sexta-feira, janeiro 15, 2016

Parlamento: representação e governabilidade

O Jornal A Nação noticia que o constitucionalista Vladimir Brito defende a adopção de um sistema eleitoral misto em que 11 dos deputados seriam eleitos em círculos uninominais de forma a sentirem-se mais responsabilizados pela defesa da sua ilha. Os candidatos seriam propostos por grupos de cidadãos e com isso rompia-se com o actual monopólio dos partidos e melhorava-se a representação no parlamento. A proposta merece-nos alguns comentários:
1-     Estabilidade governativa. No parlamento não se põem somente os problemas de representação mas também de governabilidade. O governo é uma emanação do parlamento e precisa de uma maioria sólida para implementar as suas políticas. Aqui em Cabo Verde, diferentemente por exemplo do que é na norma em Portugal, exige-se ao novo governo que apresente e passe por maioria absoluta dos deputados uma moção de confiança. Também as leis são aprovadas por maiorias absolutas e não por maiorias simples. Ter 11 deputados livres da disciplina partidária e cada um com a agenda da sua ilha é correr um risco grande de instabilidade governativa e de possível queda de governo.
2-     Grupos de cidadãos. Há quem veja nos “grupos de cidadãos” uma espécie de alternativa aos partidos ou como via de esbater a partidocracia existente. É uma perspectiva que não condiz com a realidade vivida nas eleições locais e nas autarquias desde 1991.Quando eleitos, os grupos de cidadãos, tendem a funcionar em bloco mostrando a mesma rigidez de posições normalmente encontrada nos partidos.  Em demasiados casos fizeram os jogos dos partidos políticos, servindo de uma espécie de barriga de aluguer para candidaturas encapotadas. Noutros casos ajudaram a pôr de pé o novo caciquismo que se alimenta da retórica anti-partido, da hostilidade a originários de outras ilhas e que se suporta em redes pessoais construídas para  influência eleitoral. Trazer essa experiência para o parlamento muito provavelmente não afectaria a actual configuração política com base nos dois grandes partidos mas poderia introduzir elementos de fragilidade governativa sem que algum benefício fosse obtido.

3-     Câmara Alta ou Senado. Vladimir Brito vê os 11 deputados a funcionar com uma espécie de “câmara alta” dentro do actual parlamento. Não se sabe é se a diferenciação entre deputados nacionais e deputados com “mandato da ilha” teria tradução em termos de poderes e competências nos trabalhos da A.N. ou se fica tudo ao nível da sensibilidade pessoal em relação às matérias. Desde de 1990 que no MpD se pôs a questão da criação de uma câmara alta. Optou-se depois de muita discussão pela consagração na Constituição de 1992 de um Conselho de Assuntos Regionais com poderes para emitir pareceres sobre todas as questões de desenvolvimento regional. As ilhas teriam igualmente dois representantes  no conselho. De vários quadrantes não houve vontade de fazer o órgão funcionar e na revisão de 1999 perdeu alguma importância sendo integrado no Conselho Económico e Social (CES). Em Julho de 2014 na aprovação da Lei do CES foi reiterado o princípio de representação igual por ilha e não por círculo eleitoral como parece preconizar o Vladimiro Brito. Pena que nem ontem, nem hoje, muitos dos que se dizem apoiantes de regionalização ainda não se aperceberam do papel que o Conselho para Assuntos Regionais poderia ter na harmonização das políticas nacionais e na luta contra as assimetrias regionais.                                                                               Publicado no jornal Expresso das Ilhas de 6 de Janeiro de 2015

Sem comentários: