sábado, fevereiro 06, 2016

Caminhos para África. Equívocos

No dia 26 de Janeiro passado, Ulisses Correia e Silva recebeu elementos da direcção da Associação dos Combatentes. Coincidência ou não, a notícia do dia foi que o reforço da relação com a África teria sido um dos temas abordados entre o MpD e essa associação. A perspectiva apresentada é que a economia cabo-verdiana pode crescer com a aproximação ao continente. Para tal, segundo UCS, é preciso conhecer “os trâmites administrativos, os interlocutores e a sociedade civil”. Subentende-se de tudo isso que a Associação de Combatentes será de grande ajuda na criação dos canais necessários. Não se sabe é porquê. Primeiro, porque a maior parte dos membros dessa associação não tem uma experiência ou conhecimento de África que significativamente os distinga dos outros cabo-verdianos. Segundo, nada garante que para além dos laços ideológicos que os liga à África das lutas de libertação e ao pan-africanismo queiram desenvolver outros de natureza mais comercial, social ou mesmo cultural. De facto, os poucos de entre eles que vieram de Conakri e da Guiné Bissau, e que governaram Cabo Verde durante quinze anos após a independência sem qualquer entrave, são os únicos que poderiam reivindicar alguma vivência e conhecimento da região. Mas não se viu qualquer aproximação comercial durável e sustentável com os países da costa ocidental. Nem mesmo com a Guiné Bissau nos primeiros 5 anos, no quadro da Unidade Guiné-Cabo Verde, apesar de iniciativas como a Naguicave. Por isso é que uma grande “inventona” dizer que o comércio com a África ainda não chega aos 3% do PIB devido aos anos noventa da governação do MpD. Desresponsabiliza-se quem se auto-denomina “partido africano” e governou durante 30 anos dos seus 40 anos de independência. Deste aparente paradoxo, ou se conclui que até agora não se mostraram as vantagens comparativas mútuas de Cabo Verde e os vizinhos para desenvolverem relações comerciais, ou, de facto, quem governou Cabo Verde nesses anos todos prefere que as relações sejam puramente ideológicas. Porquê? Ninguém sabe. Talvez agora com o pedido da ajuda à Associação de Combatentes finalmente o país fique a saber.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 740 de 03 de Fevereiro de 2015.

sexta-feira, fevereiro 05, 2016

Guerra aos mosquitos

Há mais de uma semana o Centro de Controlo de Doenças (CDC) dos Estados Unidos pôs Cabo Verde na lista dos países com surto do vírus Zika. Em vários países, designadamente países da América latina como o Brasil, a Colômbia, Guatemala já se vive autênticas epidemias de Zika. As preocupações com o vírus têm aumentado à medida que se vem confirmando a suspeita da sua relação com a microcefalia em crianças cujas mães foram infectadas durante a gestação. Notícias provenientes dos Estados Unidos dão conta de uma outra complicação que é a possibilidade da sua transmissão via relações sexuais.  
O Brasil praticamente já declarou guerra ao mosquito aedis egyptis, o vector de distribuição tanto do zika como do dengue, com a mobilização de mais 220 mil soldados. Em vários outros países esforços extraordinários estão a ser feitos para conter a doença e destruir os mosquitos. As mudanças climáticas, e particularmente a actividade nos últimos tempos do El Nino, têm propiciado o aparecimento e a proliferação do mosquito em zonas onde até recentemente era desconhecido. Hoje é visível como já se espalhou por todos os continentes, constituindo actualmente uma ameaça grave para as populações desencadeando epidemias graves de dengue e agora de zika.
O anúncio do CDC americano, seguido de alertas de outros países em relação a viagens para Cabo Verde devido ao Zika, teve consequências imediatas. Operadores turísticos foram obrigados a desviar passageiros para outros destinos ou a devolver passagens já compradas. A reacção da Ministra de Turismo é que tudo isso tinha sido excessivo, considerando que não houve casos significativos nas ilhas turísticas. O problema é que ninguém espera que um potencial turista vai dar-se ao trabalho de ponderar o risco que poderá incorrer indo para uma ilha onde ainda não houve surto do vírus, mas que tem também o mosquito transmissor da doença. Compreende-se que se recuse a vir ou estando cá queira regressar. Cabo Verde é que tudo deve fazer para não estar nestas situações.
Em 2009 o dengue apanhou o país desprevenido e algumas mortes provavelmente resultaram disso. Fez-se um trabalho meritório no combate aos mosquitos, a epidemia de dengue acabou por ceder e a doença quase deixou de existir. Casos de malária têm aparecido em várias ilhas para além de Santiago, designadamente Boavista onde estão grandes hotéis. Agora é o mesmo mosquito aedes aegypti, que normalmente o transmite, que aparece a espalhar o Zika. Há que o combater de forma sistemática e permanente. E ninguém deve ficar descansado até à sua erradicação total destas ilhas.
Foi possível no passado erradicar completamente o paludismo da ilha de Santiago. Deve-se voltar a fazer isso. O combate ao mosquito aedes aegypti deve ser total. O mosquito além do dengue e da zika também transmite a febre-amarela. Cabo Verde não pode dar-se ao luxo de ver o seu futuro turístico comprometido com situações incontroláveis em matéria de saúde. O país é formado por ilhas e deve aproveitar-se dessa condição que para, com a ajuda activa da população e das organizações sociais, comunitárias e municipais, erradicar esses males. O governo deve poder liderar de forma decisiva uma acção desta natureza. Cooperação com o Brasil nesta matéria faria todo o sentido considerando que também está engajado na luta para se ver livre definitivamente desse mosquito.  
Segurança a todos os níveis é fundamental para o desenvolvimento de Cabo Verde. No mundo de hoje, de fácil comunicação, viagens frequentes e movimentos migratórios significativos, os riscos aumentam naturalmente e não há como contorná-los. Pior, porém, do que os riscos reais são muitas vezes as percepções de risco presente e futuro. Por isso, em matéria de segurança nacional, deve-se trabalhar na antecipação e prevenir para que as ameaças latentes ou em progressão não se concretizem. A luta para erradicação dos mosquitos transmissores de doenças podia ser uma boa causa capaz de galvanizar a vontade nacional num objectivo claro  e preciso para todos.  
      Editorial do Jornal Expresso das Ilhas de 3 d Fevereiro de 2016

