Mis-en-scène. É
interessante ver como José Maria Neves aproveitou as declarações inócuas do
embaixador da União Europeia a propósito do processo eleitoral para repetir as
mensagens de sempre do PAICV na sua relação com o país e com os caboverdianos.
Em tempo já de confronto eleitoral quer relembrar quem é patriota. Para isso
nada melhor do que supostamente “apanhar” o presidente do MpD no acto de
colaboracionismo com “funcionários estrangeiros” a pôr em causa o bom nome de
Cabo Verde e idoneidade das suas instituições . Amílcar Cabral nos seus textos
fazia uma distinção entre povo e população. Povo é todo aquele que está com o
partido. População é o resto onde se encontram os traidores, colaboracionistas,
informadores, etc. O PAICV nunca se libertou dessa definição de povo e
população. Tem-na reproduzido sistematicamente ao longo da sua história com
seus melhores filhos do povo e os outros, os amantes da terra e os vendedores
da terra, os que têm interesses e os que só vêm o interesse de todos, os
patriotas e os antipatriotas. O “incidente” com o embaixador foi mais uma
oportunidade para se passar esse filme já conhecido. Compreende-se assim porque
muitos dos seus militantes não conseguem ser “simples caboverdianos”, em pé de
igualdade a contribuir, na diversidade dos seus interesses e na pluralidade da
suas opiniões, para o bem da nação e a prosperidade de todos.
Repetição de luta
armada. Já é pela segunda vez que o governo faz reparos ao embaixador da União Europeia . Da outra vez foi sobre o
ambiente de negócios em Cabo Verde. Também nessa ocasião estaria a
“imiscuir-se” nos assuntos internos constatando nas dificuldades encontradas
pelos empresários as deficiências, ineficiências e custos já identificados pelo
Banco Mundial e outras instituições internacionais. Talvez porque o embaixador
é português propicia oportunidade para se fazer um teatro de colocar os
“colonialistas no seu devido lugar”. Em 2006 a oportunidade foi encontrada com
a EDP e a ELECTRA. O PM convidou a empresa portuguesa a ir-se embora sem muito
cerimónia e sem muita ponderação. O país pagou caro em produtividade, despesas
extraordinárias e horas perdidas de trabalho com esse acto de “libertador tardio”.
E ainda continua a pagar nos preços dos mais elevados do mundo em electricidade
que lhe é cobrado. Brincar aos libertadores reforça a narrativa de serem
patriotas, mais caboverdianos do que os outros e de serem os supremos
defensores dos interesses de Cabo Verde. O país que suporte a crispação que
necessariamente isso gera.
P.S.. O aviso do
PM para os “funcionários estrangeiros não se imiscuírem nos assuntos internos”
aparentemente não se aplica quando se trata, por exemplo, do embaixador
americano. Todo o país sabe do escândalo do Fundo do Ambiente e da controvérsia
à volta do financiamento da Associação dos Amigos do Brasil. A organização
recente da ida do embaixador americano, acompanhado do deputado Euclides de Pina,
dirigente da associação, para fazer a entrega de arcas frigoríficas não terá
sido uma tentativa branqueamento de imagem? E os outros casos, em que representantes
de organizações estrangeiras aparecem na televisão a fazer doações a projectos
que levantam suspeitas dentro do próprio PAICV de que são ou foram usados com
objectivos eleitoralistas? Também se qualificam como imiscuir? E a visita surpresa do Primeiro Ministro António Costa, que há um ano esteve na posse
de Janira Hopffer Almada como presidente do PAICV?
Publicado no jornal expresso das Ilhas de 13 de Janeiro de 2016
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