segunda-feira, outubro 25, 2010

MCA. Possível ultrapassar espírito de ajuda?

Com grande pompa e circunstância fez-se a inauguração do que se está a chamar de primeira fase das obras do porto da Praia. Inicialmente, fundos do MCA no valor de 53 milhões de dólares foram destinados a colocar o porto numa posição em que poderia manejar com maior eficiência não só os navios que o escalam como os contentores descarregados. Também estaria em melhor posição de servir os seus muitos utentes, porque as operações portuárias seriam garantidas por operadores privados. Bom, chegado ao fim do projecto MCA, a eficiência do porto no manejo de navios não se alterou porque não se construiu o quebra-mar previsto para conter os efeitos da calema e não se aumentou o cais nº1 como tinha ficado assente no acordo assinado com o MCC em Junho de 2005 (pgs. 70-71). Também a privatização nos últimos cinco anos não deu um passo significativo. Para o MCC essa era a condição sine qua non para o sucesso do projecto. Até estipulavam no acordo que não haveria desembolso sem passos visíveis nesse domínio. Inaugurou-se sem o quebra-mar e sem o cais estendido e com a velha ENAPOR na gestão do espaço. Não é à toa que muitos se mostram cépticos quanto aos ganhos reais de tudo isso. O próprio Daniel Yohannes teve que reafirmar no seu discurso que coloca a iniciativa privada no centro de uma estratégia de crescimento. Teve necessidade de fazer isso talvez porque é notório como o programa do MCA acabou por não diferenciar muito dos muitos programas de ajuda com que o Governo já lidou. Inicialmente, o acordo previa gastos directos no valor de 7 milhões de dólares para imprimir uma nova dinâmica ao sector privado nacional. A maior parte foi desviada para as estradas do Governo. Dos 7 milhões só 1,9 milhões foram colados no sector privado. Isto é, nas micro-finanças onde o Governo já sabe como fazer para desenvolver os seus projectos de estimação. Não é à toa também que a questão da privatização das operações portuárias tenha sido adiada sine die. O Governo sabe como contornar pretensões dos estrangeiros em tentar ir além da ajuda tradicional. Eles, por outro lado, contentam-se com algum sucesso em mudar atitudes. As suas expectativas são baixas mesmo nos países que reconhecem ter good governance, mas em África. Uns e outros ajustam-se nos respectivos propósitos. O país é que fica preso na ratoeira do espírito de ajuda e não desenvolve a atitude certa para pensar que pode ser próspero com dignidade e sem pedinchar ninguém.

sábado, outubro 23, 2010

Criminalizando a Oposição

Continua a ofensiva do PAICV em desqualificar, à partida, o MpD como candidato nas eleições de 2011 e a governo nos próximos cinco anos. Em conferência de imprensa ontem dia 22, o Secretário-geral desse partido denunciou nestes termos o que chamou gastos exagerados na pré-campanha:

“O MpD gasta rios de dinheiros e faz ostentações exageradas em tempo anterior à pré-campanha eleitoral”. São absurdos os “sinais exteriores” de um financiamento que não se explica, nem se compreende, em se tratando de um partido “com dívidas malparadas e crédito bancário condicionado”.

A imagem dos irmãos Metralha, que acompanha o texto no site do PAICV, mostra que esse partido não está a interrogar-se sobre nada. Está a acusar. Mas, como é da sua natureza, depois de acusar, esconde-se. Diz que a sua reacção deve-se ao facto de ser um “assunto que tem melindrado a opinião pública e tem dado azo a questionamentos na imprensa”. Quanto à imprensa, ninguém tem dúvidas sobre quem anda, há algumas semanas, a falar de dinheiros, de narcotráfico, de vendas de terrenos e até de sabotagem na Electra, sempre procurando envolver figuras e partidos da Oposição. Até parece que a conferência de imprensa do PAICV de sexta-feira foi planeada para coincidir com manchetes de jornal repisando isso tudo. Não interessam as negas da Administração da Electra quanto à sabotagem e as declarações do Procurador-Geral dizendo que “não recebeu qualquer pedido formal” do Governo ou da Electra para investigar. Interessa, sim, criminalizar a Oposição aos olhos da comunidade internacional e dos caboverdianos. É a democracia à moda do PAICV. À moda da uma cultura política que teima em não diferir muito das que ou internam em hospital psiquiátrico os críticos, dissidentes e adversários políticos ou os põe na cadeia por actividades criminosas.

quinta-feira, outubro 21, 2010

Dose reforçada de hipocrisia

O PAICV, no noticiário 13-14 da RCV de hoje, veio com uma dose mais reforçada da hipocrisia que costuma lidar com os caboverdianos. Estava a responder à critica de muitos, designadamente deste blogue, pela forma como o Governo se cola na cooperação internacional e nos seus representantes para efeitos eleitorais e extrair dividendos na luta política. Algo que é feito aos olhos de todos e passado todos os dias na televisão pública. Muita hipocrisia permite ao PAICV vir, na cara de todos, dizer que não é assim. E é com cinismo que recua nas suas responsabilidades quando sabe que é o Governo quem, muitas vezes, coloca representantes diplomáticos em situações embaraçosas. Mas a intervenção é também toda ela parte da guerra sem quartel que move contra os adversários políticos. A acusação de serem contra as parcerias é para demonstrar à comunidade internacional que a Oposição não é credível e não merece governar. Conseguida a simpatia dos membros dessa comunidade, é usá-la para provar ao povo de Cabo Verde que só eles são aceites pelos países e instituições estrangeiras. O problema é que todos vêem o que se passa. E tudo não pode ser reduzido a tricas políticas. Há questões de decência, de verdade e de honestidade nas relações políticas que não devem ser ultrapassadas. Um testemunho insuspeito do que se passa nesta matéria é dado pela jornalista Margarida Fontes no seu blog, num “post” de 19 de Outubro de 2010:

Semanas antes do debate parlamentar sobre o Estado da Nacão, numa investida de propaganda sem precedentes, o Governo produziu programas televisivos mostrando trabalhos de ministério a ministério; na mesma senda, os embaixadores (na contramão da diplomacia) apareceram no programa palaciano, em fila de rosário, tecendo rasgados elogios a Cabo Verde, sub-entende-se governação de José Maria Neves. Em toda essa empreitada, não adivinhava o governo que estava a dar um tiro no pé (em democracia actos do género são um tiro no pé, porque a reacção não tarda e o efeito se desarma). O mais insólito desta sanha política foi a ideia de eleger os embaixadores como vozes da legitimação do sucesso governativo, e eco do prestígio internacional. Algumas embaixadoras ainda hoje aparecem na imprensa, mais do que qualquer ministro, candidato, artista ou cidadão deste país... O fim da missão da embaixadora dos EUA contribuiu para diminuir a intensidade do desfile. Em nenhuma outra missão da sua vida futura, Marianne Myles dará tantas entrevistas. Justiça seja feita à contenção da diplomacia francesa.

