sexta-feira, setembro 03, 2010

“Flirts” complicados


A repentina relação de proximidade de Cabo Verde com a Guiné Equatorial tem deixado muita gente perplexa. Desse país, a par com relatos de bonança derivada das vendas petróleo chegam notícias de violação de direitos humanos que causam repúdio internacional. Na semana passada foi a execução de quatro pessoas a poucas horas de terem sido condenadas á morte geral. Por essas e outras razões a decisão sobre o seu pedido de integração na Comunidade dos Países da Língua portuguesa (CPLP) foi adiada. Nessa matéria, Cabo Verde, pela voz do Presidente da República, tinha deixado transparecer posição favorável ao pedido, durante a visita oficial do presidente Nguema Mbasogo. O interesse especial por países como Guiné Equatorial, donos de fundos multimilionários acumulados durante a alta de preços de petróleo, cresceu com a crise financeira internacional e o “credit crunch” que se lhe seguiu. A maioria desses países tem regimes autoritários e uns quantos são quase párias no campo internacional, o que torna o relacionamento com eles algo complicado. Países desenvolvidos ou emergentes como a China e o Brasil concentram as relações na exploração de recursos minerais e do petróleo. Outros países cortejam-nos na expectativa de receber ajudas especiais a troco de furar o isolamento imposto pela comunidade internacional. A pergunta que se coloca é qual é a motivação de Cabo Verde em procurar aprofundar relações com regimes com o da Guiné Equatorial, a Líbia de Kadaffi e a Venezuela de Chavez? Simplesmente alargar laços comerciais e atrair novos capitais? Mas, sabendo que a movimentação dos capitais a partir desses países tem, quase sempre, motivações políticas subjacentes, a questão que fica é como isso pode afectar a vida política nacional? Será mais um impulso ao controlo do Estado sobre a economia e a sociedade? E mais margem a atitudes autoritárias e a derivas iliberais, que já se fazem sentir no sistema político caboverdiano? A condução da política externa não é neutra. Deve merecer o escrutínio de todos, principalmente quando se insiste em manter o país dependente da generosidade dos outros. Depender de democracias responsáveis resulta normalmente numa pressão positiva em direcção á liberdade e á manutenção do regime constitucional presente. Depender de regimes autoritários pode tentar os governantes a enveredarem-se por práticas em sentido contrário. Que o digam os cidadãos de países como o Zimbabwe e o Sudão. Esses regimes aproveitam-se da ajuda chinesa para contornar a pressão da comunidade internacional no tocante aos direitos humanos, ao tratamento dado às minorias, á democracia e a uma gestão responsável da economia.

quinta-feira, setembro 02, 2010

Paranóia está de volta

Finalmente “sabe-se” o que está acontecer à ELECTRA. Sabotagem. Claro que noutros momentos “soube-se” o que era. Primeiro, a privatização. Depois, os portugueses da EDP. Mais tarde a má gestão. Os roubos de energia. E finalmente descobre-se que podem ser trabalhadores ou desconhecidos infiltrados que há muito vêm sabotando os geradores. È o regresso da paranóia na política nacional. Durante todo o regime de partido único reinou a paranóia. Desde os submarinos, que eram avistados ao largo de Cabo Verde nos primórdios da independência, até às acusações de que grupos de caboverdianos estariam a ser preparados para, com a ajuda de países estrangeiros, invadir o País. Paranóia não é matéria de somenos importância. Deu prisão, tortura e humilhação de muitos caboverdianos. Nos fins de Maio de 1977, várias personalidades de S.Vicente e de S.Antão foram encarceradas durante quase seis meses nos quartéis militares de S.Vicente. Tinham sido acusadas de lançar panfletos e de estarem a preparar sabotagem da central eléctrica, do dessalinizador, dos tanques de combustível da Shell, de estradas e pontes em S.Antão. Ressuscita-se agora a paranóia como a arma de último recurso para salvar a face do Governo. Porque na Electra vêem-se, de forma condensada, os efeitos de políticas inconsequentes, de interferências politiqueiras e das constantes fugas de responsabilidade que caracterizam a acção do Governo em muitos outros domínios. As pessoas já não fazem as manifestações de anos atrás quando a culpa era atirada para cima da EDP e da privatização. Mas continuam descontentes e, mesmo com algum cuidado, vão acusando o Governo de incompetência na gestão do sector crucial para o desenvolvimento do país. Perante este quadro cada mais duro, e quase nas vésperas das eleições, já se encontrou o bode expiatório ideal: sabotagem. Até traz o bónus de se poder já acusar os adversários políticos de, pelo menos, ficar satisfeita com os seus resultados. E isso para não ser mais explícito e acusá-los de a ter organizado.

quarta-feira, setembro 01, 2010

31 de Agosto. "The day after"

Para os que ainda teimam, contra todas as evidências, não compreender o que se passou no 31 de Agosto, leiam o que o único jornal da época disse sobre o que foram os dias e meses seguintes:

O jornal oficial “Voz di Povo”, de 28 de Dezembro de 1981, dá conta da “contra ofensiva política-ideológica” levada a cabo em todos os pontos de S.Antão. Diz que num curto espaço de tempo foram realizadas cento e cinquenta reuniões com mais de 6 mil participantes e que os “desordeiros” foram julgados em tribunais populares com assistência massiva das populações afectadas pelas desordens. Mais adiante no artigo chama a atenção para o facto o “julgamento em tribunal popular dos cúmplices... teve um papel impulsionador na popularização das teses da reforma agrária e, sobretudo, na desintoxicação das massas”. De acordo om o mesmo artigo, confirmou-se que os espectros demagógicos do anti-comunismo, de tão estafados, já não.. infundem qualquer espécie de receio... ao povo trabalhador de Cabo Verde...”.

terça-feira, agosto 31, 2010

O 31 de Agosto e a Luta pela Cidadania

Os acontecimentos do 31 de Agosto de 1981, de há 29 anos atrás, são prova do que são capazes regimes políticos que não têm como base o princípio do respeito pela dignidade humana. A violação sistemática de direitos, consagrados na Carta Universal dos Direitos Humanos, pode ser desencadeada a qualquer momento e por qualquer razão, como se verificou em S.Antão nesse dia. Independentemente das leituras diversas que se pode fazer quanto às origens e ao desenrolar dos acontecimentos, a realidade nua e crua – porque factos são factos - é que homens e mulheres, famílias inteiras, foram apanhados num redemoinho em que ficaram completamente indefesas perante um Estado todo-poderoso

Tropas (FARP) dispararam sobre uma multidão que, na zona de Coculi, Ribeira Grande, se manifestava contra a reforma agrária. Adriano Santos morreu de imediato com uma bala no peito. A lei marcial foi instaurada sobre toda a ilha com a suspensão de todas as autoridades administrativas. Na noite de 31 de Agosto e até ao amanhecer tropas e milícias procederam à prisão de mais de duas dezenas de pessoas. Casas foram violadas e homens nus ou semi-nus viram-se arrastados dos seus quartos de dormir, espancados, metidos em camiões e transportados para S.Vicente no rebocador Damão. Do cais passaram para celas no Morro Branco, João Ribeiro e Alto de S.João, onde permaneceram longos meses, sob torturas múltiplas incluindo choques eléctricos, até o julgamento em Março de 1982 no Tribunal Militar de Instância. “Os presos, “.acusados de tentativa de alteração da Constituição por rebelião armada..” foram condenados a penas de seis meses a dez anos de cadeia por um tribunal militar constituído por juízes, promotor de Justiça e defensor oficioso, nomeados por despacho do Ministro da Defesa e Segurança. Posteriormente, Osvaldo Rocha, um dos presos, viria a falecer em consequência dos espancamentos recebidos

Nesses dias, direitos que hoje se toma como garantidos, eram negados aos caboverdianos:

  • direito de expressão do pensamento (art. 47 da Constituição)
  • direito de reunião e de manifestação (art. 52 da Constituição)
  • direito à vida e à integridade física e moral (art. 27 da Constituição)
  • direito à liberdade e segurança pessoal (art. 29 da Constituição)
  • direito à inviolabilidade do domicílio particularmente durante à noite (art. 42 da Constituição)
  • o direito às garantias penais de defesa ( presunção de inocência, presença do advogado nos interrogatórios, não submissão a torturas para extracção de provas, etc) (art. 34 da Constituição )

Também noutros pontos do país e noutros momentos, caboverdianos viram-se completamente despojados dos seus direitos enquanto cidadãos e pessoas humanas O atropelamento dos direitos humanos já se tinha verificado em S.Vicente, em 1977, com as prisões de 4 de Junho. Figuras muito conhecidas da vida mindelense e também personalidades de S. Antão estiveram mais de sete meses presos sem serem acusados, sofrendo maus tratos e mesmo torturas. Na Brava, em 1979, houve mortes a tiro em situações estranhas; na Praia, em 1980, alguns jovens foram presos e torturados; e, outra vez, em S.Vicente manifestações de estudantes em 1987 foram reprimidas com brutalidade.