quarta-feira, fevereiro 03, 2016

Conversão de cabo-verdianos

O conselheiro de Segurança Nacional em entrevista ao jornal asemana disse que temos que encarar como natural o fenómeno do aumento da população muçulmana em Cabo Verde resultar do crescimento da conversão de cabo-verdianos a essa religião. De facto a conversão ao islamismo seria natural e seria visto como uma decisão pessoal em matéria de fé religiosa se não houvesse outros interesses. Em muitos países designadamente no Senegal e noutros países vizinhos da costa ocidental detecta-se uma acção deliberada de islamização alimentada por dinheiro da Arábia Saudita. Aproveitando-se da situação de pobreza, constroem-se redes sociais de suporte às pessoas que depois são islamizadas dentro de uma doutrina ultra -conservadora chamada wahhabismo. Para muitos analistas internacionais esta ofensiva do islamismo conservador está ligada ao desenvolvimento de movimentos jihadistas que nas condições certas podem tornar-se em viveiros de terroristas. Assim como muitos governos não tomam de ânimo leve certas movimentações dentro das suas fronteiras, particularmente depois de terem assistido à radicalização de gente insuspeita, também Cabo Verde deve cuidar para que as dificuldades vividas pela sua gente não sejam aproveitadas para propósitos obscuros. Infelizmente o hábito de receber ajuda em troca de favores políticos está bem implantado no país o que torna mais difícil conseguir o repúdio das comunidades contra tais práticas quando aparecem de outras fontes. E não é certamente pelo esforço de integração da comunidade muçulmana no país que se vai eliminar eventuais ameaças. Países como a França e o Reino Unido, com diferentes estratégias de integração, não conseguiram evitar que processos de radicalização contaminassem um número significativo de jovens. Mesmo países africanos com vasta população muçulmana como o Senegal estão a ter problemas similares como provam os últimos acontecimentos. Não podemos pensar que estamos isentos disso e que os potenciais radicais são facilmente identificáveis porque “são pessoas sem laços”.  

terça-feira, fevereiro 02, 2016

Cabo Verde Investimentos: Improvisos

O Governo, em fim de mandato e após quinze anos de governação contínua, acordou para o facto de que “tanto a promoção do turismo como a promoção do investimento externo demandam do Governo intervenção urgente”. No BO de 3 de Dezembro 2015 constata que tem havido um deficiente aproveitamento do potencial nacional com impacto no emprego, no PIB, nas exportações, na inovação tecnológica e na internacionalização da economia. Também nota que o investimento externo no turismo vem registando taxas de crescimento pouco expressivas. Conclui que é necessário a adopção de estratégias de promoção mais eficazes e eficientes. Para isso resolveu mexer mais uma vez na estrutura da Cabo Verde Investimento. Aparentemente, para o governo, o problema do país na atracção do investimento externo não está no mau ambiente de negócios ou na fraca competitividade do País, revelados nos sucessivos relatórios do Doing Business e do Fórum Económico Mundial. Não está na insensibilidade da administração pública. Ou nos elevados custos de factores, como a energia e água. Ou na fragilidade dos sistemas de transportes aéreos e marítimos. O problema, como é colocado, está numa instituição que ora o governo põe sob tutela do primeiro-ministro, ora fica com o ministro de economia, sem se decidir, de facto, ser a janela única na relação com os investidores. Neste fim de mandato parece que cada vez mais impera o princípio de “mudar para que as coisas fiquem na mesma”. Resolve inovar e criar três centros regionais do CI, no que mais parece uma piscadela do olho à sensibilidades regionalistas do que a procura de eficácia. De facto, a descentralização da CI não serve de muito se as decisões da administração pública, importantes para os investidores, continuarem centralizadas. O improviso continua agora com uma comissão instaladora de uma instituição que iniciou a sua existência como PROMEX em 1991. Devia ser uma nova direcção, mas o governo, algo tardiamente, descobriu que a lei o proibia de nomear dirigentes depois de serem marcadas as eleições. Então enveredou-se pela via de nomeação de uma comissão instaladora, através de uma portaria do ministro da tutela de duvidosa legalidade. A dois meses do fim de mandato qual é a pressa? De qualquer forma, ao objectivo fundamental de atrair investimento directo estrangeiro, para financiamento da economia nacional, nunca foi dada a atenção que devia merecer se o PAICV e o seu governo tivessem uma outra visão do desenvolvimento do país e uma outra compreensão do exercício do poder, mais facilitador e menos controlador.

segunda-feira, fevereiro 01, 2016

Segurança, SIR e Estado de Direito

Coisa rara no país, o Conselheiro de Segurança Nacional, o Dr. Carlos Reis, deu uma longa entrevista ao jornal asemana em que se debruçou sobre os vários componentes do sistema de segurança, referiu-se às ameaças e até propôs formas de financiamento para o sistema. Pena que não aproveitou a oportunidade para responder às preocupações à volta do Serviço de Informação da República (SIR) ventiladas no parlamento e na comunicação social em Fevereiro, Março de 2015. O SIR é fiscalizado por duas comissões, uma de magistrados do ministério público e outra de deputados da assembleia nacional. Nenhuma dessas comissões estava a funcionar adequadamente. Quando inquirido sobre a apresentação dos relatórios obrigatórios da parte do SIR, a comissão parlamentar lavou as suas mãos, negando-se a prestar qualquer informação para a positiva ou para a negativa. A comissão dos magistrados do ministério público, que controla a legalidade do acesso aos dados dos cidadãos, foi clara em dizer que não exerceu “de forma cabal as suas atribuições devido a obstáculos criados pelo SIR”. Na entrevista, quando questionado sobre se “os SIR obedecem à legislação cabo-verdiana referente à protecção de dados” respondeu “julgo que não. Mas o próprio serviço rege-se por normas”. Não se ficou a saber é se o SIR já deixou de pôr obstáculos ao trabalho da comissão de dados. A questão de fundo é a protecção dos direitos dos cidadãos. E neste aspecto os cabo-verdianos comportam-se como gato escaldado. Já viram por muitos anos o que significa ter um Estado e os seus agentes a atropelarem os direitos dos cidadãos, tanto no regime de Salazar/Caetano como no do partido único do PAIGC/PAICV. Não é por acaso que a Constituição traça um perfil de governo limitado no seu exercício de poder pelos direitos fundamentais dos cidadãos, pela lei e pelos tribunais. Os cabo-verdianos sabem que um Estado sem fiscalização pode ser a principal ameaça e um verdadeiro algoz para os seus cidadãos, contrariamente ao que pensa o Dr. Carlos Reis.

