sexta-feira, novembro 18, 2011

Mistificações

"Temos liberdade de imprensa do primeiro mundo", sentenciou o Sr. Primeiro-ministro num discurso proferido nas comemorações da Inforpress. É mais uma das mistificações que o Governo é pródigo em criar e que levadas pela máquina dos media estatal ecoam pelos órgãos da comunicação social do país. O PM justifica a sua afirmação com a inexistência de processos judiciais contra jornalistas. A realidade é que todas as democracias liberais têm como pressuposto básico os direitos fundamentais como liberdade de expressão e liberdade de imprensa, mas também o direito ao bom nome, à imagem e à intimidade. O normal numa sociedade aberta é que, em certos momentos, haja tensões e mesmo conflitos no exercício dos direitos e liberdades. Para os dirimir existem tribunais independentes. Bastante jurisprudência foi já produzida nas democracias desde que foi criada a República americana há mais de duzentos anos. Acórdãos célebres debruçaram-se sobre casos em que jornalistas e jornais se opunham ao Estado (New York Times vs. USA, Pentagon Papers) ou publicações contra personalidades (Larry Flint vs. Jerry Falwell). Nos dias de hoje, o Tribunal europeu em vários momentos teve de se debruçar sobre casos que em que a disputa era, se uma notícia, fotografia ou vídeo fere ou invade a esfera privada ou íntima das pessoas e o que isso representa quando se trata de personalidades públicas. A existência de casos judiciais opondo jornais e jornalistas a personalidades públicas ou privadas não é evidência suficiente para, como pretende o Sr. Primeiro-ministro, avaliar do estado da democracia, sobretudo se rotineiramente casos nos tribunais são ganhos por órgãos e profissionais da comunicação social. Já a ausência de casos de tensão, particularmente com o Poder instalado, chama a atenção. Durante todo o regime de partido único, tirando o caso do julgamento do Frei Fidalgo, não houve situações de choque aberto com os jornalistas. A relação do regime com a comunicação social ficou bem expressa nas palavras do então Presidente da República Aristides Pereira: “não há especialistas em Informação. Há, sim, militantes que coordenam, em diversos escalões, o trabalho essencial de levar a cada cidadão, por todos os meios possíveis, o conhecimento de como se desenrola o processo complexo, em que é chamado a participar, de construção dos alicerces do progresso do país”. (Jornal Voz di Povo de 29/9/84)”. Com os primeiros passos na democracia surgiram tensões inevitáveis entre órgãos e jornalistas, agora armados das liberdades de expressão, e de imprensa e o poder democrático obrigado a funcionar num ambiente transparente e sujeito ao escrutínio público permanente. A segunda década da democracia, dominada pelo PAICV, destacou-se pelo aparecimento da auto-censura como deixam bem claro relatórios sucessivos da Freedom House e dos Jornalistas sem Fronteiras. A realidade de todos conhecida é que o Estado domina a comunicação social em Cabo Verde na rádio e na televisão e não há muitos sinais de emergência de uma opinião pública contrariamente ao que diz o Sr. PM. Os privados sofrem com a competição dos órgãos estatais no mercado publicitário e toda a actividade da comunicação social é condicionada pela presença fortíssima da propaganda governamental. As intenções do Governo para com os media de Cabo Verde mostram-se sem disfarce na lei da comunicação social: O Estado considerava a comunicação social parceira e daí convidá-la, entre outras coisas, a incentivar e apoiar políticas económicas e a censurar más práticas. O Estado daria subsídios, benefícios fiscais e outros incentivos a quem melhor fizesse isso. No discurso referido o PM dá a questão da responsabilização dos jornalistas uma tonalidade quase apocalíptica citando frases bíblicas do Juízo Final: "por tuas palavras serás justificado, e por tuas palavras serás condenado". Essa invocação traduz a forma como aparentemente o PM vê a liberdade de imprensa: Uma liberdade com limites democráticos, ou seja, uma liberdade social e democraticamente prospectada em pacto colectivo. Complicado.