Hoje, com o 13 de Janeiro e com a Constituição de 1992 vive-se numa democracia e num Estado de Direito. A natureza sagrada da dignidade humana e dos direitos fundamentais dos cidadãos é o pilar fundamental onde se assenta a Constituição da II República. Ninguém, nem nenhuma maioria pode restringir ou suprimir os direitos fundamentais dos cidadãos. Não há nenhuma razão do Estado que se sobreponha ao valor e ao princípio do respeito pelo indivíduo.

Relembrar o 31 de Agosto não deve, porém, ficar pela simples evocação da luta travada e dos extraordinários sacrifícios feitos para que, hoje, cada caboverdiano visse a sua dignidade respeitada. Deve também forçar uma atenção muito especial quanto a quaisquer tentativas de restrição dos direitos fundamentais, sob que pretexto for.

A democracia liberal continua a ter muitos inimigos. As grandes tragédias do século vinte tiveram origem essencialmente nas lutas entre, primeiro, o fascismo e a democracia como é caso da II Guerra Mundial e, depois, entre o comunismo e a democracia na chamada Guerra Fria. Felizmente para todos que a Democracia ganhou no confronto com as ideologias totalitárias. Por isso, hoje, a Democracia e os Direitos Humanos são valores universalmente reconhecidos. Isso, no entanto, não significa que se desarmaram todos os descontentes e os inimigos da Sociedade Aberta e do Estado de Direito Democrático

Em Cabo Verde, não obstante os avanços feitos, persistem ainda resistências aos valores da democracia liberal. Têm origem designadamente na deficiente cultura constitucional, na persistência de resquícios de culturas políticas totalitárias e na fragilidade institucional. As tentações iliberais do actual governo do Paicv, de violação da Constituição e outras Leis, de esvaziamento do papel da oposição e do parlamento no funcionamento do sistema político, de condicionamento da Justiça e de transformação dos media nacionais,. particularmente dos serviços públicos de comunicação social, em órgãos de propaganda e desinformação, põem um constante e perigoso desafio à consolidação da democracia porque tendem a perpetuar essas insuficiências.

Felizmente, os vários conflitos à volta do cumprimento da Constituição, nos últimos anos propiciaram oportunidades importantes para que todos os caboverdianos se apercebessem da importância da defesa da Constituição e dos direitos fundamentais. Mas as ameaças continuam, e não se pode baixar a guarda.

Neste dia 31 de Agosto deve-se renovar o empenho e compromisso de todos com a defesa da Liberdade e da Democracia, para que quaisquer tentativas de diminuir o que é de facto a maior conquista do caboverdiano – o seu direito de cidadania – não lhe seja retirado em nenhuma circunstância.

segunda-feira, agosto 30, 2010

O 31 de Agosto e a Luta pelos direitos fundamentais

A 31 de Agosto de 1981 aconteceu o desastre. Um morto a tiro, vinte e três homens presos, milhares de pessoas aterrorizadas.

As tropas (FARP) dispararam sobre uma multidão que, na zona de Coculi, Ribeira Grande, S. Antão, se manifestava contra a reforma agrária. Adriano Santos morreu de imediato com uma bala no peito. Os soldados depois de esgotarem as munições, no dizer de alguns presentes, retiraram-se para posições junto à vila de Povoação.

A lei marcial tinha sido instaurada sobre toda a ilha com a suspensão de todas as autoridades administrativas. Na noite de 31 de Agosto e até ao amanhecer tropas e milícias procederam à prisão de mais de duas dezenas de pessoas. Casas foram violadas e homens nús ou semi-nus viram-se arrastados dos seus quartos de dormir, espancados, metidos em camiões e levados para S.Vicente no rebocador Damão. Do cais foram direitos às cadeias militares de Morro Branco, João Ribeiro e Alto de S.João, onde permaneceram longos meses, sob torturas múltiplas incluindo choques eléctricos, até o julgamento em Março de 1982 no Tribunal Militar de Instância. Os presos, “..acusados de tentativa de alteração da Constituição por rebelião armada..” foram condenados a penas de seis meses a dez anos de cadeia. Posteriormente, Osvaldo Rocha, um dos presos, viria a falecer em consequência dos espancamentos recebidos.

Como é que tudo isso foi possível? Como é que neste Cabo Verde tais coisas aconteceram? Será que foi um caso único e excepcional?

Nos últimos dias de Maio de 1977 vários cidadãos em S.Vicente e S.Antão foram presos por militares e polícias e levados para cadeias no João Ribeiro e no ex-Comando Naval. Ti Nenê, Lulu Marques, Toi de Forro, Lela da Drogaria, Mário Leite, Titino Boxer, Adelino Leite e muitos outros viram-se acusados de ter a intenção de “instaurar um clima de instabilidade, para o que já tinham plano e material para a sabotagem de alguns pontos sensíveis e material para a sabotagem de alguns pontos sensíveis, tais como a Jaida, a central eléctrica, as instalações de telecomunicações, os quartéis, a rádio Voz de S.Vicente, vias de comunicação em S.Antão, ao mesmo tempo que procederiam à liquidação física de alguns responsáveis do Partido e do Governo”. Na prisão sofreram enormes vexames e torturas de parte de polícias e militares. Após meses de prisão foram soltos sem julgamento sem nunca terem sido apresentados ao juiz.

Incidentes do género, notórios pelos os excessos e as brutalidades das autoridades policiais e militares, verificaram-se ao logo dos quinze anos que se seguiram à Independência Nacional. A prisão de jovens na Praia em 1980, o espancamento com traumatismo craniano de Emanuel Morais “Buna” após a repressão das manifestações dos jovens em 1987, em S.Vicente e abusos feitos a emigrantes de visita ao país são outros exemplos dos incidentes que a todo o momento ameaçam acontecer. E isso por uma razão simples:

O regime do PAIGC/PAICV construiu um aparelho legal e institucional de repressão que a qualquer momento podia ser lançado contra qualquer cidadão sem que este tivesse o mínimo de defesa possível. Os principais pilares desse aparelho eram:

  • O decreto-lei 96/76 que permitia às forças de segurança prenderem pessoas durante três meses sem apresentar ao juiz e de mais dois meses, por cima dos três, com autorização do juiz.
  • O decreto-lei 121/77 que estabelecia tribunais militares para civis acusados de crimes contra a segurança do Estado. Em relação aos militares e equiparados, polícias e milícias, o mesmo decreto-lei determinava que não podiam ser perseguidos em tribunais civis e, portanto, só podiam ser julgados pelos seus pares.
  • As FARP que não eram uma instituição do Estado mas sim, o braço armado do Partido encarregue da defesa e segurança interna. Numa primeira fase até foi uma instituição supranacional porque unificada com as FARP da Guiné-Bissau.