Perdas de representatividade e diversidade

Com a publicação, no dia 13 de Outubro, dos dados definitivos do recenseamento eleitoral ficou oficial: S. Antão e Fogo perderam dois e um deputado respectivamente. Sal e Santiago-Sul ganharam respectivamente 1 e dois deputados. A perda de representividade de algumas ilhas a favor de regiões e outras ilhas têm subjacente uma realidade mais dura de perda de população que não se confina ao caso citado. S. Nicolau é o caso mais flagrante de migrações que já ameaçam colocar a ilha num espiral acelerado descendente. Por falta de massa crítica, os transportes começam a rarear-se, lojas fecham-se, jovens saem à procura de oportunidades, a agricultura estrangula-se com falta de mão-de-obra, a população envelhece, etc. No sentido oposto a cidade da Praia denota um crescimento exponencial que atrai cada vez mais pessoas, negócios e aventureiros. Um crescimento que põe pressão excessiva sobre os recursos da Ilha e sobrecarrega sistemas como o eléctrico, água e saneamento. Para não falar na situação habitacional crónica que cria nas cintura urbana bairros degradados onde a pobreza coexiste com o crime, a insegurança, a insalubridade e o desemprego. Tudo isto vem passando há vários anos sem que o Governo arrede um passo na sua política centralizadora. Uma política que despovoa ilhas, rouba o país a sua diversidade e nega às ilhas a energia dinamizadora e criativa da parte da sua juventude forçada a deixar a sua ilha e a relocalizar-se na Praia por falta de oportunidades. A crise veio mostrar o quanto é que se falhou em garantir ao país harmonia e equilíbrio. A máquina centralizadora do espaço e o espírito controlador do Governo bloqueou projectos noutras ilhas que podiam ter reequilibrado o país. Quando as oportunidades esfumaram-se o único ponto do território nacional que ficou com alguma dinâmica foi a cidade da Praia. A presença do Estado, com toda a grande fatia de consumo que comanda e arrasta, garante dinâmica em vários sectores. Só que os custos são terríveis mas muito desadequadamente assumidos pelo Governo. A primeira tentação é passar a culpa aos outros. Depois, faz investimentos futuristas como a circular da Praia para contornar os problemas criados. Não funcionam mas mesmo assim insiste em localizar tudo na capital, acelerando ainda mais o seu crescimento. É um círculo vicioso alimentado pela ausência de estratégia de desenvolvimento, mas que responde às necessidades de uma cultura política controleira e centralizadora que cada vez mais vem retirando ao país a vitalidade e a criatividade que advém da diversidade. Diversidade que só é possível com economias funcionais e prósperas em todas as ilhas.

terça-feira, outubro 19, 2010

Going native

A visibilidade dos membros do corpo diplomático em Cabo Verde parece às vezes excessiva. Atinge o limiar do aceitável no caso da intromissão da embaixadora de Portugal na política local, da forma como foi apresentada por um semanário da praça. Segundo o jornal, a embaixadora entende que o seu país e governo estão a ser vítimas de uma campanha despropositada e insidiosa. Por quem? Segundo ainda o mesmo jornal, por sectores políticos e empresariais próximos da oposição. O confronto aí esboçado é no mínimo insólito. A oposição nas democracias não culpa países estrangeiros pelos acordos assinados pelo governo. Podem criticar o timing das decisões, questionar estratégias negociais e discordar dos termos do acordo. As autoridades estrangeiras não reagem à crítica porque sabem que negoceiam com o governo legítimo da república. A chamada à responsabilidade feita pela oposição é uma questão interna. Não há crise aí. Por isso é estranho que representantes diplomáticos deixem-se envolver, desafiando “quem quer que seja a desmenti-la”. Os excessos de visibilidade e protagonismo a raiar o exagero eram acidentes à espera de acontecer, como está-se a verificar neste caso. E as razões são claras. A importância que a rádio e, particularmente, a televisão dão à entrega de doações e aos actos de colagem do Governo à cooperação internacional acabam por imprimir forte protagonismo aos embaixadores. A dependência da ajuda externa faz da interacção estreita com os sectores diplomáticos de países doadores um aspecto central da governação. A proximidade não tem só aspectos positivos de facilitar relações. Pode e dá azo a vícios diversos. Aliás a regra na generalidade das chancelarias é que o diplomata só se mantém no posto por dois ou três anos. Isso para se evitar que o diplomata se torne nativo, ou seja, se confunda de tal forma com os locais que deixe de ser um observador e analista com algum distanciamento das políticas nacionais. Esse perigo revela-se maior em Cabo Verde talvez porque o meio é pequeno e acolhedor. Diplomatas mais facilmente ficam enredadas na malha de relações pessoais e sociais e susceptíveis a lobbies político-partidários. A insistência do governo em se reclamar como único credível para dirigir o país tem consequências perversas: por um lado esforça-se por demonstrar que é o preferido doutros países e dos organismos internacionais. Daí a forte colagem aos seus representantes. Por outro, não se inibe de desacreditar os adversários políticos e de fazer crer à população de que a cooperação internacional não os vê com bom olhos. Em todo este processo lisonjeia, dá protagonismo e cria oportunidades de grande visibilidade aos representantes diplomáticos. Um dia havia que surgir alguém que, em plena campanha pré-eleitoral, tomasse partido no confronto entre a oposição e o Governo sobre questões centrais da vida nacional: a dívida pública, o défice orçamental, a política empresarial, as prioridades na infra-estruturação do país, etc. E aconteceu.