quarta-feira, novembro 16, 2011

Construir vontades

Os desafios colocados pela actual crise são extraordinários. Confrontá-los tem sido difícil particularmente se reina a crispação no meio político nacional. Em vários países europeus, recentemente a Grécia e a Itália foi-se pela via de construção de consensos políticos alargados. Nos dois casos, o Primeiro-ministro em funções cedeu lugar a personalidades aceites pelos principais partidos e bem referenciados nos mercados internacionais pela competência, ponderação e capacidade de transformação. Noutros casos, como em Portugal e provavelmente em Espanha, o novo governo trabalha com uma oposição que de algum modo se sente responsável pela implementação das reformas.

A evolução do diálogo político, para além da habitual confrontação partidária, teve suporte em dois factores essenciais: 1- reconhecimento pelas partes da realidade da crise no país; 2- aceitação das reformas e do pesado preço político que há que pagar para as pôr em prática. O caminho para se chegar a consensos não foi fácil. Nos diferentes casos foi necessário fazer um grande esforço para extrair, do manto de ofuscação construído pela propaganda governamental, a verdade dos factos sobre o país. E não foi pacífico porque dificultada a cada passo por manobras de encobrimento de responsabilidades. Compreende-se que terminem com o sacrifício do líder.

Em Cabo Verde o Primeiro-ministro liderou uma primeira tentativa de diálogo. Mas começou mal. Primeiro não reconhece que o país desde o fim da bolha imobiliária, em 2008, é afectado pela crise. Segundo, secundariza o papel dos partidos com assento parlamentar ao recebê-los no mesmo formato que ouve personalidades e entidades públicas e privadas e organizações sindicais e religiosas. Terceiro, termina o ciclo de consultas opondo-se frontal e publicamente a posições e opiniões que considerou terem sido de algumas das entidades ouvidas. É evidente que não é essa a forma de se construir uma vontade nacional em questões fundamentais.

Na segunda-feira, o Primeiro-ministro, sem ainda reconhecer os efeitos da crise, dirige uma mensagem ao país, delineando as medidas que o governo pretende tomar nos próximos tempos. Na terça-feira, reuniu-se com os parceiros em sede de Concertação Social e sem surpresas, a reunião não deu em nada. O próximo encontro ficou adiado para Dezembro.

Dificilmente poderia ter sido de outra forma. Em cima da mesa estavam matérias como o 13º mês, o salário mínimo, aumentos salariais e flexibilidade do código laboral. Sem um trabalho prévio, sincero e honesto quanto à situação real do país não é razoável pedir que promessas sejam simplesmente esquecidas. Nem propor às pessoas que abdiquem dos seus direitos para abraçarem um pacto social propiciador de crescimento e de futuros empregos. Confiança é algo que tem que ser construída e confirmada a cada momento.

A bola está do lado do governo. Tem que ter coragem para ir além dos seus instintos de controlo para associar outros na tarefa exigente de fazer face à crise que assombra todo o mundo. Os principais parceiros de Cabo Verde já estão a sentir os efeitos recessivos das reformas encetadas. A dependência actual de Cabo Verde das transferências externas garante que o país que não ficará incólume. É tempo de agir e não de polarizar.

