A cimeira da regionalização prevista para Dezembro do ano passado mas só realizada na semana passada, nos dias 14 e 15 de Abril, foi para muitos observadores mais um exemplo da proverbial montanha que pariu um rato. A Declaração da Praia proferida no término dos trabalhos não definiu compromissos para além de um plano estratégico para integrar as temáticas debatidas na cimeira. O Primeiro-ministro fez questão de sublinhar que o “mais importante é pensar na descentralização e que qualquer tipo de regionalização será a prazo”. Sondagens do Afrobarómetro vindas ao público arrefeceram mais os ânimos a favor da regionalização com a informação de que ela não consta da lista das dez principais preocupações dos cabo-verdianos.
A questão da regionalização do país tem-se revelado nos últimos anos matéria política quente. Falar da regionalização ajuda a mobilizar vontades e paixões políticas. Críticas podem ser dirigidas contra o governo agitando a bandeira do combate ao centralismo e a macrocefalia da Capital. Políticos locais podem cavalgar no descontentamento popular alimentado pelo sentimento de abandono para mais facilmente se fazerem eleger e se consolidarem no poder. A reivindicação da autonomia pode ser erigida em arma de arremesso para forçar a mão de quem tem o grosso dos recursos do Estado.
A quebra nos últimos anos do crescimento económico nacional e o aumento do desemprego põem as pessoas inquietas e receosas em relação ao futuro. Ficam mais sujeitas ao tipo de discurso com traços demagógico e populista que tende a pôr uns contra os outros. A regionalização pode ser um desses discursos. O facto de, apesar disso, o “balão” ter sido em boa parte esvaziado na sequência desta cimeira de regionalização, poderá significar que o governo conseguiu ver a ameaça e soube contorná-la. Em vez de se prestar a alvo de críticas, ressentimentos e frustrações nas ilhas devidos ao excessivo centralismo, o governo manobrou inteligentemente para não ser visto como o problema, mas como parte da solução. Apresentou-se como líder na procura do melhor modelo e caminho para a regionalização. Entretanto as tendências já constatadas na relação com o poder local e com as ilhas continuavam na mesma: o centralismo é cada vez maior, a autonomia dos municípios sofre erosão diária e a capacidade das ilhas, em manterem a massa crítica populacional necessária para garantir dinâmica económica e cultural, tende a diminuir.
O problema com a regionalização é que por demasiadas vezes o que está subjacente ao seu debate é uma lógica redistributiva. Muitos apoiantes querem simplesmente que recursos disponibilizados ao país sejam melhor distribuídos pelas ilhas. Não querem perceber que dirigir uma economia que privilegia a reciclagem da ajuda externa gera inevitavelmente centralização. A necessidade de comando e controlo obriga que tudo se concentre essencialmente na cidade capital e que os procedimentos sejam centralizados.
As ilhas precisam de uma dinâmica económica que as faça mais ricas, mais autónomas e mais capazes de conservarem a sua população e os seus jovens promissores que decidiram ficar na ilha. Consegue-se, rompendo com o modelo económico prevalecente nos últimos anos e que tem colocado Cabo Verde a crescer a taxas baixíssimas do PIB. Mas, como se viu nas manifestações e comentários a propósito das alterações ao estatuto dos titulares dos cargos políticos, não é fácil tirar as pessoas de um modelo económico como o de reciclagem de ajudas que cria uma mentalidade de “soma nula”: se estás a ganhar, estou a perder. Para esse tipo de raciocínio não há situações win-win em que todos podem ganhar.
Editorial do jornal Expresso das Ilhas de 22 de Abril de 2015