sexta-feira, outubro 15, 2010

Gaffes de fim de percurso

“Quem está dizer que o ensino em cabo verde não tem qualidade está a ofender a classe docente!” disse peremptoriamente na televisão nacional o Primeiro-ministro José Maria Neves, a partir de S. Filipe, ilha do Fogo. Com essa acusação, o PM acha que responde às preocupações das pessoas, famílias, empresas e dos próprios professores quanto ao nível educacional das crianças, jovens e trabalhadores que todos vêem a cair ano após ano. Recorrendo a esse estratagema, o PM, e o ministro da Educação que o secundou nessa acusação estão a dizer várias coisas aos seus interlocutores e à Nação: ou não reconheçam o problema, ou não sabem lidar com ele ou então não têm que se justificar perante ninguém. O contra ataque desferido é uma espécie de fuga à responsabilidade e manifestação de vontade em manipular sentimentos de auto estima de outrem (a classe de professores) em proveito próprio. A qualidade de ensino é uma preocupação não só em Cabo Verde como em todo o mundo. O sucesso no estádio de desenvolvimento em que Cabo Verde e muitos outros países se encontram exige maior eficiência no mercado, no sistema financeiros e no uso das infra-estruturas e dos recursos humanos. E isso só é possível com maior qualidade de ensino. A necessidade de maior qualidade far-se-á sentir ainda mais no estádio seguinte de desenvolvimento no qual o motor é a inovação. E não se pode preparar para isso amanhã. Tem que ser é “ontem”. Por isso é que o PM, a persistir nesse tipo de discurso político, está a desqualificar-se para continuar a governar. Não vê o futuro do país. Só vê o amanhã da vitória nas eleições. E com essa perspectiva estreita, mostra-se disposto a usar todo o tipo de estratagema para fazer da governação um acto de ilusionismo do qual as pessoas só irão despertar após as eleições. Qualquer dia ainda se vai ouvir que uma chamada de atenção deixada nas caixas de reclamações das repartições públicas constitui uma ofensa a todos os funcionários que aí trabalham.

Quem simula não muda

A abertura do ano político do PAICV tinha todos os sinais do déjà vu. O partido vê a sua relação com Cabo Verde no quadro de uma narrativa de sentido único. Tudo o que o país tem, deve-se-lhe a ele: a independência, a identidade nacional, o desenvolvimento, a democracia etc. Por isso acha-se credor de gratidão eterna dos cabo-verdianos. Em consequência só ele tem direito a governar e só ele conhece e defende os interesses de Cabo Verde. Numa palavra, só ele tem credibilidade, significando legitimidade, para conduzir o país. Quando membros do Governo proclamam vezes sem conta que credibilidade é um recurso do país, estão a referir-se a si próprios e ao seu partido . Não estão a dizer que as instituições do país, independentemente de quem as dirige no momento, são credíveis. Aliás, por conveniência, até podem não se importar muito com a credibilidade das instituições. Pelo BO de 12 Maio de 2010 vê-se como o Governo sujeitou o Banco Central, que deve ser e parecer independente, a ficar gerido por administradores com mandatos por renovar durante três anos.O próprio governador do BCV ficou quase um ano à espera de ver o mandato reconfirmado. No ataque aos adversários não deixam dúvidas quanto ao significado que dão à credibilidade. A postura oficial é, sob capa de credibilidade, negar legitimidade aos adversários e manobrar-se para mostrar aos outros, designadamente à comunidade internacional, que eles não merecem reconhecimento como possíveis partidos do governo. Daí os artigos e intervenções insidiosos quanto à ligação dos partidos ao narcotráfico que convenientemente aparecem em período pré-eleitoral. Na frente interna instila-se na mente da população que vital para o país é a cooperação internacional e que países e instituições estrangeiras só no PAICV confiam. Esforçam-se por fazer crer que a União Europeia e os Estados Unidos não vêem credibilidade no MpD. Ou seja, precisamente no partido que dotou o país, saído de um regime totalitário, de uma Constituição moderna, edificou as instituições da democracia, procedeu à reestruturação de economia, deixando para trás um sistema estatizado, e abriu caminho para o mercado e para iniciativa privada. Surreal, mas insistem e citam a derrapagem financeira dos ultimos meses do ano 2000 derivado do duplo choque externo da subida do dólar e do aumento rápido dos preços do petróleo. Derrapapgem a que, na época, não escaparam vários países, entre os quais, as Maurícias e Portugal. Isso não retira credibilidade a nenhum país. Muito menos ainda se se considerar que no momento Cabo Verde vivia o período de maior crescimento na sua história e tinha atingido o nível de desemprego mais baixo de sempre. Países como a Polónia, República Checa, Hungria e os Bálticos tiveram no processo de construção da democracia e da reestruturação da economia recessões, crescimentos negativos, desemprego. Ao longo de todo o processo, partidos ganharam e perderam eleições. Mas ninguém falou em perda de credibilidade do país. A poderosa Alemanha ainda hoje paga a factura da absorpção da sua parte oriental comunista. Só o PAICV é que pensa que se pode reestruturar sem custos políticas económicas estatizantes, sufocadoras da inciativa privada e bloqueadoras do investimento externo implementadas durante 15 anos. Mas isso já se sabe: é para não pedir desculpas e para não se responsabilizar por nada que acontece de mal ou de menos bom ao país. Por isso, também, continua a não ver custos na sua ideia que governar significa ir buscar recursos lá fora e distribui-los reproduzindo dependências várias, nomeadamente: 1- As pessoas e a sociedade em vez de se concentrarem no "como" criar riqueza esperam benesses de fora ou de dentro mas sempre via o Estado e seus tentáculos. 2- A comunicação social pública renega o serviço libertador que devia prestar à comunidade com a cobertura sistemática e exaustiva desses eventos ritualísticos de paternalismo e dependência. 3- Todo o aparelho do Estado orienta-se para suportar a tarefa do Governo de captar fundos e distribui-los. É ineficiente e pouco sensível no lidar com as empresas e iniciativas individuais na produção nacional . Também, pela mesma razão, desperdiça recursos e oportunidades e não arrepia caminho mesmo quando é evidente que o modelo de governar e dirigir a economia está na origem do crescimento anémico e desemprego persistente acima dos 20%.

