os
cabo-verdianos enfrentem a situação com toda a liberdade para melhor decidirem
sobre que orientação futura dar ao país. Isso porém faz-se no período eleitoral
próprio. Nenhum fórum dirigido pelo governo deve querer substituir o que deve
ser o processo próprio para se debater a governação do país e a escolha de quem
o deverá liderar. Fugas em frente para se procurar eximir de responsabilidades,
para evitar o debate aberto dos problemas e impedir que propostas alternativas
sejam abertamente apresentadas não deviam
merecer apoios ou patrocínios de ninguém.