sábado, janeiro 30, 2016

Memória colectiva, memória histórica

Carlos Reis, administrador da Fundação Amílcar Cabral queixou-se no artigo referido do jornal Público que a figura de Amílcar Cabral é maltratada, “não se explica, não se desenvolve, não se aprofunda”. É uma afirmação que deixa qualquer pessoa perplexa, considerando o culto de Amílcar Cabral que cada vez mais se institucionaliza em Cabo Verde. Pelo número de vezes, e pela forma reverencial, que o primeiro-ministro se refere a Cabral nos seus pronunciamentos oficiais alguém mais desprevenido podia pensar que Cabo Verde é alguma espécie de teocracia. A acção que é feita junto de crianças e jovens nas escolas do país e na comunicação social lembra, nos seus métodos, regimes bem conhecidos na história de culto de personalidade. Já se tornou ritual oficial a deposição de flores junto à sua estátua no 5 de Julho e no feriado de 20 de Janeiro. Em certas repartições públicas e até tribunais ainda muito recentemente via-se a fotografia de Amílcar Cabral, prerrogativa que só deve ser dada ao Presidente da República, enquanto Chefe de Estado e representante da Nação. Curioso que não há nada na Constituição da República que autorize esse tipo de acções. O Estado é obrigado a reger-se pelos princípios e valores da Constituição e está impedido de impor ao sistema de ensino as suas escolhas de ideologias, preferências estéticas ou filosóficas. Os símbolos nacionais são os que constam do artigo 8º da Constituição e não outros. Parece porém que se anda a seguir ainda uma lei de 7 Julho de 1975 que reconheceu a Amílcar Cabral enquanto fundador e militante nº1 do PAIGC o título de Fundador da Nacionalidade, consagrou o 12 de Setembro como o dia da nacionalidade e instituiu a medalha Amílcar Cabral. Como conciliar isso com a democracia liberal e constitucional é de facto “um bico de obra”. Interessante notar que neste imbróglio a insatisfação maior vem do lado dos seus defensores que consideram que a Amílcar Cabral não está a receber o que lhe é devido. Também dá para perceber que nunca vão estar satisfeitos. Assim se mantém a cultura de crispação e da guerrilha política no país.

sexta-feira, janeiro 29, 2016

Desenvolvimento sutentável

A última sessão plenária da assembleia nacional desta legislatura arrancou com um debate sobre os objectivos do desenvolvimento sustentável (ODS) no horizonte de 2030. O debate foi pedido pelo governo, mas acabou por não acontecer na realidade. O discurso inicial do PM, que foi o seu último enquanto primeiro-ministro, foi de facto um discurso de balanço. Incidiu essencialmente sobre o trabalho feito por seu governo no que ele chamou de agenda de transformação. Previsivelmente, a oposição reagiu mal, mostrando as insuficiências do país a todos os níveis, designadamente ao nível económico em que o país se arrasta com um crescimento à volta de 1%. A discussão dos ODS ficou adiada para a próxima legislatura como seria normal de esperar se alguém não se lembrasse de se servir dela como mais um estratagema no combate pré-eleitoral.
Os ODS suportam-se em três pilares, crescimento económico, ambiente sustentável e inclusão social. Os dezassete objectivos definidos em Setembro de 2015 irão permitir conjugar esforços, coordenar políticas e recursos ao nível nacional e internacional e ter elementos de avaliação do progresso na sua realização. O sucesso que representou a iniciativa dos Objectivos do Milénio no horizonte 2015 mostrou a força de se focalizar em objectivos e metas claramente estabelecidas e a partir daí traçar planos, mobilizar recursos e formar vontades para as realizar. Já dizia John Kennedy: “definir o nosso objectivo mais claramente faz com que pareça mais realizável e menos longínquo, ajuda a todos vê-lo, a ganharesperanças com ele e a avançar irresistivelmente na sua direcção”.
Fala-se em mais de 2,5 triliões de dólares que devem ser mobilizados e canalizados para que haja um bom nível de sucesso na consecução desses objectivos. A ajuda é bem-vinda mas não se deve ficar por aí. Muito menos constranger a acção, ou subordinar prioridades ao acesso ao fundo disponível. A ajuda externa pode lançar alguém para níveis de rendimento ou qualidade de vida e acesso a bens especiais sem que a nova situação se torne sustentável a prazo. Importa que todo o processo de chegar às pessoas, e realmente fazer a diferença, seja um processo libertador e não um processo que as amarre e as ponha na dependência do estado. 
Deve-se contar com a solidariedade internacional, mas ter sempre presente que expectativas de realização efectiva de ajuda externa, pelo menos nos volumes prometidos, nem sempre se concretizam. Veja-se o que se passa na actual conjuntura económica internacional. A dinâmica que se esperava ter para o ano 2016 já foi revista em baixa. A economia mundial perdeu o ímpeto com as dificuldades actuais da China, os problemas na Europa, a crise nos BRICS e mais recentemente a grande quebra no preço do petróleo. Certamente que não se pode contar com a ajuda nos termos e volume de há um ano. O que estiver disponível deve ser utilizado, em boa medida, nas pessoas como forma de as ajudar a galgar os obstáculos que no seu dia-a-dia as impedem de cair numa espécie de círculo de pobreza.
Com o rendimento per capita de Cabo Verde a cair desde de 2013 preocupa extraordinariamente o que pode vir a acontecer nos próximos anos. A economia terá que ser revitalizada, os mercados desenvolvidos e uma nova atitude para com o comércio internacional e o turismo terá que ser adoptada. Cabo Verde precisa de uma discussão séria sobre o seu futuro. Não aconteceu desta vez, espera-se que no início da nova legislatura se faça. Na diferença e no contraditório se forja a vontade em colocar este país no caminho do desenvolvimento com inclusão social e um ambiente saudável.