Comités contra Ministro

Sente-se no ar que a novela do email do funcionário do Ministério dos Negócios Estrangeiros teve outros episódios. Na imprensa local, sinais vários dão conta da luta surda que se passa nos bastidores. Alguns continuam a insistir contra evidência rapidamente verificável que o funcionário é diplomata para tornar mais grave a situação. A vontade flagrante em desinformar levou o Dr. Corsino Tolentino no “Visão Global” a dizer claro e bom som que a pessoa em causa não é diplomata. A posição ponderada do Ministro Brito em não se deixar arrastar pelos pedidos de “sangue” dos comités, tornou estridentes algumas vozes a pedir a sua demissão. Esta pseudo crise dá conta das consequências do esforço de partidarização da Administração Pública. Por um lado, é a perseguição de funcionários não afectos ao partido e a promoção de ex-candidatos e de futuros candidatos a pleitos eleitorais. Vê-se isso na relativa pouca idade de muitos altos dirigentes da administração pública. As nomeações pouco têm a ver com o mérito próprio. Por outro lado, são as dificuldades na execução de decisões ministeriais. Em certas circunstâncias fica-se com a impressão que não há acordo entre ministros e dirigentes... e tudo pára. Parece que partido está mais democrático e os ministros já não têm tanta ascendência sobre os dirigentes do partido que nomeiam para as direcções gerais e para as instituições e empresas do Estado. O resultado é a ineficiência do Estado que todos constatam e de que particularmente se queixam as empresas. A revolta quase pública das bases contra o ministro demonstra o quão longe se foi nessa degradação e como pernicioso se tornou o controle do aparelho do Estado pelo PAICV .

quinta-feira, outubro 14, 2010

Transparência não rima com propaganda

A ADECO acusou o Governo de falta de transparência e de fugir à apresentação de dados depois de várias solicitações nesse sentido terem sido ignoradas. Em causa estava a necessidade da ADECO de ter as informações correctas para, de forma independente, verificar o custo do KW/h produzido pelas projectadas centrais eólicas e assim acautelar os interesses dos consumidores. Como já se vem tornando norma, o Ministério da Industria, Turimo e Energia respondeu, primeiro, com agressividade, acusando a Associação de Consumidores de fazer afirmações maliciosas e caluniosas e de tentar prejudicar o futuro do país. Para, no momento seguinte, mostrar-se ofendido porque o seu bom-nome foi posto em causa. Por aí se vê que o Governo não é só os adversários políticos que trata de negativos e antipatriotas. Todo aquele que colocar uma crítica fica sujeito aos mesmos mimos. No comunicado do MITE diz-se ainda que não se deu tempo ao ministério para reunir as informações solicitadas. Isso é revelador da forma ad hoc com têm conduzido o programa, sem ponderar as opções feitas e sem reunir os dados indispensáveis que as justifiquem, numa perspectiva de custos e benefícios. Começou no princípio do ano com duas Resoluções publicadas no BO de 28 de Dezembro. Na primeira Resolução o Governo contratava uma empresa portuguesa "para elaborar e concretizar um plano energético renovável". Na segunda resolução, optava por imediatamente construir duas centrais fotovoltaicas com crédito português, sem esperar pelo plano. Entretanto, com a INFRACO já se tinha lançado no projecto dos quatro parques eólicos. Também sem ter nas mãos o plano que, tudo indica, ainda não foi apresentado. O expedientismo demonstrado em todas essas decisões tem o seu outro lado na propaganda incessante que submete a opinião pública sobre esses projectos. Talvez para encobrir os problemas graves da Electra causados pela inépcia do governo e para gerir expectativas e fazer crer às pessoas que a crise de energia tem os tempos contados. Na pressa de se mostrar, fornecem-se dados à vontade: Cabo Verde vai passar dos actuais 2 % de energia renovável na rede para os 25%. Ou seja, do estado actual incipiente atinge-se logo o nível da Dinamarca que está no topo do mundo nesta matéria. Nem se faz uma paragem pelos níveis de 15% de Portugal que conta com a EDP, a quarta empresa do mundo em energia eólica. O PM já prevê um futuro com 50% de energia renovável. Órgãos de comunicação social falam em poupança de mais de 12 mil toneladas de combustível como se fosse acontecer amanhã e em vendas de créditos de carbono. Ninguém ainda se referiu, por exemplo, aos investimentos nas redes das ilhas para as preparar para receber produtores cujo fornecimento é, pela sua própria natureza, intermitente e variável. Ou dos investimentos em sistemas térmicos de back up que serão necessários para responder às contingências e também aos custos adicionais impostos pela insularidade na concepção desses sistemas. Interessa ao Governo é anunciar que a solução já está próxima. A reacção agressiva e ressentida do ministério perante solicitações de informações concretas como as feitas pela ADECO mostra a fragilidade do que vem apresentando. Não é admissível que governantes comuniquem com o público com meias verdades e falta de transparência. Também não é admissível que, chamadas à responsabilidade, respondam com insultos e tiques de "prima donna" ofendida.