O caboverdiano só se tornou de facto cidadão pleno com o 13 de Janeiro, com a instauração da democracia e particularmente com a Constituição da II República que consagrou os seus direitos, liberdades e garantias. A Constituição de 1992 estabeleceu ainda o Estado de Direito democrático e a independência dos tribunais e restringiu o papel das Forças Armadas à defesa da soberania nacional face a ameaças externas. A tortura foi explicitamente proibida.

Muitos 31 de Agosto poderiam ter acontecido. O aparelho de repressão e a motivação para o sempre estiveram lá durante os quinze anos da tirania do Paigc/Paicv. Felizmente que o povo soube controlar-se perante os muitos assaltos, atentados e abusos do regime à sua dignidade. Até que chegou a sua oportunidade. No dia 13 de Janeiro, o povo, em todas as ilhas, dançou nas ruas a queda do regime.

Hoje em que todos os caboverdianos vivem em liberdade não é de esquecer a luta que muitos fizeram para afirmar o seu direito de discordar durante os quinze anos de intolerância.

A democracia foi arduamente conquistada. Perserva-la e aprofunda-la é de responsabilidade de todos. Fazer tudo para seja valorizada pelas novas geração é o dever de toda a sociedade.

Excesso nas razões. Cortina de fumo?


O Primeiro-Ministro, José Maria Neves foi a Angola por 24 horas. A justificar essa visita relâmpago, a comunicação social foi inundada de razões: situação politico-militar na Guiné Bissau, alargamento da cooperação, identificação de novas parcerias empresariais nos domínios financeiro, da hotelaria e do turismo. À chegada a Luanda, o PM acrescentou ainda à Lusa que o sector dos combustíveis será um dos outros assuntos a tratar com o presidente angolano, assim como ouvir e acompanhar a dinâmica de desenvolvimento de Angola e as suas perspectivas de liderança da CPLP e na região africana vizinha. Entretanto, sabe-se pelo portal governo.cv que o único acto oficial será o encontro com Eduardo dos Santos, seguido de almoço de Estado. A visita do Primeiro-Ministro ainda inclui um encontro com a comunidade caboverdiana. O PM está acompanhado de dois membros de Governo, mas não os que, à partida se esperaria, considerando a natureza da vasta agenda anunciada. Por outro lado, não houve qualquer informação da presença de empresários na comitiva numa visita que, ostensivamente, se chamou de reforço das parcerias empresarias. Perante o que mais parece ser uma cortina de fumo, é de perguntar qual é realmente a missão do Sr. Primeiro-Ministro? Vê-se que as eleições são uma prioridade pela preocupação, mesmo numa viagem de 24 horas, de se encontrar com a comunidade emigrada. E naturalmente que tal preocupação irá afectar outros pontos da agenda, até porque o PAICV e MPLA apresentam-se como partidos irmãos. Espera-se que o Secretário de Estado Adjunto do PM não seja convidado, como foi em S.Vicente, a fazer a apresentação da plataforma de doações electrónicas “eucontribuo”.

Viagens de Ministros e o Recenseamento

O Ministro da Administração Interna vai a Guiné-Bissau e ao Senegal. Tratar do Recenseamento, diz a nota noticiosa no portal do Governo. O Ministro já tinha ido aos Estados Unidos no início do ano e, posteriormente, a vários países da Europa. O objectivo dessas viagens dispendiosas é, segundo a nota referida, atrás, “promover a campanha de informação e sensibilização” e encontrar-se “com a comunidade cabo-verdiana residente nesses países, os representantes dos partidos políticos e as Comissões de Recenseamento Eleitoral”. Considerando o actual atraso do recenseamento - ainda está por arrancar completamente, é de supor que as primeiras viagens ou foram inúteis, ou foram prematuras. Por outro lado, é de notar que os membros do governo nada têm a ver directamente com o processo. As comissões de recenseamento, segundo o art. 44º do Código Eleitoral só devem obediência à lei e às instruções de carácter genérico, emitidas pela Comissão Nacional de Eleições”. Nessas comissões o princípio da igualdade é afirmada com a presença de um delegado de cada partido. A lei, especificamente em vários artigos (50º e 51º), atribui um papel aos partidos políticos na mobilização dos cidadãos para o recenseamento. O mesmo já não acontece em relação ao Governo. E compreende-se que assim seja. Para evitar que, com os recursos do Estado á disposição dos membros do Governo, a “balança” penda para um lado. O recenseamento é uma operação vital para a cidadania e para legitimação do Poder e por isso exige-se especial isenção e imparcialidade das autoridades públicas. Insistir nas viagens dos membros do governo nestas circunstâncias pode ser vista como provocação, campanha e tentativa de condicionamento das pessoas. E, naturalmente, induzem respostas que aumentam a crispação política, alimentam trocas de acusações e partidarizam o recenseamento. Como bastas vezes já se constatou. O resultado vê-se nos cidadãos que não se inscrevem por causa das dificuldades, artificialmente criadas no fogo cruzado, e nos que decidem não votar porque ficam desgostosos com o ambiente que se instala antes, durante e depois do processo, particularmente nas comunidades emigradas.

quinta-feira, agosto 26, 2010

"Ossos" para a ELECTRA?

O governou já concretizou a entrega da produção e distribuição de energia e água da Boavista a uma empresa privada até 2035. As razões para isso não são claras. O acordo com a empresa Águas e Energia da Boavista SA é de 2008, quando estava em vias de entrar em funcionamento o hotel Riu Karamboa, um grande consumidor de energia e um pagador certo Dá-se mais um passo no acordo, no momento em que já se iniciou a construção de um hotel com mais de 2000 camas na zona de Santa Mónica, que também vai ser um grande cliente de energia e água. A questão que deixa a todos intrigados é porque é o Governo impede a Electra de aproveitar o mercado de electricidade e água da Boavista, em franca expansão, a favor de uma outra empresa. Qual a lógica do governo em sobrecarregar a Electra com a electrificação rural, politicamente motivada e que pouco consumo e retorno gera, e não permite à empresa aproveitar-se de um “bife de lombo” quando tal se proporciona? Como é que a Electra poderá manter uma tarifa nacional de energia e água se é retirada dos mercados de forte expansão do consumo, ao mesmo tempo que é obrigada a suportar as zonas de baixo consumo?

quarta-feira, agosto 25, 2010

Por onde anda o Árbitro do sistema?

O Sr. Presidente da República parece que não teve nenhum problema em promulgar as leis de comunicação social que reforçam a auto-censura em Cabo Verde. Aliás, quase nunca põe reticências às leis do Governo e às aprovadas pela maioria parlamentar, não obstante dúvidas óbvias quanto à conformidade constitucional de algumas delas. Vários acórdãos do Tribunal Constitucional mostram precisamente isso. Nesta legislatura, salvo erro, só em duas situações pediu o parecer do tribunal constitucional. Nos primeiros cinco anos nunca usou desse Poder. Promulgação das leis pelo Presidente da república não é um simples assinar por baixo, um cerimonial. Dizem os constitucionalistas que o PR, eleito por sufrágio directo, tem um poder autónomo de controlo que deve ser utilizado para a defesa da Constituição e para a conformação política no sentido de equilíbrio do sistema político. Não se descortinou o exercício desse poder de controlo do PR na Lei da Descentralização Administrativa, publicada no mesmo BO de 16 de Agosto. O Governo, em pleno frenesim eleitoral, achou que, assim como criou 17 cidades em Cabo Verde de uma única assentada, podia servir-se de uma lei de descentralização administrativa para estabelecer novas categorias de autarquias, as regiões administrativas e as freguesias, e definir o seu regime de criação. Resultado: a lei que define o regime de criação de autarquias foi aprovada por maioria absoluta. A lei de execução a ela subordinada de criação das autarquias locais exige maioria qualificada (art. 176 alinea j), conjugado com o nº 4 do art. 160). Um contra-senso mas que satisfaz o ego exacerbado do partido no Poder. A promulgação da lei pelo Presidente da Republica deixa entender que não tem nada a opor.