     Editorial do jornal Expresso das Ilhas de 26 de Janeiro de 2016

Rota dos escravos

Não deixa de espantar o empenho do Governo do PAICV em trazer para a actualidade a memória da escravatura e em fazer lembrar aos cabo-verdianos que um dia foram escravos na sua própria terra. O ministro António Correia e Silva foi explícito a esse respeito. Na ocasião da posse do comité para rota de escravos disse “o nosso objectivo é recolocar toda a questão da memória dos quatro séculos da vivência da escravatura em Cabo Verde no nosso presente, mas também para enriquecer o nosso futuro, e o sector do turismo”. Que se queira aproveitar a Cidade Velha, já certificada como património da humanidade pela Unesco, como mais um factor de atracção turística é aceitável. Coisa muito diferente é celebrar a memória do comércio de escravos e lutar através de acções nas escolas e na comunicação social para que a suposta memória histórica não seja alterada, como parece sugerir o presidente desse mesmo comité. Ele ainda enquadra esse esforço numa luta dinâmica contra o racismo. Provavelmente não leu o que disse o ministro Correia e Silva ao jornal Público: Cabo Verde é “das poucas sociedades de passado colonial, de passado escravocrata, que conseguiu desmontar, desconflituar a questão racial. Ninguém tem mais ou menos chances de ascensão social ou profissional ou política por ter a pele mais clara ou mais escura”. Se assim é então porque insistir em doutrinar as pessoas no sentido contrário. E o facto é que estão a ter sucesso: nunca se falou tanto de escravos e de escravatura. Mas é em contramão do que foi o processo da emergência da identidade cabo-verdiana, muito antes da independência. A literatura e música popular que marcaram e definiram esse período não têm praticamente qualquer referência a isso. Cabo Verde, segundo o próprio Correia e Silva no artigo do Público deixou de ser um centro atlântico de distribuição comercial a partir do século XVII, antes de realmente do comércio de escravos ganhar a dinâmica que levaria milhões de pessoas da Africa para as américas. Os dados apontam para somente 3% do global do tráfico de escravos ter tido lugar no período em a cidade de Ribeira Grande esteve activa. Por ai compreende-se porque a memória dessa época é longínquo ou quase inexistente. O esforço que actualmente se faz para reviver essa memória é mais parte de promoção de uma cultura de vitimização do que de reposição histórica dos factos. A vitimização convém: Mobiliza fundos, mesmo que tenha consequências graves, como as já visíveis, na crise de identidade porque está a passar o cabo-verdiano, como ficou patente no artigo do Público.  

quarta-feira, janeiro 27, 2016

Improvisos



O Governo, em fim de mandato e após quinze anos de governação contínua, acordou para o facto de que “tanto a promoção do turismo como a promoção do investimento externo demandam do Governo intervenção urgente”. No BO de 3 de Dezembro 2015 constata que tem havido um deficiente aproveitamento do potencial nacional com impacto no emprego, no PIB, nas exportações, na inovação tecnológica e na internacionalização da economia. Também nota que o investimento externo no turismo vem registando taxas de crescimento pouco expressivas. Conclui que é necessário a adopção de estratégias de promoção mais eficazes e eficientes. Para isso resolveu mexer mais uma vez na estrutura da Cabo Verde Investimento. Aparentemente, para o governo, o problema do país na atracção do investimento externo não está no mau ambiente de negócios ou na fraca competitividade do País, revelados nos sucessivos relatórios do Doing Business e do Fórum Económico Mundial. Não está na insensibilidade da administração pública. Ou nos elevados custos de factores, como a energia e água. Ou na fragilidade dos sistemas de transportes aéreos e marítimos. O problema, como é colocado, está numa instituição que ora o governo põe sob tutela do primeiro-ministro, ora fica com o ministro de economia, sem se decidir, de facto, ser a janela única na relação com os investidores. Neste fim de mandato parece que cada vez mais impera o princípio de “mudar para que as coisas fiquem na mesma”. Resolve inovar e criar três centros regionais do CI, no que mais parece uma piscadela do olho à sensibilidades regionalistas do que a procura de eficácia. De facto, a descentralização da CI não serve de muito se as decisões da administração pública, importantes para os investidores, continuarem centralizadas. O improviso continua agora com uma comissão instaladora de uma instituição que iniciou a sua existência como PROMEX em 1991. Devia ser uma nova direcção, mas o governo, algo tardiamente, descobriu que a lei o proibia de nomear dirigentes depois de serem marcadas as eleições. Então enveredou-se pela via de nomeação de uma comissão instaladora, através de uma portaria do ministro da tutela de duvidosa legalidade. A dois meses do fim de mandato qual é a pressa? De qualquer forma, ao objectivo fundamental de atrair investimento directo estrangeiro, para financiamento da economia nacional, nunca foi dada a atenção que devia merecer se o PAICV e o seu governo tivessem uma outra visão do desenvolvimento do país e uma outra compreensão do exercício do poder, mais facilitador e menos controlador.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 739 de 27 de Janeiro de 2015.

terça-feira, janeiro 26, 2016

Estranha promessa.