terça-feira, outubro 12, 2010

Tácticas obscuras

Há mais de uma semana que o país vem vivendo uma farsa. O PAICV apresentou um protesto contra um funcionário do Ministério dos Negócios Estrangeiros com base num email que foi parar a alguém que não era seu destinatário. Desta vez não se falou em hackers cabo-verdianos a entrar nos servidores de Microsoft e da Google e conhecer as manobras tácticas dos partidos através da Hotmail e da Gmail. O paicv, no seu protesto, mostra-se escandalizado por saber que há funcionários que não seguem o “princípio sagrado da neutralidade e lealdade” a que todo o servidor público está obrigado. Mas, de facto, o escandaloso é ter-se o partido com uma história de décadas de partidarização extrema do Estado, com sinais renovados todos os dias da sua pretensão de continuar na mesma senda, a fazer este espectáculo na via pública. Mais do que os indícios que pretende encontrar no email do funcionário e da teoria de conspiração que quer construir a partir deles, o que mais salta à vista é o cinismo e a hipocrisia que caracteriza a relação que insiste em manter com a população e com a sociedade cabo-verdiana. Faltar a verdade, imputar aos outros o que se pratica e de forma prepotente negar a realidade dos factos é uma forma de fazer política que não devia ter lugar em democracia. Regimes totalitários vivem disso, desse doublespeak, desse reescrever permanente da memória, da hipocrisia indescritível e a propaganda e manipulação permanente. Já é tempo de se dizer um Basta! definitivo a isso.

sábado, outubro 09, 2010

Estória, estória

Dr. Gualberto do Rosário
Vice-Primeiro Ministro 1998-2000

Muito do que vai mal na política cabo-verdiana é ilustrado pela fábula dos dois primeiros ministros que insistentemente o PAICV e outros insistem em contar e recontar para denegrir o Dr. Carlos Veiga. Como se ele tivesse ganho alguma vantagem política por ter cumprido o que o nº 2 do art. 372 da lei eleitoral ainda estipula: “nenhum candidato pode exercer cargo de titular de órgão de soberania a partir do anúncio público da sua candidatura” a Presidente da República. Todos sabem que não. Também hoje todos vêem como pré-candidatos ao cargo podem ser lançados usando o trampolim dos cargos que exercem nos órgãos cimeiros do Estado. E o que Carlos Veiga teria ganho se, em vez de cumprir a lei, tivesse usado o seu cargo de PM para a campanha para Presidente da República. Apesar das evidências em contrário, a fábula continua a ser contada em várias e diferentes versões. Não tem qualquer fundamento. O n. 2 do art. 187º da Constituição prevê a possibilidade de existência de um Vice-Primeiro Ministro. O Presidente da República quando o nomeia sabe à partida que em caso de impedimento do primeiro ministro, por comando constitucional, n.1 do artigo 190º o Vice-PM substitui-o imediatamente sem qualquer intervenção sua ou do Parlamento. Pressupõe-se que no processo de nomeação tenha ponderado devidamente as consequências. A Constituição define quando o Governo é de gestão (artº 193) e estipula o que pode e não pode fazer. Nenhuma norma constitucional estabelece que quando o PM é substituído nas suas funções pelo Vice-PM o governo passa a ser de gestão. Muito menos se dá competência ao PR ou ao Presidente do Parlamento para o declarar. As revelações do Eng. Espírito Santo feitas na conferência do Paicv de que, enquanto presidente da A N no ano 2000, rejeitou as propostas de lei do governo por o considerar “interino” porque presidido pelo Vice-PM não têm qualquer suporte na Constituição. Em qualquer outro ambiente que não o do PAICV seriam descontadas como actos irreflectidos de motivação partidária ou simples abuso de poder. E certamente não seriam matéria de gáudio. Até porque a posição do Presidente da Assembleia Nacional nessa matéria foi completamente desautorizada pelo acórdão do Tribunal Constitucional de Dezembro do ano 2000. E não é citando a posição minoritária do Tribunal Constitucional que salva os mentores de um verdadeiro bloqueio institucional das suas responsabilidades no desrespeito pela Constituição e de deliberadamente alimentar um ambiente de crise condicionador das eleições legislativas e presidenciais próximas. O que, em maior ou menor grau veio a acontecer. Tanto é assim que o Paicv em período eleitoral renova sempre que pode a fábula dos dois primeiros-ministros para ver se volta a lucrar mais uma outra vez. Para uns tantos, fazer política não é influenciar e criar vontades políticas colectivas com base nos factos passados e presentes do país. Trata-se fundamentalmente de manipular factos, mexer com a memória e insistir numa campanha permanente de propaganda e desinformação. Mas, como os factos são resistentes, o esforço sistemático de os apagar, de os modificar e de introduzir outros em substituição constitui uma agressão permanente. As marcas da agressão encontram-se por todo o lado e na própria alma da Nação.

sexta-feira, outubro 08, 2010

Banco para créditos subprime?

Já no fim de dois mandatos, o Governo resolveu encarar o problema da habitação em Cabo Verde. Põe o défice habitacional em 80 000 casas e, recorrendo a uma linha de crédito de Portugal, lança um programa chamado Casa Para Todos. O timing do lançamento, a propaganda governamental exaustiva que o acompanha e os enormes esforços na gestão das expectativas das pessoas deixam transparecer que o programa, a curto prazo, visa fundamentalmente servir interesses eleitoralistas do partido no Governo. Corrobora isso a guerrilha contínua movida contra os municípios, ou seja, contra quem necessariamente deve ser um parceiro privilegiado se realmente se quer realizar o programa. O programa deixa omisso como as pessoas vão financiar-se na compra das casas. O ambiente actual de desemprego elevado, de crescimento anémico e de competitividade externa baixa não é garante do nível de vida presente e nem permite que se encare com muito optimismo o aumento significativo de rendimentos de um número crescente da população. Efeitos disso já se fazem sentir. No seu discurso na conferência sobre Oportunidades no Pós-Crise, o Governador do Banco Central de Cabo Verde alertou para o crescente aumento de créditos mal parados no domínio da habitação e para as consequências que poderão ter na estabilidade do sistema financeiro. Para a Ministra da Descentralização, Habitação e Ordenamento do Território em declarações à Lusa “a entrada no mercado do Novo Banco, instituição bancária de cariz social, vai permitir às famílias com menos recursos aceder ao crédito”. O Novo Banco tem o Estado como accionista directamente em 5% das acções. Garante a maioria das acções indirectamente através das participações do IFH, dos Correios, do INPS e da Caixa Económica É gerido pelo Banco Português de Gestão e arranca a 7 de Outubro, em pleno período de pré-campanha, tendo como clientes potenciais agentes económicos necessitados de micro crédito. Apesar da sua proclamada sensibilidade social, os créditos subprime que o banco irá disponibilizar terão que ser pagos sob pena da instituição se mostrar inviável a curto médio prazo. Mas capacidade de pagamento pressupõe a existência de uma economia que crie empregos e proporcione rendimentos. Precisamente o que o programa “Casa para todos” não parece ter em devida conta. Os termos da sua implementação, designadamente no tocante à compra de materiais, que deverão ser em 80 por cento feitas nas empresas portuguesas, e à participação obrigatória e maioritária de construtoras portuguesas nos concursos lançados, não trazem a dinâmica económica esperada dum programa de investimento desta envergadura. Nisso talvez Cabo Verde se distinga como um caso único conhecido de um governo lançar um vasto programa de construção do qual, à partida, não se espera efeitos significativos na economia nacional. Em todos os países do mundo, o sector de construção de habitações é um dos sectores chaves da economia porque por um lado absorve uma fatia importante das poupanças e por outro provoca efeito de arrastamento e dinâmica na criação de postos de trabalho. Para o Governo é um programa para atingir objectivos político-sociais: como tal é subsidiado. O problema é que os subsídios provêem da dívida contraída que irá sobrecarregar o país a médio prazo sem benefícios comensuráveis aos custos envolvidos.