Editorial do Jornal Expresso das Ilhas de 16 de Novembro de 2011

segunda-feira, novembro 14, 2011

Artes de simulação

A Política está a se institucionalizar com uma actividade que exige fundamentalmente um rápido jogo de pernas, que nem o Muhammad Ali: está-se em todo o lado e não se é encontrado em sítio nenhum. O Governo move-se como se estivesse a combater a crise, mas sempre que é surpreendido apressa-se logo a proclamar que a crise ainda não afecta o país. Esvazia quaisquer sugestões de acção, dizendo ou que os conselhos vêm com atraso de dois anos, ou proferindo declarações teatrais “não me peçam para parar os investimentos”. Antes de ser questionado sobre o porquê das sete folhas de medidas contra a crise que apresentou na segunda-feira, o PM apressou-se a dizer que o combate contra a crise não é de hoje. Vem desde 2007. Neste ponto é de realçar a omnisciência do Governo que na época já combatia a crise que iria desencadear-se em Setembro de 2008. Seguiu-se a blindagem do país e a substituição do capital directo estrangeiro por empréstimos para a construção de infraestruturas. As obras entregues maioritariamente a empresas estrangeiras não impediram o aumento do desemprego nem ajudaram as empresas nacionais a se consolidarem. Paradoxalmente, diminuíram os índices de pobreza, mesmo em S.Vicente com a maior taxa de desemprego do país, chamando a atenção para os canais abertos entre o Governo central, ONGs e associações comunitárias que permitiram a distribuição de donativos e de fundos públicos. Revelações em tempo de campanha, não desmentidas pelas autoridades confirmaram que esses canais também servem interesses político-eleitorais. É em tempo desta “boa governação” que a dívida externa atinge mais de um bilhão de dólares, perdem-se oportunidades de investimento nos enredos da administração pública, despesas não discricionárias aumentam em sintonia com o aumento das receitas e o governo falha em transmitir à população a urgência em ganhar competitividade externa, como bem salientou o governador do BCV. Atingido o ponto em que segundo um funcionário do Banco Mundial já não restam munições ao Governo, o país é agraciado com as sete páginas de medidas. É de se perguntar o que esteve antes a fazer. Sabe-se que algo se fez, afinal são dez anos, mas é evidente que não resultou como desejado. Mudar vai custar, e vai levar tempo para ultrapassar os muitos obstáculos que se colocam no caminho do desenvolvimento. O Jogo de pernas, as artes de aparição e desaparição e a não assunção de responsabilidades não vão desaparecer. O encontro com a realidade já está marcado. A dúvida está no modo de aterragem: suave ou brusco.

sexta-feira, novembro 11, 2011

Receitas sem olhar como

O Governo que diz não querer aumentar impostos, arranja uma saída airosa para obter mais receitas. Penaliza o tabaco e o álcool em nome da luta contra o tabagismo e alcoolismo. A realidade é que se sabe perfeitamente que a procura desses produtos não é elástica. Como alimentam hábitos arreigados, dificilmente se alteram os padrões de consumo pela via da tributação. Mas outros males sociais podem surgir de uma manipulação desproporcional dos preços. O contrabando pode tornar-se interessante e atrair pessoas para esta actividade criminosa se a discrepância de preços justificar o risco da operação. Nesse caso perdem todos. Há quebra nas receitas, o crime aumenta e aprofunda-se a informalização da economia. As pessoas mantêm os hábitos ou saem simplesmente à procura de produtos alternativos, invariavelmente mais perigosos. Ou seja, aos custos referidos deve-se ainda ajuntar a pressão sobre os serviços de saúde, os dias de trabalho perdidos e quebra de produtividade. No caso actual de Cabo Verde, o objectivo de diminuir o alcoolismo particularmente entre os jovens dificilmente será atingido com maiores impostos no álcool importado. A impressão generalizada é de que a juventude, seja no mundo rural, na cintura urbana das cidades ou à volta das discotecas e de outros centros de diversão bebem o grogue e outras mistelas à base do grogue. Esse álcool, produzido e distribuído sem controlo, raramente cai sob alçada do fisco. O Estado tem-se mantido basicamente impassível a ver o alcoolismo a crescer a ponto de se tornar um sério problema de saúde pública. Nada de significativo tem feito para pôr cobro à produção ilegal, permitindo com isso que situações difíceis com implicações nas famílias, na economia e na segurança e tranquilidade das pessoas e das comunidades persistam sem um fim à vista. O Estado prefere ignorar o problema do alcoolismo. Não é coerente e justo que agora queira lucrar simulando lutar contra ele. Aliás a voracidade por receitas sem olhar a meios é bem ilustrado com a taxa ecológica. O Estado arrecadou receitas Mais de (500 mil contos) bem acima das previstas (300 mil contos) prejudicando severamente a competitividade das empresas nacionais. Ainda sente-se a relutância em abdicar do que há de excessivo nessa taxa.