terça-feira, agosto 24, 2010

Auto-Censura Reforçada

Auto-censura reforçada

O pacote de leis da comunicação social já entrou em vigor (B.O. do dia 16 de Agosto). Inclui a lei da imprensa escrita, as leis da rádio e da televisão e o estatuto dos jornalistas. Muita reveladora das intenções do Governo foi a forma como fez aprovar no parlamento essas leis e a urgência como conduziu o processo. Na revisão da Constituição de Fevereiro último, o Parlamento votou por unanimidade a criação de uma Autoridade Independente para a Comunicação Social, livre da interferência do Governo e com a missão de garantir a liberdade de imprensa e o controlo do serviço público da rádio e televisão. O normal seria que se aprovasse o seu estatuto como órgão regulador e só depois proceder à revisão das leis de comunicação social. O Governo, jogando na antecipação, forçou a aprovação do pacote (Março e Abril), antes da entrada em vigor do novo texto constitucional, em Maio. Quis deixar claro que nada tinha mudado. E que continuava o ambiente de auto-censura, repetidamente denunciado pela Freedom House e os Repórteres Sem Fronteira. O silêncio quase total dos jornalistas durante o processo mostra como essas tácticas são bem sucedidas. A jornalista Margarida Fontes foi dos poucos a reagir. No seu blog odiaquepassa.blogspot.com escreveu: “A 3 de Maio celebrou-se o dia da Liberdade de Imprensa: daquilo que pude ler e ouvir, deu para perceber que não se fez, em momento algum, a ligação necessária entre o pacote legislativo da comunicação social aprovado no parlamento e a Liberdade de Imprensa nas Ilhas. Não se disse que a liberdade de imprensa em Cabo Verde sofreu, recentemente, em toda a linha, um atentado legal: agora temos uma imprensa parceira do desenvolvimento. É obra! (11/5/2010)

domingo, agosto 22, 2010

Quem está a ser “negativo”?

Partidos têm convicções politico-filosóficas distintas, muitas vezes irreconciliáveis. Por isso, têm pontos de vista diferentes sobre a situação do país. E as soluções que apresentam raramente convergem. O País e a democracia ganham com esse esgrimir de ideias, com a multiplicidade de propostas e com insatisfação permanente com o que está a ser feito. São as vantagens do pluralismo. Ninguém espera dos dirigentes de um partido que ponha o selo de válido nas propostas de outros partidos. Muito menos se espera que o partido no Poder diga: “sim senhor! A oposição á realmente uma alternativa à minha governação”. Por isso é normal que, no jornal Asemana de 20 de Agosto, o deputado Mário Matos, enquanto dirigente do PAICV, diga: As propostas da oposição são “uma estratégia de cosmética, pelo refogado de soluções em curso ou anunciadas, com outras designações ou pequenas nuances aqui e acolá que não alteram em nada o essencial”. Não é, porém, normal que, parágrafos à frente, procure colocar-se na posição de um “observador”, pretensamente isento, a lamentar que falta à democracia caboverdiana e ao País alternativas de governação. Cai precisamente no que está a acusar os outros de ser, no negativismo, visto como atitude de não aprovação e aceitação do adversário, do diferente, do não assimilável. Nega a existência de qualquer alternativa ao PAICV. E a justificação não é, certamente, por não existir outras ideias, outros interesses e outros partidos na sociedade caboverdiana. É por não os reconhecer como válidos, em absoluto. Em vez de os encarar simplesmente como contrários aos que perfilha, e contendo, pelo menos, o valor da diferença, proclama que não estão à altura de serem considerados. Seguindo esse caminho, fica-se a um passo de questionar a própria existência da oposição e a necessidade da diferença e do pluralismo. De facto, o chamado negativismo não vem de quem constata que o Governo não cumpriu promessas feitas. E critica políticas, exaspera-se com falta de acção para aproveitar oportunidades e denuncia bloqueios a uma maior dinâmica do país. Nem vem de quem alerta para os perigos potenciais do défice orçamental e da dívida pública no curto e médio prazo. Negativismo são as tentativas de criminalização da Oposição, é afirmar que o País não precisa de alternativa porque já é uma nação vencedora e é acusar de antipatriota e de estar a mover “guerra de usura e desgaste” a todo aquele que chame o Governo à responsabilidade pelas promessas não cumpridas.

sábado, agosto 21, 2010

Debate furado. Contas não prestadas

O Debate sobre o Estado da Nação, o último antes das eleições legislativas de 2011, aconteceu no dia 31 de Julho. Seguido com grande interesse e curiosidade, ficou-se à espera que o Governo desse conta das promessas feitas e de como as suas políticas ao longo do mandato contribuem para a prosperidade actual e futura.

O Governo, em antecipação do debate, submeteu o País, semanas a fio, a uma ofensiva propagandística. Na televisão pública, além dos costumeiros grandes espaços dedicados às actividades do Governo, fez uso intensivo de publi-reportagens no horário nobre. Na ofensiva saíram prejudicados o pluralismo e o direito dos caboverdianos em ter informação equilibrada, com expressão e confrontos das diversas correntes de opinião.

No debate sobre o Estado da Nação ficou claro que o Governo prefere falar sozinho. No Parlamento, onde tem o dever de se explicar perante a Nação, sob questionamento dos outros partidos, bateu com o pé e escusou-se. Preferiu lançar um ataque, completamente a despropósito, contra os anos de governo do MpD. Com alusões directas e violentas contra o líder do MpD, o Dr Carlos Veiga, quis forçar a Oposição a entrar no seu jogo.

Não foi muito bem sucedido. Mas prejudicou o debate, a Nação não ficou elucidada e a instituição do Parlamento foi diminuída no processo.

O Governo não assumiu responsabilidades por falta de cumprimento de promessas feitas: crescimento a mais 10% ao ano e desemprego a menos de 9%. Pôs ênfase na sua capacidade de captar ajuda e, ultimamente, de endividar-se no estrangeiro. Não mostrou reconhecer a importância crucial que o aumento do rendimento das famílias, sustentado pela dinâmica económica do país, tem para a luta contra pobreza, a melhoria da qualidade de vida das pessoas e a preservação da coesão social.

O Governo, em nenhum momento, demonstrou que, na esteira das opções feitas de investimento público, está-se a verificar investimento privado. Observadores, a começar pelo FMI, ainda estão à espreita de sinais de “crowding in” de capitais privados para justificar cenários optimistas da evolução da economia.

Noutros países, devido ao que aconteceu antes e depois da crise, governos arrepiam caminho e exploram outras vias. Em Cabo Verde insiste-se no “mais do mesmo”. O Primeiro-Ministro prometeu 13º mês aos funcionários públicos sem dizer como o Estado vai suportar mais essa despesa permanente.

Na democracia não se tolera que governos eleitos continuem anos a fio a justificar-se com os eventuais erros do passado. Em muitos países, seis meses é o tempo máximo permitido. O Debate sobre o Estado da Nação não cumpriu os seus objectivos porque o governo ainda se desresponsabiliza de tudo, acusando o MpD de dez anos atrás. Tal estratagema defrauda a democracia e o seu instituto central que é a obrigatoriedade de prestação de contas, de accountability.
(Editorial, jornal Expresso das ilhas 4/8/2010)