 Ulisses Correia e Silva está pronto para ser primeiro-ministro, mas parece que não está virado para ser deputado, no caso do MpD perder as eleições. Na reunião da direcção nacional do MpD, sábado passado, deixou a promessa da sua renúncia ao cargo de deputado se não obtiver vitória nas eleições de 20 de Março. O problema é que o eleitorado não elege primeiros-ministros, mas sim deputados para a Assembleia Nacional. Quem tiver maioria, pode constituir governo e não é obrigatório que o primeiro-ministro nomeado pelo Presidente da República seja deputado. Supõe-se que quem se candidata para o cargo de deputado é para servir como tal, ou como parte da maioria governativa ou na oposição. Mostrar desdém pelo cargo de deputado é um fenómeno em crescendo em Cabo Verde. Passa a ideia do quanto tem sido bem-sucedido o ataque feito ao parlamento nestes últimos anos, com o disseminar da mensagem do governo que “dá e faz” e do parlamento que só “fala e critica”. Nos próprios políticos nota-se uma ambiguidade. Os que têm posições executivas sentem-se superiores e alguns até dão-se ao luxo de se juntar aos críticos que não escondem os seus sentimentos anti-partido e anti-pluralismo. Outros, acabam por alimentar esses mesmo sentimentos, diferenciando-se ostensivamente de colegas que supostamente não teriam outro meio de vida, não saberiam fazer outra coisa ou simplesmente se acomodam à caricatura do deputado  “que só bebe água e levanta o braço para votar”. A questão que se põe é se depois do exercício anti-parlamento e do desdenhar do papel dos deputados irá manter-se a possibilidade de convencer as pessoas, e em particular os jovens, da importância central de se recensearem para votar e eleger uma assembleia nacional de onde saíra um novo governo para os próximos cinco anos.

segunda-feira, janeiro 25, 2016

Regresso de José Luís Livramento à Assembleia Nacional.

A liderança do MpD coloca José Luís Livramento no 6º lugar na lista de candidatos a deputado em Santiago Sul. Desconhecem-se as razões políticas que poderão estar por trás desta decisão, mas certamente que não foi por causa da sondagem. Não foi sondado. Ficou logo à partida isento. O grande risco que se corre é do PAICV se sentir ainda mais motivado  para trazer à baila acusações passadas quando Cabo Verde precisa discutir as grandes questões de hoje, de como sair da actual estagnação económica, voltar a crescer e criar emprego e uma nova esperança para as suas gentes. A experiência dos últimos dez anos na Assembleia Nacional mostra como nos debates parlamentares o PAICV soube inibir o discurso do MpD, com referência explícita a críticas violentas dirigidas ao governo dos anos noventa feitas por personalidades que recentemente voltaram a integrar a sua bancada. O resultado foi o MpD calar-se, deixar o PAICV desconstruir o seu legado histórico de edificação da democracia e do Estado de Direito e o seu papel central no desbloqueamento da economia, que permitiu o país crescer a taxas superiores a 6% durante anos seguidos. Após quinze anos de governo do PAICV esperava-se que o seu desgaste político fosse muito maior. Mas não é o que seria normal porque tem sabido manter a sua narrativa do país enquanto o MpD se calava ou se contradizia. O PAICV pode estar a perder a guerra política, mas não é seguro que perca a guerra ideológica quando o MpD se põe a jeito para ser atacado e apontado como incoerente. E sem vencer nessa frente, qualquer vitória pode revelar-se uma vitória de Pirro.

      Publicado no Jornal Expresso das Ilhas de 20 de Janeiro de 2016

domingo, janeiro 24, 2016

Menorização do parlamento.

Ao adoptar-se a via inédita das sondagens para escolher candidatos a deputado os resultados só podiam ser os que foram revelados na sequência da direcção nacional do MpD do dia 16 de Janeiro: menorização do parlamento e fragilização do futuro grupo parlamentar. De facto, viu-se como agendas locais passaram a dominar o parlamento nacional e, seguindo essa lógica, como foram sobrevalorizados os que alguns chamam pejorativamente de “deputados de cutelo”. Também se pode perfeitamente ver como as referências nacionais entre os futuros deputados se concentraram ainda mais no círculo eleitoral de Santiago Sul. Afinal, a pretensa “regionalização” do parlamento nacional parece que vai resultar em ainda maior centralização, não obstante todo o discurso em sentido contrário. Mais um caso em que se demonstra que os extremos se tocam e quando se aliam causam estragos graves em diversidade e pluralismo.  Uma outra consequência sente-se na própria coesão do grupo parlamentar.  Tanto a estabilidade governativa, em caso de vitória, como a eficácia do exercício de oposição ao governo, em caso de derrota, dependem de se ter um grupo unido e capaz. Pôr os deputados em luta entre si por notoriedade exterior dificulta a divisão de tarefas e funções no grupo parlamentar, mina a solidariedade entre os seus membros e não deixa que se desenvolva espírito de lealdade no acesso e troca de informações. É evidente que problemas de representação podem ser sempre colocados. Não se pode é tentar resolvê-los ignorando que se tem um sistema eleitoral de listas fechadas, apresentadas exclusivamente por partidos. Fragiliza-se o parlamento e o sistema de pesos e contrapesos no sistema político, sem ganho algum para a democracia.