quinta-feira, outubro 07, 2010

FMI:World Economic Outlook. Projecção para Cabo Verde

Clicar na imagem para ver os dados
World Economic Outlook

Projecções das autoridades caboverdianas:

Extracto do discurso do Sr. Primeiro Ministro na inauguração do Banco Africano de Investimento (5/2/2010):

"Portanto, temos o equilíbrio dos fundamentais da economia e, sobretudo, a economia está a crescer, apesar da crise, Cabo Verde deverá crescer entre 6,5 e sete por cento em 2009, o que mesmo assim é, ainda, um crescimento robusto e umcrescimento que resulta da dinâmica do sector privado cabo-verdiano e dos fortes investimentos públicos que têm sido feitos".

Ministra das Finanças na conferência promovida pelo BCV no dia 21/9/2010:

A ministra das Finanças cabo-verdiana afirmou hoje que a economia cabo-verdiana já começou a dar sinais de retoma e estimou em cerca de 6 por cento o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) para 2010.


quarta-feira, outubro 06, 2010

Não há pudor?

O governo atingiu um outro patamar de falta de ética na sua acção junto dos funcionários públicos. Já não basta a acção político-partidária. Na edição especial do mês de Setembro do Jornal Comunicar, propôs-se deliberadamente explorar os sentimentos religiosos dos servidores públicos. Mais de metade do jornal foram imagens de encontros do PM com o Papa e outros dignitários da Igreja Católica. Claramente que a intenção não é informar sobre assuntos de Estado tratados entre Cabo Verde e Vaticano. Pretende-se realmente explorar para fins partidários a maior abertura e simpatia que uma população maioritariamente católica naturalmente manifesta na sequência de um encontro dos seus governantes com o Santo Padre. O jornal Comunicar foi supostamente criado para formação, informação e motivação, visando mostrar e valorizar a importância do serviço dos funcionários e dos colaboradores da Administração Pública para o Estado. Essa é a linha editorial do jornal assinada pela Ministra Janira Hopffer Almada. A realidade, porém, é que esse jornal cujo proprietário é o Gabinete de Comunicações e Imagem do Governo serve outros propósitos: distribuir propaganda oficial do governo em todas as repartições e instituições do Estado. Como o bem prova essa edição especial.

terça-feira, outubro 05, 2010

Falhar na escola, penhorar o futuro

Quanto à qualidade de ensino, Cabo Verde, no relatório de competitividade do Fórum económico Mundial Cabo Verde, aparece atrás de 10 países da África subsaariana: Quénia, Gâmbia, Benin, Zimbabwe, Botswana, Malawi, Maurícias, Zâmbia, Ruanda, e Nigéria. Na matemática e nas ciências o atraso de Cabo Verde é mais evidente. Tem á sua frente o Benin, Quénia, Ruanda, Maurícias, Senegal, Zimbabwe, Zâmbia, Botswana, Costa de Marfim, Camarões, Madagáscar, Gâmbia, Burkina Faso, Suazilândia e Etiópia. É evidente que o país não está a fazer o suficiente em matéria de qualificação dos seus recursos humanos. Esta constatação, que é de todos, parece não ter sido absorvida pelo Governo. Como é seu hábito, quando se torna impossível esconder uma falha da governação, reage em dois registos: insiste em contrariar os factos com declarações extravagantes como “as nossas universidades, mesmo com menos de cinco anos de existência, comparam-se em qualidade com as universidades lá fora”. Num outro registo coloca-se na posição de defender a classe profissional envolvida na actividade. Como se a exigência de qualidade pelos utentes do serviço público significasse pôr em causa a dignidade dos funcionários que o devem prestar. É o clássico reflexo de quem procura se desresponsabilizar das suas acções, não aceita críticas e faz política explorando sentimentos de vitimização e de exclusão. Em S.Vicente, no discurso do início do ano lectivo, o Primeiro Ministro reafirmou confiança na qualidade de ensino em cabo verde, quando todos vêem por que caminhos ela anda, e defendeu a qualidade dos professores como se alguém os estivesse a atacar ou a culpar pela má qualidade de ensino no país. No discurso, para se justificar, o PM falou em tudo, kits escolares, cantinas, alfabetização, objectivos de milénio, reforma de currículo a realizar-se no fim do último ano do seu mandato. Peneira para tentar esconder o Sol da realidade de que se falhou em qualificar os jovens para responder às necessidades do mercado. De que não se conseguiu fazer do capital humano do país um factor de atracção do investimento privado nacional e estrangeiro. E de que não se soube criar bases de conhecimento potenciadores da produtividade nacional e da inovação. O grande nível de desemprego dos jovens com 12º ano é prova disso como também o é o crescente desemprego entre jovens com licenciaturas. Cabo Verde não tem recursos naturais. Mesmo se os tivesse todos sabem os limites do crescimento baseado na venda de minérios e petróleo. Mais de qualquer outro país, o desenvolvimento dos seus recursos humanos tem que ser visto como crucial. Os dados de comparação com outros países demonstram que é inquestionável que Governo fracassou em propiciar ao País os instrumentos fundamentais da sua prosperidade presente e futura. Isso é indisculpável. Não é responsabilidade repassável para os outros nem objecto de artes ilusionistas que só escondem os problemas e adiam soluções.