Governo contra-ataca com funcionários

Directores-Gerais da Administração Pública vêm rotineiramente assumindo posições políticas de defesa do Governo. Dias atrás foi o Director Geral de Energia a responder à conferência de imprensa do MpD sobre a actual política energética que tem resultado em sistemáticos apagões e deficiente fornecimento de água em várias ilhas. Ontem, sexta feira, foi a vez do Director-Geral da Descentralização a lançar-se na crítica às declarações do Presidente da Câmara e da Assembleia Municipal de Santa Catarina sobre as relações entre o Governo e as autarquias. Os altos funcionários do Estado têm obrigação de saber que estão sujeitos a especiais deveres de isenção e imparcialidade enquanto agentes públicos. E que não é da competência dos funcionários dar respostas políticas a questionamentos, críticas e propostas alternativas de titulares de órgãos de poder político e dos partidos. Muito menos entrar em jogos politiqueiros de comparar década de noventa com os tempos actuais, como faz o Director-Geral da Descentralização. A Constituição consagra princípio éticos muito claros no relacionamento entre, por um lado, o Governo e a Administração Pública e, por outro lado, entre a Administração Pública e os utentes, sejam eles indivíduos ou entidades colectivas. O Governo dirige a Administração Pública, de acordo com o seu programa sufragado nas urnas. Mas, a Administração Pública serve o interesse público e os seus agentes são obrigados a agir, a todo o momento, com sentido de justiça, com isenção e imparcialidade e sem discriminação de qualquer tipo. A partidarização crescente da Função Pública, visível a olhos de todos, é o exemplo claro de como o Governo se tem desviado da ética do serviço público, na sua ânsia de se manter no Poder. Agora, até usa funcionários do Estado para fazer o contra-ataque às críticas da Oposição.

sexta-feira, agosto 20, 2010

A reaparição do Ministro das Pescas

segunda-feira, dia 16 de Agosto

Esta semana assistiu-se a várias aparições do Ministro das Pescas, em Santa Cruz e no Tarrafal de Santiago a fazer entregas de botes e de outro material de pesca. Anunciadas já estão aparições na ilha do Fogo e na Brava para o mesmo fim. Semanas atrás, não se via o Ministro quando as centenas de operárias da Frescomar perdiam emprego e a fábrica suspendia as suas actividades por falta de peixe. Também ficou fora das vistas quando as instalações da Cova de Inglesa fechavam para reparações já tardias, comprometendo exportações de pescado e o rendimento das muitas famílias que vivem da faina da pesca. O Director Geral das Pescas esteve sozinho a enfrentar as ansiedades dos desempregados e a fúria dos empresários e pescadores. A oportunidade das entregas de material das pescas permitiu a reaparição do ministro no sector. Nos actos de entrega, acompanhados de sorrisos de gratidão das pessoas e das suas declarações como estão contentes por terem sido “contempladas” e por verem realizados os seus sonhos, os governantes parecem viver a sua cena favorita. È a aquela que reforça a relação de dependência das pessoas com o Estado. A outra, que significa lidar com a economia e agir resolutamente para ultrapassar os constrangimentos que a impedem de crescer e de criar emprego, já não interessa tanto. Mas, afinal, os governantes são eleitos para dispensar benesses ou para criar condições para que todos tenham fonte autónoma de rendimento e expectativas justas de prosperidade futura. Esta é uma questão que interpela a todos na democracia.

Quando não se cumpre a Lei

sábado, dia 14 de Agosto

João do Rosário, deputado do PAICV, partido no Poder, enquanto dirigente do PTS, partido na Oposição, convidou Aristides Lima, Presidente da Assembleia Nacional e deputado do PAICV a falar numa conferência sobre “o respeito da oposição por parte do partido no poder”. Surreal, parece. Tudo porque se compactua com a prática de partidos políticos alojarem nas suas fileiras dirigentes activos de outros partidos, subvertendo princípio democrático da representação no parlamento. Também acontece porque a Assembleia Nacional enquanto instituição, não raras vezes, não consegue colocar-se e acima dos interesses tácticos dos partidos, particularmente, da maioria conjuntural. Meses atrás, o jornal Asemana revelou o deputado do PAICV como dirigente do PTS e citou um outro dirigente do PTS a afirmar que o partido tem presença no parlamento, sem ser eleito. A Mesa da Assembleia não reagiu apesar de solicitada para confirmar o mandato do deputado, em presença do que é a violação directa da norma constitucional que proíbe os deputados eleitos por um partido de inscrever noutro partido. O resultado da inacção vê-se neste convite público, no mínimo, embaraçoso para o Presidente da Assembleia Nacional.

"Expresso das ilhas" foi notícia

sexta-feira, dia 13 de Agosto

O jornal Asemana de sexta-feira, 13 de Agosto trouxe numa das suas páginas informativas uma notícia sobre o Expresso das ilhas. Fica tudo dito sobre a seriedade do texto quando, no oitavo parágrafo, surge a frase “verdade ou não (...)”. No fundo, a peça “jornalística” continha um único acto, a alteração dos órgãos sociais da empresa Media Comunicações, proprietária do jornal. Alteração que se verificou em 30 de Julho, como devidamente publicitado, e cujas repercussões na direcção do jornal constam da ficha técnica do número do Expresso das Ilhas de 4 de Agosto. No resto da prosa vê-se que o autor, ou autores, por motivos escusos, resolveu enveredar-se por caminhos complicados. O texto ficou marcado por opiniões avulsas quanto à gestão do jornal, por desinformação, via citação conveniente de fontes e por especulação, na base de relações familiares de trabalhadores do jornal, acabando finalmente no penúltimo parágrafo em invencionice pura. Os leitores e o público merecem mais dos seus jornais. Também esperam que o universo dos jornais em Cabo Verde seja plural e que esse pluralismo de ideias seja respeitado e defendido por todos. Esperam ainda que nenhum órgão de comunicação social se ponha na triste figura de fazer causa comum com certas personalidades e grupos políticos para estigmatizar o único semanário que não teve na sua origem pessoas e entidades próximas do PAICV.

Ano internacional da Juventude


quinta-feira, 12 de Agosto

As Nações Unidas instituíram o dia 12 de Agosto como Dia Internacional da Juventude com o objectivo de mobilizar a energia, imaginação e iniciativa dos jovens para promover melhor compreensão entre gerações, culturas e religiões. Daí o tema adoptado de Diálogo e Entendimento Mútuos. Aqui em Cabo Verde, o Governo resolveu imprimir o seu toque especial ao proposto pelas Nações Unidas. O tema foi logo mudado para Nação Jovem, Unida pelo Diálogo e Entendimento Mútuo. Nesse espírito, voltado para dentro e de centralização de tudo, as comemorações foram abertas pela Ministra da Juventude com a apresentação aos jovens do balanço da actuação governamental no sector da juventude. E, pelo que se viu e se ouviu na comunicação social, foram prosseguidas em todas as ilhas, tendo como pivô os centros de juventudes, que, por sua vez, estão sob a orientação directa da Direcção Geral da Juventude. Chama a atenção na generalidade dessas manifestações a insistência em dirigir os jovens para acções de massa, em os politizar e em os seduzir com entretenimento. Noutros países, como por exemplo Portugal, privilegiou-se na comemoração do Ano Internacional da Juventude reduções e borlas nos bilhetes de transportes públicos, nas entradas nos museus, cinemas, piscinas, monumentos, bibliotecas, etc. A diferença de abordagem mostra como Cabo Verde teima em seguir caminhos iliberais. Nesses países ainda é viva a memória da manipulação ideológica de crianças e jovens pelo Estado e não é admissível acções de governantes ou do Estado que de alguma forma lembram esses tempos. Em Portugal, por exemplo, seria impossível um desfile da Mocidade Portuguesa no Dia da República. Mas em Cabo Verde, onde a memória de manipulação do jovens na JAAC e das crianças nos Pioneiros deveria ser mais fresca, os governantes mostram especial satisfação em manifestações que lembram o regime de partido único. A parada de Pioneiros no dia da Independência é o exemplo mais recente e flagrante dessa atitude. Não espanta pois que, nas suas manigâncias políticas, distorcem as comemorações do Ano Internacional da Juventude.

quarta-feira, agosto 11, 2010

AGOA. Fazer o quê?