         Publicado no jornal Expresso das Ilhas de 20 de Janeiro de 2017

sexta-feira, janeiro 22, 2016

Globalização do Terrorismo

Os últimos ataques em Jacarta e Ouagadougou vieram confirmar, mais uma vez, esse fenómeno novo do terrorismo global que ameaça os Estados e amedronta as populações em todos os continentes. Aconteceu na Europa, e em particular na França, mas também nos Estados Unidos da América. Terroristas reclamando pertencer ao estado islâmico (ISIS) assassinaram indiscriminadamente dezenas de pessoas e lançaram o pânico geral. No Médio Oriente os ataques são quase diários e alimentam-se das lutas religiosas que dividem os muçulmanos xiitas dos sunitas. Recentemente, a atacada foi a Turquia com uma explosão no centro da grande cidade de Istanbul. Antes tinha sido o Egipto. Um avião russo explodiu e o ISIS reclamou responsabilidade. Ninguém parece estar a salvo desses ataques potencialmente devastadores e destruidores da vida humana.
Um palco privilegiado para propagação desse fenómeno é o continente africano. Para além da luta tenebrosa do Boko Haram, na Nigéria, vários anos ataques violentíssimos já aconteceram no Quénia. Mais a norte, na Líbia, desde o colapso de Kadhafi que o país se tornou num ponto fulcral de desestabilização da região do Sara. O terrorismo no Mali, em particular, tem sido alimentado pela falta de autoridade que se implantou nessa região e que ameaça derramar-se por outros pontos na Africa Ocidental como já veio a acontecer no Burkina Faso.
Conflitos entre os muçulmanos e entre estes e a população cristã favorecem a implantação de seitas e o aumento do sectarismo político e religioso. Por outro lado, a pobreza extrema em que muitos se encontram tende a encontrar algum alívio em formas de protecção social que tem fundos vindos de fontes ultraconservadoras. Por causa disso muitas vezes transformam-se em viveiros de terroristas que depois vão ser operativos noutros países. A ameaça do terrorismo global põe todos de sobreaviso, aumenta a tensão entre as pessoas e tem o potencial de discriminação com base em elementos identitários de natureza racial, etno linguística e religioso. Ninguém consegue enfrenta-la sozinho. A cooperação em matéria de segurança com outros países é imprescindível nesta matéria.
Em Novembro último, Cabo Verde foi convidado pelo Governo dos Estados Unidos a ser um dos “anchor state” nesta parte da região, juntando-se ao Senegal, ao Gana e à Nigéria. Também com a União Europeia e o Brasil há cooperação conhecida em matéria de segurança e certamente coordenação em matéria de controlo dos diferentes tráficos ilegais de droga, pessoas e capitais nesta região do Atlântico Médio. Um esforço interno de melhor estruturação das forças ligadas a segurança e de melhor coordenação das suas actividades deve ser feito não só numa perspectiva de defesa e segurança do país como também para um melhor aproveitamento das possibilidades da cooperação internacional.
Nestes momentos eleitorais, em que a possibilidade de mudança de governo se coloca mais evidente, mostra a necessidade de ao longo de uma legislatura se manter contactos periódicos e formais com a oposição em matérias chave de segurança do país. Consensos devem ser criados em questões fundamentais como a estruturação das forças e organizações engajadas em manter a ordem e a segurança no país, de forma a dar-lhes estabilidade e a mante-las motivadas. Alguma convergência básica nessas matérias também asseguraria, sem grandes percalços, a cooperação internacional, vital nestes tempos perigosos, designadamente os que podiam resultar da entrada em funções de um novo governo.

De evitar de todo é a tentação de fazer política eleitoralista com questões de segurança. Não deve haver qualquer dúvida do engajamento de todas as forças políticas na luta contra as ameaças à segurança do país e à tranquilidade e bem-estar das populações. Isso deve ficar claro também para a comunidade internacional que coopera com Cabo Verde em matéria de segurança. Nestes tempos perigosos deve haver convergência de interesses em manter uma frente unida que garanta o ambiente de paz e tranquilidade necessário para que o exercício de escolha de governo para os próximos cinco anos se faça de forma justa e livre. 

      Editorial do jornal Expresso das Ilhas de 19 de Janeiro de 2016

Nova/Velha Agenda

Cabo Verde, nestes quinze anos do governo do PAICV, já ensaiou tantas largadas e take-offs e até mudanças de “chip” que já ninguém estranha esses anúncios de mudança para que tudo fique na mesma. Por isso o apregoar de uma nova agenda económica, pela presidente do partido, não traz qualquer novidade. Até porque é apresentada como mais uma etapa na “agenda de transformação” de mais de uma década durante a qual, apressam-se a dizer: “foi feito o possível e tudo foi bem feito”. A realidade porém é outra, muito diferente. O país vive uma estagnação económica, desemprego elevadíssimo e problemas sociais graves. Como a liderança do PAICV sabe disso, depois de, em entrevista ao jornal asemana, Janira Hopffer Almada apresentar o rosário de iniciativas previstas na sua nova agenda e apelar ao diálogo para os comprometimentos necessários, ou seja fazer o discurso politicamente correcto, volta ao seu caminho mais seguro para tranquilizar o eleitorado e manter o seu poder controlador: o caminho da cooperação internacional. Neste aspecto a visita do primeiro-ministro português, António Costa, em pleno período pré-eleitoral, é providencial. Ajuda a reforçar a mensagem subliminar que o PAICV sempre passa, particularmente nos períodos eleitorais, de como é vital para Cabo Verde a ajuda internacional e de como o país precisa que ele continue a governar para manter a credibilidade externa e continuar a receber. Nas entrelinhas fica também a mensagem “nada de aventuras” em votar outros partidos. "Não conseguem ajuda"

quinta-feira, janeiro 21, 2016

Datas

José Maria Neves, nos seus últimos meses de mandato como primeiro-ministro, ainda repete o discurso da necessidade de consenso na celebração do 13 de Janeiro e do 20 de Janeiro. Primeiro, tem que se fazer uma distinção. Normalmente, pelo 13 de Janeiro o governo faz um gesto simbólico, como aconteceu este ano com uma palestra sobre diáspora e democratização. O 20 de Janeiro, pelo contrário, comemora-se com vários eventos: deposição de flores pelo Presidente da República, desfiles de tropas e outras cerimónias. Não há pois comparação possível. Há um boicote activo do Dia da Liberdade e Democracia, um feriado nacional criado por lei da Assembleia Nacional. Paradoxalmente, a AN é a única instituição que se nega a celebrar o dia das primeiras eleições livres e plurais no país, o dia que está na sua origem enquanto instituição da II República. E é assim porque a maioria parlamentar do PAICV, sob comando do seu presidente JMN, nunca aceitou qualquer proposta para comemorar com dignidade de Estado o seu dia. Como se há-de classificar este simultâneo dizer e desdizer? E ainda se interroga sobre as razões da crispação política no país.   

                    Publicado no jornal Expresso das Ilhas de 20 de Janeiro de 2016

segunda-feira, janeiro 18, 2016

Regionalização

Para muitos agitar a bandeira da regionalização tem sido uma forma de evitar criticar as políticas do governo do PAICV. Atira-se a culpa indistintamente para os “políticos” e o resultado é que não se penaliza suficientemente o partido do governo nas legislativas. Põe-se ênfase na parte redistributiva do bolo nacional, em que supostamente uns ficam com mais do que outros, quando na realidade o problema está com a gestão asfixiante da economia nacional, que não favorece a iniciativa individual, não melhora a competitividade e o ambiente de negócios e não explora devidamente as oportunidades de aumentar a procura externa de bens e serviços cabo-verdianos. Causa alguma perplexidade que precisamente em S. Vicente se tenha feito da regionalização a panaceia para todos os males. Toda a gente sabe que só há prosperidade na ilha quando o dinheiro circula, porque há mais consumo de emigrantes, turistas e visitantes, mais gente empregada por causa de investimento externo, mais movimento no porto e mais empresas a florescerem, porque directa ou indirectamente estão a fazer negócios com o mundo. O centralismo que afecta negativamente as ilhas é alimentado pelo modelo económico de gestão de fluxos da ajuda externa, que o governo do PAICV já levou ao limite, deixando o país a arrastar-se a taxas de crescimento de 1% do PIB. Não se devia confundir causa e efeito e o prioritário deveria ser a mudança de políticas nacionais. Mas, mais forte é a tentação de recorrer à vitimização para fazer política, aproveitando o ambiente de insegurança e de frustrações acumuladas. Seguindo esse caminho, os políticos locais, por algum tempo, até podem ser bem-sucedidos, mas a situação das pessoas não muda, a frustração aumenta e o conformismo crescente, paradoxalmente, acaba por ajudar quem está no poder a manter-se lá.
  Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 737 de 12 de Janeiro de 2015.