sábado, outubro 02, 2010

Provocações

Várias foram as provocações feitas no colóquio do PAICV pelo Dr José Maria Neves: “Cabo Verde teve um percurso constitucional notável desde 1975”. “MpD expulsou a oposição do processo de revisão constitucional”. “Há uma nova Constituição em 2010”. Com a primeira afirmação, o Primeiro Ministro varre ganhos de civilização condensados no art. 16º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (DDHC) de há 300 anos:A sociedade em que não esteja assegurada a garantia dos direitos nem estabelecida a separação dos poderes não tem Constituição”. E para quê? Para justificar um regime do passado que se situou nos antípodas da democracia e do Estado de Direito. O artigo 16º da DDHC deixa claro que a a LOPE, a Constituição de 1980 e mesmo a constituição revista de 1990 não preenchiam os requisitos básicos de uma Constituição. Mas o PM não ficou por aí. Relembrou ainda a “generosidade” do partido único que impôs a ditadura, como “forma a congregar todas as vontades e as competências nacionais, visando a salvação nacional de Cabo Verde enquanto Nação”. Na segunda afirmação, acusa o o MpD de não ter transformado o parlamento eleito numa assembleia constituinte. Quer que se esqueça que o PAICV, durantre o processo de transição, rejeitou sempre a ideia de eleição de uma Assembleia Constituinte. O PAICV justificou-se, então, com a revisão da Constituição que unilateralmente fez a 29 de Setembro de 1990. Disse que era o suficiente. Os caboverdianos, porém, não concordaram e no dia 13 de Janeiro deram ao MpD dois terços dos votos para completar a mudança do regime com uma nova Constituição. Agarrado à ideia de legitimar o seu passado, o Paicv não podia concordar com uma nova Constituição. Queria continuidade e não ruptura. Por isso, não precisava que ninguém o expulsasse do processo. Ele próprio se excluiria, assim como fez, abandonando a sessão plenária da Assembleia Nacional. Na terceira afirmação vê-se como o PAICV não acredita no constitucionalismo e arranja formas de sempre o pôr em causa. Houve uma revisão da Constituição mas quer falar de uma nova constituição. Provavelmente até advoga uma nova república. Para que, parodiando a célebre frase de Lavoisier, se veja que "nada se consolida, nada é certo e nada se institucionaliza. Tudo se transforma em matéria de arremesso político-partidário". Portugal já vai na sétima revisão constitucional desde 1976. Será que se devia falar na décima república portuguesa? O ridículo que com essas tiradas se atrai para o processo democrático é deliberado. Assim como é deliberado o acto de impedir o Estado de se juntar à comunidade nacional na celebração das datas que, invocando liberdade e pluralismo, renovam a unidade de todos num objectivo comum. Garante-se com isso que os caboverdianos ficarão divididos e à mercê dos que já demonstraram saber como jogar na divisão para manter o Poder.

quinta-feira, setembro 30, 2010

Salário mínimo: desvio do essencial?


A central sindical UNTC-CS fez o seu Congresso no último fim-de-semana sob o signo “Salário Mínimo Digno”. Pelo tema constata-se que os sindicatos de Cabo Verde continuam focalizados nos direitos dos trabalhadores já empregados. Parece-lhes interessar muito pouco a problemática do emprego em Cabo Verde. O facto do crescimento durante esta década não ter sido suficiente para pôr as taxas de desemprego a um nível mais baixo do que em 2000 não os interpela. Da mesma forma, não parece que se preocupem com a falta de competitividade do País derivada em boa parte da rigidez do mercado de trabalho. Cabo Verde situa-se no lugar 122º num grupo de 139 países quanto à eficiência do mercado laboral. A esse nível de competitividade não é razoável esperar investimentos privados nacionais e estrangeiros que eventualmente poderiam combater efectivamente o desemprego, o subemprego e o problema dos jovens que entram no mercado à procura do primeiro emprego. O Governo recentemente abraçou a questão do salário mínimo como forma de desviar a atenção da problemática geral do emprego em Cabo Verde, do falhanço das políticas de emprego e do incumprimento de promessas feitas. Põe foco na redistribuição de rendimentos para mobilizar paixões e gerir expectativas de curto prazo. Deixa para um plano secundário a questão da criação de riqueza e da produtividade que é essencial para se ter aumento de rendimentos dos trabalhadores e se combater, efectiva e sustentadamente, a pobreza. Ao deixar-se seduzir por essa estratégia, a UNTC-CS perde a oportunidade de exigir uma política de emprego e de ir além de reivindicações salariais para os trabalhadores já empregados. E ao propô-la, o Governo deixa de lado a possibilidade de congregar todos, patronato, sindicatos e Estado num pacto colectivo para o emprego e maior eficiência do mercado de trabalho. Cabo Verde não pode tornar-se mais competitivo pela via da desvalorização da sua moeda. O escudo tem um câmbio fixo com o euro. A exemplo de vários países na zona euro, hoje em dificuldades como Portugal e Espanha, tem que flexibilizar e manter a preços competitivos o custo unitário do trabalho. Países como Alemanha e Holanda conseguiram, em vários momentos, ter taxas de crescimento elevados e níveis mais baixos de desemprego porque souberam, desde cedo construir, esse pacto colectivo de sindicatos, patronato e Estado. Nesses países, os sindicatos interessam-se pela sustentabilidade do processo de criação de riqueza. Não ficam somente pela reivindicação de salários e defesa de direitos adquiridos. É esse o caminho que se deve seguir para que uma pequena economia como Cabo Verde se torne competitiva e seja bem sucedida no mercado global.