Pelas declarações da Ministra de Indústria na sequência da participação de Cabo Verde no Fórum de AGOA em Washington DC e Kansas City na semana passada, fica-se com a impressão que ainda não há uma ideia de como beneficiar desse programa. O Governo durante anos praticamente ignorou as facilidades de acesso ao mercado americano dadas a Cabo Verde desde 2002. Cabo Verde tem sido incapaz de tirar proveitos significativos da oportunidade oferecida. Dados oficiais põem o valor total das exportações para os Estados Unidos, de Janeiro a Outubro de 2009, em 14 mil dólares, cerca de mil e trezentos contos.
Vários outros países africanos também elegíveis para o AGOA fizeram bom uso das facilidades para exportar confecções e calçado. São eles Madagáscar, Quénia, Maurícias e Lesotho. O Banco Mundial registou na sua publicação “Yes, Africa Can” que Lesotho serviu-se do AGOA para se lançar numa estratégia agressiva de atracção do investimento externo e promoção de exportações. No processo mais que duplicou as exportações para os Estados Unidos atingindo, valores de mais 300 milhões de dólares, e criou 36 mil postos de trabalho na industria têxtil e de calçado, entre 2000 e 2008.
No ano passado, com o périplo de Hillary Clinton por vários países de África, incluindo Cabo Verde, o Governo fez um gesto, talvez por cortesia, e a Ministra da Indústria foi a Nairobi no Quénia participar no fórum do AGOA. Agora foi aos Estados Unidos. A pergunta que fica: Que planos tem o Governo para aproveitar as oportunidades do AGOA?

terça-feira, agosto 10, 2010

Política Industrial

O Boletim Oficial de segunda feira, dia 9, traz autorização para o Governo legislar sobre política industrial. No fim do mandato, e após milhares de postos de trabalho perdidos na industria em S.Vicente por negligência, falta de visão e preconceitos diversos, o Governo diz-se disposto a traçar linhas mestras no sector. Bom, para além ser estranho legislar nessas matérias no fim e não no princípio, há dúvidas se existe realmente vontade. Na apresentação da lei no parlamento não estava presente um único membro da equipa económica do Governo. Para bom entendedor…

segunda-feira, agosto 09, 2010

Tutela de mérito

No Fórum Governança e Poder Local a ministra Sara Lopes anunciou prémios de mérito para municípios com melhor gestão. Um anúncio extraordinário porque o Governo não tem tutela de mérito sobre as autarquias locais. Como dizem os constitucionalistas, “a função da tutela ( artigo 239 da Constituição) não é a de controlar o mérito da administração local ou a sua conformidade com os interesses gerais, tal como o Governo os vê, mas sim e apenas a de velar pela legalidade”. A insistência do Governo em fugir do que está na Constituição enquadra-se perfeitamente nas múltiplas manobras de denegrir e diminuir o Poder Local. Manobras já notadas nas leis limitadoras da autonomia, que o governo e a sua maioria têm forçado a aprovação no parlamento, e nas denúncias de má gestão com que brindam a generalidade das câmaras. Parece que o Governo se esquece que os órgãos municipais são eleitos e os munícipes são soberanos nas suas escolhas e sabem perfeitamente exigir responsabilidade aos indivíduos, grupos e partidos que põem no poder. Por isso é que eleições autárquicas não seguem automaticamente os resultados das legislativas, mesmo com poucos meses de distância entre elas. O Governo sabe isso, mas é a sua cultura política centralizadora que não lhe deixa conviver correctamente com outros poderes, com outras vozes e com manifestações de autonomia, seja dos municípios, seja da sociedade civil.

domingo, agosto 08, 2010

Pontas de lança do Governo?

Na sexta-feira realizou-se mais uma assembleia municipal do Sal. Pelos ecos na imprensa sente-se como as reuniões das assembleias municipais se vêem transformando em campos de batalha entre o Estado e os municípios. A razão disso está no facto do Governo usar sistematicamente recursos do Estado, via os seus serviços desconcentrados e via associações comunitárias e outras associações muitas vezes criadas ad hoc, para competir com o município no fornecimento de serviços às populações. A confusão, que se instala com a usurpação de competências, agravada pela desproporção de meios entre o Estado e a câmara municipal, cria rivalidades insanáveis. As representações do PAICV nas assembleias municipais assumem o protagonismo do Governo e contrapõem-no ao da câmara municipal. Resultado: descuram o trabalho que foram eleitos para fazer. Esquecem-se que quem tem a função de suportar o governo são os deputados da maioria parlamentar na Assembleia Nacional. E faltam ao dever central para com as comunidades que os elegeram, quando se colocam do lado do Governo, em questões que brigam com a preservação das especificidades próprias da população e constituem verdadeiros atentados ao exercício do seu direito de auto-governo. A deslealdade é mais flagrante quando defendem o Governo nos casos em que bloqueia transferências financeiras para os municípios previstas na lei, como acontece com as centenas de milhares de contos devidos ao município da ilha do Sal. Ainda tentando defender o Governo, o líder da bancada confessou de que o Governo fez 60% do que prometeu para ilha do Sal. Manifestamente insuficiente e com efeitos devastadores na economia da ilha. A crise começou, aí em 2007, porque o Governo não via qualquer urgência em resolver os problemas de Segurança, saneamento, acesso aos hotéis e imigração clandestina.

sábado, agosto 07, 2010

Unidades Móveis

Mais uma vez, Governo está a inaugurar serviços da Casa do Cidadão. Desta vez em S.Antão e com um serviço móvel. De modo que a comitiva governamental vai atrás para inaugurar no Paul, Porto Novo e Ribeira Grande. Pela enésima vez, governantes vão usar espaço na rádio e da televisão para explicar às populações os benefícios desses serviços. Não acrescentarão mais nada ao já dito desde do primeiro dia da Casa do Cidadão. Apesar disso não se coíbem de usar recursos do Estado em viagens e estadias para várias pessoas e em desperdiçar tempo que bem poderiam dedicar à governação. Preferem fazer render as realizações, exibirem-se e demandar gratidão das pessoas. A criação dos bancos de dados e de outros serviços que suportam a casa do cidadão e a utilização da internet para interagir com eles constituem realizações que merecem cerimónia com pompa e circunstância. Mas criar pontos de acesso á rede e andar por vilas, ribeiras e comunidades no estrangeiro a inaugurá-los é caricato, dispendioso e enganador da população em relação à natureza das tecnologias de informação e comunicação.

quinta-feira, agosto 05, 2010

Problema de água chegou ao Sal e S. Vicente

Na quinta-feira tomou posse a comissão do parlamento para fiscalização dos serviços de informação da república. Formada por três deputados, dois do PAICV e um do MpD, presume-se desde do início que não vai funcionar. E, muito menos, vai-se se colocar na posição de fiscalizar, o que alguns chamam, a “secreta” caboverdiana.
O Serviço de Informação da República (SIR) foi criado por lei em Junho de 2005. O PAICV não se preocupou em garantir o suporte da Oposição no processo de aprovação da lei. Considerando que foi o MpD a pôr na Constituição de 1992 a criação de tal serviço, à partida o Governo não deveria ter nenhuma dificuldade em avançar com a sua instituição.
As posições divergiram, porém, quanto à forma de garantir que os novos serviços não seriam, em nenhum momento, contaminados por práticas anteriores de mistura de actividade de inteligência com acções policiais. Afinal Cabo Verde tem uma história recente de polícia política: a PIDE, antes da independência, e a Segurança durante o regime de partido único. Mas o PAICV não esteve para isso. Recusou-se a qualquer alteração que, à semelhança de leis em outros países com histórias similares à nossa, precavesse contra tais contaminações. Votou sozinho a lei e até recentemente trabalhou na instalação dos serviços sem dar “cavaco” a ninguém. Em Dezembro de 2009, um Decreto- lei regulamentou o SIR e no início de 2010 o Governo nomeou o seu primeiro director, o diplomata António Monteiro.
O SIR depende directamente do Primeiro-Ministro e prevê para a sua fiscalização duas comissões, uma do parlamento e outra formada por três magistrados do Ministério Público para controlo do Centro de Dados. Sendo a comissão do parlamento em dois terços composta pelo partido que suporta o Governo, à partida, dúvidas legítimas se levantem se há, de facto, garantia que os serviços serão realmente fiscalizados. Em países com comissões parlamentares de fiscalização, designadamente a Espanha, todos os partidos estão representados, por igual. Em alguns casos a comissão é presidida pelo próprio presidente do Parlamento. Noutros países como a Polónia, a comissão é presidida pelo deputado do maior partido da oposição. A solução caboverdiana é a pior. Foi recusada a presença da UCID para garantir a uma super-maioria ao PAICV.
Ficaram em perigo os direitos, liberdades dos cidadãos. Direitos que a comissão de fiscalização deveria assegurar que não serão atropelados pelo SIR no cumprimento da missão de proteger a República de ameaças á sua integridade e á sua ordem constitucional. Mas que para isso deveria “exercer a sua actividade com independência, isenção e sentido de missão (art. 23º, alínea a) da Lei 70/2005)”. Algo que manifestamente não irá acontecer, considerando a atitude pouco razoável e musculada que o PAICV tem tido ao longo de todo o processo.