domingo, janeiro 17, 2016

Promessas vazias

Ulisses promete levar ao parlamento uma proposta de lei de criação de regiões administrativas e começar a experiência de regionalização com S. Vicente. Um primeiro problema em cumprir, como aliás ele reconhece, é o facto da lei sobre regiões exigir dois terços dos deputados, um número de votos que nenhum partido tem a pretensão de obter sozinho. Um segundo problema é conseguir acordo dos outros partidos quando a intenção é começar a regionalização por uma ilha específica. Experiências de outros países aconselham a criação simultânea de regiões para evitar desajustes a vários níveis no todo nacional e oportunismos nas iniciativas. A conveniência política de um pode não ser a mesma dos outros, particularmente quando se propõe separar S. Vicente e S. Antão, duas ilhas com circulação, entre si, de centenas de milhares de pessoas por ano e que desde sempre tiveram um nível de integração económica e social sem paralelo no país. Quanto às promessas implícitas do GRRCV, não é líquido que consiga mobilizar as frustrações e o sentimento de abandono de S. Vicente para ajudar o MpD a ser governo. Não funcionou nas últimas três eleições legislativas. Ninguém estranhe porém se com o protagonismo político agora reconhecido pelo MpD, alguém reapareça nas autárquicas deste ano. Mesmo que seja só para negociar.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 737 de 12 de Janeiro de 2015.

Dança à volta da regionalização

O acordo virtual. Em vésperas de eleições Ulisses Correia e Silva confirma o acordo mas não o assina com o Grupo de Reflexão sobre a Regionalização, onde pontifica Onésimo Silveira. O presidente do MpD diz na sua intervenção que “não se trata de expediente eleitoralista”. O mesmo não diriam diversas personalidades conotadas com esse grupo. Em várias eleições passadas, legislativas, presidenciais (2001) e autárquicas em S. Vicente, o Movimento para Levantar S. Vicente ou a Associação que depois virou partido político (PTS), negociaram com o PAICV com ganhos mútuos, designadamente desistência de candidaturas, lugares de deputados, etc. Parece que agora chegou a vez de negociar como MpD. E o que todos apresentam é “uma mão cheia de nada

Promessas vazias. Ulisses promete levar ao parlamento uma proposta de lei de criação de regiões administrativas e começar a experiência de regionalização com S. Vicente. Um primeiro problema em cumprir, como aliás ele reconhece, é o facto da lei sobre regiões exigir dois terços dos deputados, um número de votos que nenhum partido tem a pretensão de obter sozinho. Um segundo problema é conseguir acordo dos outros partidos quando a intenção é começar a regionalização por uma ilha específica. Experiências de outros países aconselham a criação simultânea de regiões para evitar desajustes a vários níveis no todo nacional e oportunismos nas iniciativas. A conveniência política de um pode não ser a mesma dos outros, particularmente quando se propõe separar S. Vicente e S. Antão, duas ilhas com circulação, entre si, de centenas de milhares de pessoas por ano e que desde sempre tiveram um nível de integração económica e social sem paralelo no país. Quanto às promessas implícitas do GRRCV, não é líquido que consiga mobilizar as frustrações e o sentimento de abandono de S. Vicente para ajudar o MpD a ser governo. Não funcionou nas últimas três eleições legislativas. Ninguém estranhe porém se com o protagonismo político agora reconhecido pelo MpD, alguém reapareça nas autárquicas deste ano. Mesmo que seja só para negociar.


Regionalização. Para muitos agitar a bandeira da regionalização tem sido uma forma de evitar criticar as políticas do governo do PAICV. Atira-se a culpa indistintamente para os “políticos” e o resultado é que não se penaliza suficientemente o partido do governo nas legislativas. Põe-se ênfase na parte redistributiva do bolo nacional, em que supostamente uns ficam com mais do que outros, quando na realidade o problema está com a gestão asfixiante da economia nacional, que não favorece a iniciativa individual, não melhora a competitividade e o ambiente de negócios e não explora devidamente as oportunidades de aumentar a procura externa de bens e serviços cabo-verdianos. Causa alguma perplexidade que precisamente em S. Vicente se tenha feito da regionalização a panaceia para todos os males. Toda a gente sabe que só há prosperidade na ilha quando o dinheiro circula, porque há mais consumo de emigrantes, turistas e visitantes, mais gente empregada por causa de investimento externo, mais movimento no porto e mais empresas a florescerem, porque directa ou indirectamente estão a fazer negócios com o mundo. O centralismo que afecta negativamente as ilhas é alimentado pelo modelo económico de gestão de fluxos da ajuda externa, que o governo do PAICV já levou ao limite, deixando o país a arrastar-se a taxas de crescimento de 1% do PIB. Não se devia confundir causa e efeito e o prioritário deveria ser a mudança de políticas nacionais. Mas, mais forte é a tentação de recorrer à vitimização para fazer política, aproveitando o ambiente de insegurança e de frustrações acumuladas. Seguindo esse caminho, os políticos locais, por algum tempo, até podem ser bem-sucedidos, mas a situação das pessoas não muda, a frustração aumenta e o conformismo crescente, paradoxalmente, acaba por ajudar quem está no poder a manter-se lá. 

