Michael Spence, prémio Nobel da Economia, num artigo recente publicado no Project-Syndicate chamou atenção pelo facto de que a economia mundial está a acomodar-se num caminho de baixo crescimento conduzida pela incapacidade ou falta de vontade dos políticos de contornar os importantes constrangimentos que se colocam no caminho de uma maior dinâmica económica a nível global. Acrescenta ainda que mesmo o actual crescimento anémico poderá vir a revelar-se insustentável. Outros economistas como Larry Summers, Paul Krugman ou J. Bradford DeLong falam abertamente do que chamam de estagnação secular – uma nova era que estaria já à porta caracterizada por baixo crescimento num ambiente de baixa inflação ou mesmo deflação e de taxas de juros próximas dos 0%.
Todos estes avisos de eminentes economistas em relação à evolução da economia global nos próximos anos devem constituir um motivo de preocupação para os cabo-verdianos. Fraco desempenho da procura global significa menos estímulo económico, menos crescimento e concomitantemente menos capacidade de diminuir o défice orçamental e a dívida pública que segundo o último relatório do GAO situou-se, em 2014, nos 116% do PIB. Já temos um problema grave de estar a crescer muito abaixo do potencial. Segundo o GAO, o crescimento em 2014 foi de 1,8% quando em 2013 tinha sido de 1%. Os dados do INE do último trimestre (2º) apontam para uma taxa de crescimento de 0,1% do PIB. O 1º trimestre tinha sido de 1% do PIB, o que não augura nada de espectacular para 2015. Se as perspectivas mundiais para os próximos anos não são as melhores, mais razões devemos ter em pensar políticas no curto e médio prazo que, citando o relatório do GAO, ajudem a “recuperar do período de estagnação e a recuperar o diferencial em relação ao potencial” de crescimento económico.
2016, o ano de todas as eleições, está aí à porta. Devia ser o momento certo para se discutir abertamente a situação real do país e o contexto global onde vai labutar para encontrar o seu caminho para um desenvolvimento sustentável e sustentado. Devia ser também o momento para se deixar cair a propaganda e o ilusionismo enquanto instrumentos de governação para se focar na discussão séria do como fazer e que opções tomar para ultrapassar os múltiplos constrangimentos que não deixam o país crescer e mantém a sua população num nível de vulnerabilidade inaceitável.
Aparentemente todos sabem o que fazer. Sabe-se por exemplo que:
- Devíamos ter uma administração pública isenta, imparcial, profissional, atenta às necessidades da economia e favorável à manutenção de um ambiente de negócios atractivo.
- Devíamos assumir uma política de atracção de investimento externo suportada em políticas que dão competitividade ao país designadamente nos domínios da segurança, no domínio legal/contractual, fiscal, energético e de transportes e comunicações.
- Devíamos primar por um ensino de qualidade com ênfase nas ciências e na aquisição de competência linguística a todos os níveis de forma a qualificar a mão-de-obra cabo-verdiana e construir bases sólidas para o empreendedorismo e a inovação.
- Devíamos quanto ao turismo assegurar uma outra atitude das instituições, mais positiva e criativa e da sociedade um novo engajamento e uma renovada cultura de serviço para se poder conseguir sucesso sustentável neste sector crucial para a dinâmica económica do país.
- Devíamos tudo fazer para que o apoio ao sector privado nacional e à iniciativa individual deixe de ser um mero slogan para passar a ser um objectivo essencial para se poder ganhar capacidade endógena de criação de riqueza no país.
- Devíamos fazer uma aposta séria nas tecnologias de informação e comunicação como actividade que permite ultrapassar os constrangimentos do isolamento e de fragmentação territorial do mercado nacional e ao mesmo tempo servir de veículo para talentos e criatividades individuais com potencial de retorno extraordinários para as pessoas e para o país.
- Devíamos considerar vital para o futuro reorientar a mentalidade no sentido de produção de bens e serviços transaccionáveis como condição necessária para alargar mercados, obter economias de escala e criar emprego num ritmo que efectivamente diminua as taxas de desemprego no país.
Todos, o governo, a oposição e a sociedade sabem isso. O governo mostra saber isso quando impregna o seu discurso com referências ao empreendedorismo, inovação e desenvolvimento do sector privado. A oposição critica falhas nesses domínios e promete medidas mais eficazes para as superar. A sociedade é bombardeada todos os dias com notícias de fóruns, workshops, feiras e outros eventos em que pelaenésima vez se promete que agora é que se vai fazer o take off, ou tirar as amarras para a largada ou realmente mudar o chip. Na prática o que todos os dias se vê é que a Administração Pública continua partidarizada e pouco sensível ao pulsar da economia, o sector privado anda pelas nas ruas da amargura, a competitividade mantém-se baixíssima, o desemprego fixa-se em taxas elevadíssimas e o crescimento económico permanece anémico.
A questão que se coloca é se a discrepância entre o discurso do governo e os resultados que obtém devem-se à incompetência ou são consequência de uma opção bem clara: por um lado, fazer o discurso politicamente correcto e, por outro, actuar numa perspectiva diametralmente oposta em que a preocupação com o controlo e a manutenção do poder sobrepõe-se a tudo, incluindo ao desenvolvimento. Hoje é evidente para qualquer observador que o discurso que o governo faz, e que é salpicado de referências a políticas e medidas que poderiam agradar a todos, fica pela aparência. Não há acção consequente. Serve fundamentalmente para ofuscar a realidade do controlo que realmente pretende ter sobre o país e a sociedade.