quarta-feira, agosto 04, 2010

Nomeação do Secretário Geral do Governo

O BO da quarta feira, dia 4, trouxe esta pérola: Resolução nº 42/2010 (II Série) de 4 de Agosto - É nomeado Carlos Alexandre Monteiro Reis, Juiz de Direito, em exercício de funções como Director do Centro Jurídico da Chefia do Governo, para, em comissão de serviço de natureza judiciária, exercer o cargo de Secretário Geral do Governo.
O princípio de separação de poderes obriga a que juízes de direito, enquanto titulares de órgãos de soberania, não estejam em posição de subordinação ao Governo, nem aos outros órgãos de soberania. O Estatuto dos Magistrados Judiciais salvaguarda esse princípio mesmo quando alarga o leque de cargos que os juízes podem exercer. O artigo 39º determina muito claramente quais cargos podem ser exercidos em comissão de serviço judicial. O cargo de Secretário Geral do Governo não está aí contemplado. Nem podia estar, considerando o seu papel no processo de formação e seguimento das políticas do Governo. Isso, porque juízes, em comissão de serviço de natureza judicial, de acordo com o nº 3 do mesmo artigo, “mantêm os mesmos direitos, regalias e deveres como se estivessem em efectividade de funções”. A decisão do Governo em nomear um juiz para o cargo de Secretário Geral do Governo é das tais que alimentam dúvidas quanto ao comprometimento real do PAICV com o Estado de Direito democrático. Parece mais uma das manifestações da cultura revolucionária: “os fins justificam os meios”.

terça-feira, agosto 03, 2010

Década Perdida

Milhões e milhões de contos de poupanças dos caboverdianos, de donativos de outros países e de empréstimos feitos no estrangeiro foram gastos nos últimos dez anos. Para o governo do PAICV os resultados vêem-se nas obras inauguradas, nas estatísticas favoráveis, quando comparadas com certos países africanos, e nas declarações simpáticas de países estrangeiros.

Mas os caboverdianos sabem que nem tudo o que brilha é ouro. Que nem todos os gastos trazem benefícios que os justificam. E muito menos preparam o futuro. Sabem que, para além de todas as aparências, vive-se em Cabo Verde com crescimento económico anémico, com desemprego generalizado, com ilhas estagnadas e desesperançadas, com bolsas persistentes de pobreza e com crescente desigualdade.

As pessoas também sabem que no futuro próximo vão confrontar-se com níveis de dívida pública e défices orçamentais perigosamente altos. E será em ambiente de crise internacional e a partir de uma economia pouco diversificada e pouco virada para exportação de bens e serviços.

O documento Análise de Constrangimentos dá conta da armadilha em que este governo meteu o País. Deixa claro que a propagandeada agenda de transformação está encalhada em constrangimentos designadamente no domínio do financiamento, da educação e formação e dos transportes e comunicações que já deviam ter sido corrigidos e ultrapassados.

Por essa, e outras razões, a década de governação do PAICV é, a todos os títulos, uma década perdida.

É uma década perdida quanto à atracção do investimento externo. Nos primeiros anos o Governo perdeu-se a desmantelar o PROMEX e a enviar sinais complicados aos investidores. Está a terminar o mandato sem uma estratégia de promoção do país em tempos de crise. A meio da década ficou eufórico com as possibilidades de entrada de capitais. Em 2007, chegou a anunciar investimentos de 4 mil milhões de euro em S.Vicente, a um ritmo de 600 milhões por ano. Mas logo depois queimou a galinha dos ovos de ouro. Não cuidou da Segurança e não tomou as medidas urgentes que se impunham. E minou a confiança de todos com insegurança jurídica no registo dos terrenos. A crise começou na ilha do Sal e alastrou-se pelas outras ilhas.

É uma década perdida no domínio da educação e da formação profissional. Não obstante os liceus construídos, os milhares de alunos nas escolas, as universidades criadas e o esforço na formação profissional. O excessivo desemprego entre os jovens é prova cabal disso. A falta de qualidade no ensino da matemática e das ciências e a não aposta em competências linguísticas estratégicas não faz do capital humano em Cabo Verde um factor de atracção de capitais. O desajuste entre a formação profissional e as necessidades do mercado não favorece a produtividade das empresas e prejudica a inovação em produtos e processos.

A década de governação do PAICV é uma década perdida no domínio dos transportes e das comunicações. Apesar das infraestruturas feitas o mercado nacional está ainda por ser unificado, com prejuízo, em particular, para as ilhas agrícolas. Ilhas como, a Brava, S Nicolau e Maio, estagnaram com o isolamento. E os TACV continuam a fazer os emigrantes, os nacionais e os ocasionais turistas e visitantes pagar as suas ineficiências, com custos para economia nacional e acréscimos na dívida pública. Apesar dos avanços nas comunicações electrónicas, Cabo Verde não soube desenvolver empresas exportadoras de serviços baseados nas TIC capazes de empregar milhares de jovens. Faltou visão. Seis anos depois do MpD ter proposto neste plenário da A N uma estratégia para a banda larga, o Governo, finalmente, ontem, criou uma comissão para isso.

É uma década perdida no domínio de energia. Cortes sucessivos de energia causaram transtornos às pessoas e prejuízos avultados à economia nacional em perdas de produtividade e em custos acrescidos na aquisição de geradores. A culpa disso tudo está na forma irresponsável e politiqueira com que o Governo tratou a questão da Electra. O país perdeu o parceiro estratégico e vem tropeçando no sector com medidas avulsas sem um plano definido. Hoje injecta dinheiro do INPS para resolver problemas de tesouraria, amanhã contrai empréstimos vultuosos com clausulas complicadas e depois de amanhã vê-se membros do Governo a distribuir lâmpadas em nome da eficiência energética. A questão séria da factura energética, da dependência de combustíveis fosseis e das ineficiências na produção e distribuição de energia ficam por ser abordadas de forma compreensiva.

É ainda uma década perdida no domínio da agricultura. Apesar da construção de barragens ainda não se encontrou uma via para debelar a pobreza no mundo rural. A agricultura não foi direccionada para produtos de grande valor acrescentado e o mercado agrícola não se expandiu por falta de transportes inter-ilhas fiáveis. O Governo deixou que o grogue continuasse a ser adulterado, arruinando os proprietários de cana, prejudicando exportações e devastando a saúde de muitos jovens.

Nas Pescas viu-se com o caso da Frescomar como a década foi perdida. Mesmo com a possibilidade de vender dezenas de toneladas de peixe por dia à fabrica não passou pela cabeça dos governantes investir agressivamente na frota para aumentar a captura nacional e aproveitar os acordos de pesca com países da costa africana.

Na Saúde, nesta década perdida, não se fez o suficiente para evitar que o país perdesse a vantagem comparativa de ser um destino turístico sem doenças endémicas. Permitiu-se que o paludismo, paulatinamente, assentasse arraiais em algumas ilhas e que Cabo Verde virasse notícia internacional com a epidemia da dengue. Por outro lado, não se imprimiu um impulso estratégico ao sector que capacitasse o país para responder às doenças de uma população com maior esperança de vida e, ao mesmo tempo, se posicionasse para responder as demandas do turismo residencial, virado para população envelhecida da Europa.