        Publicado no jornal expresso das Ilhas de 13 de Janeiro de 2016

Em defesa da democracia representativa

Cabo verde vai a eleições legislativas no dia 20 de Março. Será a sexta eleição realizada na democracia. A primeira que inaugurou o regime democrático aconteceu vinte e cinco anos atrás. Muito caminho já se percorreu nestes anos na construção e consolidação das instituições democráticas, mas muito há ainda a percorrer. Neste vigésimo quinto aniversário são notórias as fragilidades. O próprio parlamento ainda não conseguiu assumir a data como seu ponto de origem e comemora-la com toda a dignidade.
Incontornável porém é o facto de que foi a 13 de Janeiro de 1991 que as primeiras eleições livres e plurais foram realizadas em Cabo Verde. Dessas eleições saiu uma assembleia de deputados em que duas forças políticas ideologicamente distintas se confrontaram, uma com a missão de governar e a outra de fazer a oposição. A democracia representativa nasceu nesse dia pondo fim a experiências outras que embora reivindicando serem mais perfeitas tendem a repetir os atropelos ao pluralismo e à liberdade que aparentemente quereriam evitar. Entretanto não despareceram os inconformados ou saudosistas dos modelos das democracias populares ou das democracias nacionais revolucionárias. São notórios por serem os primeiros a encontrar defeitos na democracia representativa e a propor vias de as superar. Mas, o facto é que nenhum outro regime consegue bater as democracias já com séculos de existência em termos de serem competitivas e de propiciar liberdade e prosperidade.
Neste ano de 2015 a democracia representativa em Cabo Verde foi enfraquecida. A actuação dos políticos no parlamento e a relação governo/deputados muitas vezes não contribuíram para uma melhor imagem da instituição. O nadir provavelmente foi atingido quando depois de ter votado o estatuto dos titulares de órgãos de soberania por unanimidade dos deputados não ter sido capaz de se reunir em sessão plenária e posicionar-se perante o veto do Presidente da República. As ondas do populismo ganharam um outro folego e acabaram por afectar os partidos políticos.
A produção de listas para as próximas legislativas nos diferentes partidos tem sido tempestuosa e várias vozes se levantam questionando os modelos eleitorais existentes. Discute-se a possibilidade de círculos uninominais, do voto preferencial e até de se romper com o monopólio dos partidos na apresentação das listas. Dentro dos partidos discute-se a possibilidade de primárias. O grande problema é que toda essa discussão podia ser útil para o sistema se a intenção, pelo menos para alguns, não fosse de deslegitimar o sistema exigente e torna-lo disfuncional e dócil ao poder instalado. A persistência de uma cultura anti-partido, que vem de longe, dificulta esse diálogo aberto e consequente. Tudo porém deve ser feito para evitar a erosão da instituição parlamento e pelo contrário fazer dela o sector vibrante de discussão de todas as soluções de futuro que o país e os seus cidadãos sejam capazes de antever e discutir.
A nossa democracia ressente-se do facto de ter como seus dois pilares partidos que surgiram em dois momentos históricos antagónicos. O confronto de narrativas persiste e continua difícil chegar a consensos fundamentais de funcionamento do regime democrático. Exemplo acabado disso foram os órgãos externos da Assembleia Nacional, criados no ano 2000, que só quinze anos depois foram operacionalizados. Pensou-se num determinado momento que os acordos chegados no processo de revisão da Constituição em 2010 contribuiriam para baixar a crispação. Mas não foi o que aconteceu.
O problema talvez esteja nos ciclos longos de governação sem alternância. Primeiro, tivemos dez anos do MpD e agora 15 do PAICV. Governando sempre com maiorias absolutas, os partidos não desenvolvem capacidade de negociar, de fazer concessões e de firmar acordos. Até compromissos tácitos, não escritos, são difíceis de estabelecer. Os direitos das minorias em particular sofrem com a falta de cultura de alternância governativa ficando o parlamento nas mãos da maioria o que inevitavelmente acaba por afectar a sua imagem institucional e torna-a menos efectiva na fiscalização do governo. Há que mudar este estado de coisas. Neste ano do vigésimo quinto aniversário do 13 de Janeiro urge fazer as mudanças que ponham a democracia cabo-verdiana no caminho ascendente da sua consolidação e aprofundamento. A aventura iniciada há 25 atrás deve continuar.
      Editorial do jornal Expresso das Ilhas de 13 de Janeiro de 2016

sábado, janeiro 16, 2016

Regionalização

Para muitos agitar a bandeira da regionalização tem sido uma forma de evitar criticar as políticas do governo do PAICV. Atira-se a culpa indistintamente para os “políticos” e o resultado é que não se penaliza suficientemente o partido do governo nas legislativas. Põe-se ênfase na parte redistributiva do bolo nacional, em que supostamente uns ficam com mais do que outros, quando na realidade o problema está com a gestão asfixiante da economia nacional, que não favorece a iniciativa individual, não melhora a competitividade e o ambiente de negócios e não explora devidamente as oportunidades de aumentar a procura externa de bens e serviços cabo-verdianos. Causa alguma perplexidade que precisamente em S. Vicente se tenha feito da regionalização a panaceia para todos os males. Toda a gente sabe que só há prosperidade na ilha quando o dinheiro circula, porque há mais consumo de emigrantes, turistas e visitantes, mais gente empregada por causa de investimento externo, mais movimento no porto e mais empresas a florescerem, porque directa ou indirectamente estão a fazer negócios com o mundo. O centralismo que afecta negativamente as ilhas é alimentado pelo modelo económico de gestão de fluxos da ajuda externa, que o governo do PAICV já levou ao limite, deixando o país a arrastar-se a taxas de crescimento de 1% do PIB. Não se devia confundir causa e efeito e o prioritário deveria ser a mudança de políticas nacionais. Mas, mais forte é a tentação de recorrer à vitimização para fazer política, aproveitando o ambiente de insegurança e de frustrações acumuladas. Seguindo esse caminho, os políticos locais, por algum tempo, até podem ser bem-sucedidos, mas a situação das pessoas não muda, a frustração aumenta e o conformismo crescente, paradoxalmente, acaba por ajudar quem está no poder a manter-se lá.
  Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 737 de 12 de Janeiro de 2015.