Na prática, procura introduzir no tecido social, económico, cultural e até no seio dos outros partidos redes de influência através das quais as pessoas ficam dependentes do Estado, dos seus caprichos e suas preferências. Com este objectivo central em mente, os resultados só podiam ser os que se vêem actualmente no país. Em vez de gente activa, produtiva, ambiciosa e orientada para o sucesso quer-se pessoas a disputar acessos, benefícios e favores.
A verdade é que nenhum país consegue desenvolver-se reproduzindo esse tipo de mentalidade na população. Em países com petróleo ou outros recursos que se pode simplesmente extrair da terra e vender, governos similares procuram o apoio do povo distribuindo parte da bonança. Mas mesmo aí não há garantia que a barganha dure para sempre. A coisa complica-se quando o preço internacional desses produtos, caso do petróleo, cai e a bonança fica menor. Ou no caso de Cabo Verde se a ajuda externa diminui. Vai-se então para o endividamento mas até isso tem limite. Neste particular o relatório do GAO chama a atenção mais uma vez quando diz que “a redução do peso da dívida externa é crucial para o país poder ceder a mercados financeiros internacionais, à medida que a ajuda externa tradicional diminui”.
Insistir nesse tipo de governação só pode levar a retornos cada vez mais baixos em relação aos investimentos feitos e a resultados com sustentabilidade cada vez mais precária. A contínua vulnerabilidade da população rural, em particular na ilha de Santiago, mas também em Santo Antão e Fogo apesar dos enormes investimentos feitos, é prova evidente disso. A persistência do desemprego elevado e do crescimento raso também confirmam a inadequação das políticas do governo. Empresas públicas como a TACV e a ELECTRA só conseguem sobreviver imputando custos altíssimos às pessoas, às famílias e à economia do país.
Podia-se pensar que, particularmente com sombras negras a pairar sobre a economia mundial, o PAICV, o partido no poder, mudasse de políticas. Quinze anos depois todos vêem que elas não funcionam e os resultados que apresentam não têm garantia de sustentabilidade futura. Mas o partido não muda. Em vez disso opta por aumentar até o paroxismo o ritmo da propaganda e os actos de ilusionismo que suportam a ficção que luta a todo o momento para impor ao país. É só ver como o Sr. Primeiro-ministro e os seus ministros têm circulado pelas ilhas e comunidades emigradas neste ano de 2015. Até dá para perguntar se, de facto, andam mesmo a governar.
Em todos os discursos, mesmo quando finge reconhecer insuficiências actuais, a mensagem principal é que tudo vai bem e que as falhas são provavelmente de outros e de causas externas sobre as quais não têm controlo. Põe, por exemplo, a Dra. Leonesa Fortes, o sétimo ministro da Economia dos governos do PAICV, num frenesim por todas as ilhas particularmente as do Norte do arquipélago, prometendo fazer nos últimos meses do mandato o que não se fez nos últimos quinze anos. E sabe-se perfeitamente que ela não tem força política para mudar nada como, aliás, os outros seis ministros que a antecederam não tiveram. Muito menos tê-la-ia num hipotético governo da Dra. Janira Almada. De facto, com todo este lançar de poeira nos olhos das pessoas, o PAICV está a reafirmar que vai continuar igual a si próprio. Faz o discurso do desenvolvimento que se lê nos manuais de economia ou se ouve nos corredores das instituições internacionais, mas depois “pensa com a sua própria cabeça” e põe o controlo e o desejo de poder acima de tudo. Por isso é que os resultados são os que tem.
Cabo Verde paga o preço de ser governado por quem, no fundo, bem no fundo, acredita que o país não é realmente viável. Que o país sempre há-de viver da ajuda externa. Convém-lhe que seja assim porque dessa forma poderá continuar a ter o controlo dos recursos e a manter o poder. Há países autoritários e não democráticos como a China e a Singapura que usam a bandeira do crescimento económico acelerado para legitimarem o seu regime. O PAICV mesmo quando governou como partido único nunca quis promover as exportações como as Maurícias e fomentar o turismo como as Seychelles para atingir taxas elevadas de crescimento e diminuir rapidamente o desemprego. Sempre preferiu o controlo.
Nas eleições que se aproximam, há que dizer um basta a isto. O mundo à nossa volta não espera. Todos os dias está a ficar mais rigoroso nas exigências e menos generoso nos seus gestos de solidariedade. A Espanha vai deixar o GAO porque, segundo o relatório citado, mudou de política de cooperação e vai ter um menor foco na ajuda não reembolsável. Essa é a tendência que os outros, mais cedo ou mais tarde vão seguir. Por isso, um outro rumo tem que ser tomado para que o cabo-verdiano finalmente encontre o caminho para a sua felicidade e prosperidade na Liberdade. Parafraseando o presidente Obama: O nosso momento é agora.
*Intervenção na Assembleia Nacional, no dia 24 de Novembro de 2015