Na Justiça, o agendamento da discussão dos Estatutos dos Magistrados, para Outubro de 2010, mostra como a década foi perdida. A insistência do PAICV em manter juízes de nomeação política no Supremo Tribunal de Justiça, à revelia da Constituição da República, efectivamente bloqueou a instalação do Tribunal Constitucional e impediu que se desse passos seguros para uma verdadeira independência do poder judicial.

Um olhar pela comunicação social de Cabo Verde deixa claro que aí também foi uma década perdida. A autocensura reina. Ao longo dos anos o Governo moveu-se para cercear manifestações de pluralismo. Preparava o palco para a enxurrada de propaganda que está sufocar o país, com os recursos do Estado, na campanha eleitoral que há muito iniciou. Vê-se isso todos os dias na televisão pública.

Há dias Hillary Clinton avisava em Cracóvia, na Polónia contra a tentação de certos líderes das novas democracias de pôr a sociedade civil numa espécie de torno de aço, sufocando o espírito humano e esvaziando o pluralismo. E sem sociedade civil, disse ela, não há democracia.

Na ocasião, Hillary Clinton denunciou a tentativa de certos governos em fazer as pessoas subservientes ao Estado em vez de ser o Estado a servir o povo. Precisamente o que vem acontecendo nesta década. O Governo esforçou-se por convencer os caboverdianos que se pode viver da ajuda internacional com dignidade, sem preocupação real com a criação de uma estrutura produtiva própria. E que, por isso, os governos devem ser avaliados pelo que conseguem captar da generosidade dos outros. Mesmo que, ficando por esse modelo de gestão de fluxos externos, uns acabem por ficar com mais, aumentando as desigualdades sociais e condenando o país a um desemprego permanente de mais de 20%.

Resumindo, nesta década de governação o PAICV faltou no seu dever ao povo de Cabo Verde. Esforçou-se por diminuir a Liberdade, fustigou de todos os lados o Estado de Direito e não contribuiu para a prosperidade desejada. Falhou completamente nas metas de crescimento e emprego que se impôs e desperdiçou oportunidades que podiam ter permitido aos caboverdianos, em todas as ilhas, perspectivar hoje o futuro com uma outra certeza.

domingo, julho 18, 2010

S. Vicente: o desemprego e o ilusionismo do Governo

S.Vicente tem a maior taxa de desemprego de Cabo Verde. A incapacidade deste governo em enfrentar os problemas de emprego e crescimento económico tem consequências dramáticas em todo o país, mas particularmente em S.Vicente. Desmoraliza as pessoas, corrói o tecido social e cria bolsas de pobreza. Lança indivíduos e famílias para além de um limiar onde riscos são maiores de se perder dignidade, de se deixar levar pelo abuso do álcool e de drogas e de se enveredar pelos caminhos do crime. O que se passa em S.Vicente não é destino. É obra do Homem. Obra deste governo do Paicv. As potenciais vias de se desenvolver a ilha, e com ela a região, são conhecidas. Mas faltou vontade. Faltou visão. E mesquinhez prevaleceu. Logo nos primeiros meses de 2001 desmantelou-se o Centro de Promoção de Investimentos em S.Vicente, o Promex. A retirada do Promex acabou por mandar um sinal forte que o novo governo não estava interessado no investimento ligado a exportações. Que o Governo nada queria saber de indústrias que estavam a criar milhares de postos de trabalho directo e indirecto. E que o Governo pouca importância dava ao programa de AGOA. O programa que abria o mercado americano para produtos industriais que muitas jovens em S.Vicente já estavam treinadas para produzir. Desemprego aumentou na sequência do fechamento de muitas fábricas. O parque industrial então construído para dar impulso a um sector industrial exportador ficou às moscas até hoje. E o que o Governo ofereceu em troca? Nada. Quando, a partir de 2006, oportunidades surgiram com projectos turísticos para ilha, o Governo, depois de ter beneficiado da propaganda à volta deles, bloqueou-os por completo. Nenhum deles viu a luz do dia. Um factor central para o sucesso desses projectos era adequação do aeroporto para receber voos internacionais. A obra arrastou-se. Só veio a realizar-se, anos depois do previsto, em plena crise e com insuficiências que o impedem de realizar por completo o seu papel na dinamização da economia da ilha. As promessas de criação do entreposto portuário não se realizaram. S.Vicente ficou sem dinâmica que as suas gentes precisavam. Daí o desemprego, o desânimo, o êxodo da muitos jovens valiosos e os problemas sociais graves de todos conhecidos. O Governo em dez anos já vai na sua sexta equipa económica. E é evidente para todos que continua sem norte. Como reage o Governo perante este quadro que é desolador para os caboverdeanos que estão no desemprego e querem alimentar esperança de emprego para já. Um quadro que é particularmente desolador para os jovens estudantes, hoje retirados das listas de desempregados pela nova metodologia do INE e que não querem voltar á lista depois de terminarem os estudos secundários e superiores. O Governo reage com habilidades de ilusionista, de mágico. Opta por levantar os espíritos dos caboverdeanos com medidas como a que, semanas atrás, criou, de uma assentada, 17 cidades em Cabo Verde. Não interessa ao Governo que, normalmente, cidades surgem é com o crescimento e desenvolvimento económico de núcleos populacionais bem sucedidos enquanto portos, nódulos aeroportuários, centros industriais, centros de prestação de serviço etc. Importa sim simular que se está a fazer obra. Actos de ilusionismo proliferam pelo País e alimentam a propaganda estatal. O Governo usa de todos os recursos do Estado e ultrapassa todos os limites. Incluindo os que pela Constituição e pela ética deveria respeitar no que toca, designadamente, á relação do Estado e das autoridades do Estado com as crianças e os jovens. Supostas “Aulas Magnas” são ministradas por dignitários do PAICV, vestidos da autoridade do Estado, a crianças do EBI e jovens dos liceus. Lança o País numa campanha eleitoral fora de tempo. E não deixa que se debruce seriamente sobre os problemas difíceis do Pais e os extraordinários desafios que o mundo de hoje coloca a todas economias. O virar do Governo completamente para propaganda tem consequências. Tende a calar tudo e todos. Para que não se diga que o rei vai nu. Por isso, em vezes sucessivas, esforça-se por criminalizar a oposição. Polariza a sociedade e as comunidades emigradas com um discurso de divisão que é intrínseco á sua cultura política. Chega até ao ponto de deixar fragilizado o próprio Banco Central de Cabo Verde. O Boletim Oficial de 12 de Maio último dá conta de como o Governo deixou o governador e os administradores do banco central sem renovação de mandato durante vários anos. Para evitar vozes plurais reforça a auto censura que sabe existir nos órgãos de comunicação sociais. De forma deliberada procura, num jogo de dar doces e castigo, colocá-los todos no bom caminho, ou seja sem fazer mossas á onda de propaganda que pretende inundar o país até às eleições. Cabo Verde não está blindado contra crise. Mas parece que o Governo na sua ânsia de se manter no poder blindou-se contra tudo e contra todos. E não é uma “crisesinha” internacional que o vai fazer parar para reflectir, reformular, inovar como todos os outros governos do mundo estão a fazer. Socorre-se do ilusionismo e da politiquice identitária, para acirrar paixões polarizantes e alimenta divisões na sociedade caboverdeana, entre as ilhas e nas comunidades emigradas na sua luta contra o pluralismo e a diversidade. È fundamental para o futuro que Cabo Verde seja governado com verdade, com honestidade e no respeito pelas grandes conquistas do povo caboverdeanos quanto aos direitos fundamentais dos cidadãos e à institucionalização do Estado de direito democrático.

Intervenção na Assembleia Nacional de 30/06/2010