Anúncio da "III República"?

No dia 24 de Setembro, o Dr. David Hopffer Almada fez o lançamento do seu livro a “Revisão Constitucional de 2010 e o advento da Nova República”. A tese do deputado é que com a alteração nos poderes do presidente e mudanças introduzidas no sistema de Justiça o país adoptou novos paradigmas na organização do poder do Estado. Razão suficiente para se anunciar uma nova república. Certamente para substituir a II República, fundada com a Constituição de 1992. De facto com a revisão da Constituição o presidente deixou de estar vinculado a um parecer favorável do Conselho da República antes de poder dissolver a Assembleia Nacional. Já não nomeia um juiz para o Supremo mas continua a nomear o juiz presidente do Supremo Tribunal de Justiça de entre os juízes escolhidos com base em concurso publico. E porque o presidente do STJ deixou de acumular o cargo de presidente do Conselho Superior de Magistratura, a revisão atribui ao PR o poder de o nomear directamente. Dificilmente alterações dessa natureza justificariam em qualquer lado anúncios de novas repúblicas. Em Portugal a revisão de 1982 acabou com o Conselho da Revolução e todos os mecanismos de tutela militar da democracia. Alguém falou em IV República? Depois disso fizeram mais seis revisões. Outras tantas repúblicas? Situações de crise profunda como a da França em 1958 justificaram o fim da IV República e o nascimento da V República Francesa, mas após um plebiscito. Ninguém, por exemplo, fala de uma nova república na Turquia porque se referendou há dias alguns artigos da constituição, diminuindo a tutela dos militares e aumentando a independência dos tribunais. Só em Cabo Verde essas aparentes "extravagâncias" aparecem. Mas não é atoa. Demonstram a contínua hostilidade do PAICV e dos seus dirigentes a todo o processo de derrube do regime em 1991 e a emergência do Estado de Direito democrático com a Constituição de 1992. Hostilidade visível em diferentes intervenções na conferência do PAICV realizada no dia 27 com o tema "Percurso Constitucional de Cabo Verde desde 1975". Mas em 1975 com a LOPE e a partir de 1980 com o art 4º da Constituição o que se tinha era o princípio fundador do Estado de que o PAIGC/PAICV é a força dirigente da sociedade e do Estado. Claramente que tal princípio não podia ser o ponto de partida para o constitucionalismo caboverdiano. Seria interessante saber se, por exemplo, os juristas russos também pensam que o Estado constitucional russo tem as suas origens no Estado soviético? É que o nosso artigo 4º era precisamente igual ao artigo 6º da Constituição da União Soviética.

quarta-feira, setembro 29, 2010

Avisos subtis


Nas dificuldades do país foi ontem colocado mais um paninho quente. Cortesia de uma missão do FMI. Era evidente a satisfação dos governantes. Ninguém os viu ou ouviu quando o foco de atenção eram os índices detalhados da competitividade de Cabo Verde, constantes do relatório do Fórum Económico Mundial. Mas tratando-se de declarações genéricas sobre níveis de confiança, importações e receitas fiscais como indicadores de crescimento apareceram logo a facturar. Os caboverdianos gostariam de saber se esse crescimento está ser induzido por maior fluxo de capital directo estrangeiro, se já é visível o crowding in de capitais privados seguindo os investimentos públicos, se há uma dinâmica de criação de emprego e se as exportações ganharam uma nova dinâmica. A missão do FMI parece concordar com a ideia de se estimular a economia com empréstimos concessionais. Não põe, porém, a sua mão no fogo pelas opções feitas pelo governo na aplicação desses créditos. Vai avisando que o “maior desafio nos próximos anos é executar com eficiência os investimentos públicos enquanto se preserva a sustentabilidade da dívida”. Mas eficiência é precisamente o que o relatório referido aponta como o ponto fraco da competitividade de Cabo Verde. De qualquer forma ninguém se lembra do FMI a avisar a Grécia e os outros países PIGS do que poderia resultar do estímulo fiscal que davam às suas economias. Falta de transparência nuns casos e outros problemas resultaram na terrível situação vivida actualmente. Quem lhes fez ver isso, muito provavelmente, não o foi o FMI mas sim o mercado: os que lêem o relatório da competitividade.

terça-feira, setembro 28, 2010

O Estado: o grande ausente das comemorações do 18º Aniversário da Constituição


O Estado de Cabo Verde distinguiu-se mais uma vez como o grande ausente das cerimónias que celebram a II República. No 18º aniversário da Constituição ninguém viu ou ouviu o Chefe do Estado. A Assembleia Nacional, sempre pródiga na organização de fora, conferências e mesas redondas, omitiu-se completamente no caso da homenagem à Constituição. O vazio foi preenchido por vários eventos e conferências organizados pelos partidos políticos e por entidades académicas como o Instituto de Ciências Jurídicas. À medida que os anos passam, a ausência do Estado na celebração das datas simbólicas do advento da II República vem-se tornando cada vez mais uma afronta. Nem se respeita o 13 de Janeiro, consagrado na Lei como feriado nacional. Vê-se que se trata de uma atitude deliberada quando a comparação é feita com a postura assumida todos os anos pelos titulares dos órgãos de soberania nos festejos do 5 de Julho, Dia da Independência. Aí, fazem as comemorações durar meses. Com orçamento farto em milhares de contos de recursos públicos, o Estado e as suas instituições fazem ecoar por todos os pontos do território nacional o refrão de louvores à luta de libertação e de votos de gratidão eterna aos libertadores. Ao se impedir que o Estado, enquanto expressão política organizada da comunidade nacional de participar nas comemorações da Liberdade, da democracia e do constitucionalismo, o que se pretende é claríssimo: que essas datas não sejam de união à volta dos direitos fundamentais, do primado da lei e de outros princípios incorporados na Constituição. Que sejam, sim, de desunião e de renovação de fracturas partidárias sobre questões fundamentais.