O Jornal A Nação noticia que o constitucionalista Vladimir
Brito defende a adopção de um sistema eleitoral misto em que 11 dos deputados
seriam eleitos em círculos uninominais de forma a sentirem-se mais responsabilizados pela defesa da sua
ilha. Os candidatos seriam propostos por grupos de cidadãos e com isso rompia-se
com o actual monopólio dos partidos e melhorava-se a representação no
parlamento. A proposta merece-nos alguns comentários:
1-
Estabilidade
governativa. No parlamento não se põem somente os problemas de
representação mas também de governabilidade. O governo é uma emanação do
parlamento e precisa de uma maioria sólida para implementar as suas políticas.
Aqui em Cabo Verde, diferentemente por exemplo do que é na norma em Portugal, exige-se
ao novo governo que apresente e passe por maioria absoluta dos deputados uma
moção de confiança. Também as leis são aprovadas por maiorias absolutas e não
por maiorias simples. Ter 11 deputados livres da disciplina partidária e cada
um com a agenda da sua ilha é correr um risco grande de instabilidade
governativa e de possível queda de governo.
2-
Grupos de
cidadãos. Há quem veja nos “grupos de cidadãos” uma espécie de alternativa
aos partidos ou como via de esbater a partidocracia existente. É uma
perspectiva que não condiz com a realidade vivida nas eleições locais e nas autarquias
desde 1991.Quando eleitos, os grupos de cidadãos, tendem a funcionar em bloco
mostrando a mesma rigidez de posições normalmente encontrada nos partidos. Em demasiados casos fizeram os jogos dos
partidos políticos, servindo de uma espécie de barriga de aluguer para candidaturas
encapotadas. Noutros casos ajudaram a pôr de pé o novo caciquismo que se
alimenta da retórica anti-partido, da hostilidade a originários de outras ilhas
e que se suporta em redes pessoais construídas para influência eleitoral. Trazer essa experiência
para o parlamento muito provavelmente não afectaria a actual configuração
política com base nos dois grandes partidos mas poderia introduzir elementos de
fragilidade governativa sem que algum benefício fosse obtido.
3- Câmara Alta ou Senado. Vladimir Brito
vê os 11 deputados a funcionar com uma espécie de “câmara alta” dentro do
actual parlamento. Não se sabe é se a diferenciação entre deputados nacionais e
deputados com “mandato da ilha” teria tradução em termos de poderes e competências
nos trabalhos da A.N. ou se fica tudo ao nível da sensibilidade pessoal em
relação às matérias. Desde de 1990 que no MpD se pôs a questão da criação de
uma câmara alta. Optou-se depois de muita discussão pela consagração na
Constituição de 1992 de um Conselho de Assuntos Regionais com poderes para
emitir pareceres sobre todas as questões de desenvolvimento regional. As ilhas teriam
igualmente dois representantes no
conselho. De vários quadrantes não houve vontade de fazer o órgão funcionar e
na revisão de 1999 perdeu alguma importância sendo integrado no Conselho
Económico e Social (CES). Em Julho de 2014 na aprovação da Lei do CES foi
reiterado o princípio de representação igual por ilha e não por círculo
eleitoral como parece preconizar o Vladimiro Brito. Pena que nem ontem, nem
hoje, muitos dos que se dizem apoiantes de regionalização ainda não se aperceberam
do papel que o Conselho para Assuntos Regionais poderia ter na harmonização das
políticas nacionais e na luta contra as assimetrias regionais. Publicado no jornal Expresso das Ilhas de 6 de Janeiro de 2015
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