quinta-feira, novembro 10, 2011

Deselegância inédita

Depois de uma semana de consultas a personalidades e entidades, supostamente a procura de consensos para enfrentar a crise, o Primeiro-ministro saiu a “disparar”. Colocou-se logo na posição adversária aqueles “analistas e partidos de oposição que pretendem trazer um plano recessivo para a economia de Cabo Verde”. Aos analistas estaria a juntar o Governador do Banco Central que num texto publicado nos jornais e em entrevista ao Expresso das Ilhas chama a atenção para o óbvio: a economia caboverdiana, vulnerável e dependente da ajuda externa e de remessas de emigrantes, necessariamente será afectada pela quebra de dinâmica dos principais parceiros e pela ameaça de falência financeira que recai sobre alguns deles. Nesse sentido, o BCV no seu relatório semestral de política monetária, aconselha contenção orçamental e aumento da competitividade externa do país. Para o BCV, há que se evitar que o governo, para financiar o défice orçamental, recorra ao crédito interno e em consequência se verifiquem duas coisas: 1- baixa perigosa nas reservas cambiais pondo em perigo o Acordo Cambial com a União Europeia; 2- o sector privado fique prejudicado no acesso ao crédito. O cumprimento do Acordo Cambial é fundamental para a confiança no país. Crédito para investimento privado mostra-se essencial, porque já se sabe que o Estado já atingiu os limites do endividamento público e não pode continuar com os actuais níveis de investimento. Na resposta do PM ao BCV ficou claro a discordância entre o órgão político e a instituição independente mandata pela Constituição para executar autonomamente a política monetária e cambial nos termos de compromissos internacionais a que o Estado de Cabo Verde se vincule. Mas se para o PM não há que seguir o conselho do BCV e fazer reorientação orçamental para minimizar o seu carácter expansionista, para a Ministra de Finanças o governo não precisa que o BCV lhe venha ensinar a dar missa. O Governo irrita-se sempre que algo lhe escapa ao controlo. O Governador não está na mesma situação de há dois anos, em que ficou à espera de renovação do mandato de Agosto de 2009 a Maio de 2010. Despiques do género minam a confiança nas instituições e são sinais de que a aparente disponibilidade em ouvir outros, serve outros objectivos. Para o secretário geral do PAICV, as consultas visavam fundamentalmente obter a compreensão de todos pelo não cumprimento das promessas eleitorais do 13º mês e do salário mínimo. Cinco dias depois desde incidente, o PM, num volte-face, veio anunciar medidas correctivas para as situações referidas no relatório do BCV. Ainda não se sabe como irão afectar a proposta da OGE já entregue ao parlamento e que vai para discussão e aprovação na próxima segunda-feira.

quarta-feira, novembro 09, 2011

Esconder-se de promessas feitas

Depois do estado de negação vieram os grandes gestos de teatro para dar o dito por não dito. Negou-se durante mais de três anos que a maior crise económica e financeira desde da Grande Depressão dos anos 30 do século passado pudesse afectar Cabo Verde. Quando o sistema financeiro mundial ameaçou soçobrar sob os efeitos tóxicos dos títulos subprime em Cabo Verde assobiou-se para o lado. Quando em consequência da crise financeira diminuiu o crédito disponível e verificou-se uma grande contracção da economia mundial e do comércio internacional o governo regozijou-se com a taxa de crescimento de 5%. Fazia-se gala de que era superior ao crescimento de países exportadores designadamente africanos que sofriam com a retracção do consumo global. O aparente paradoxo era explicado dizendo que o sucesso caboverdiano dever-se-ia à “boa governação”. Iludiu-se a crise também contraindo pesada divida externa para financiar infraestruturas custosas, muitas delas fruto de prioridades trocadas mas que poliram e bem a imagem do governo e contribuíram para que o partido no governo ganhasse as eleições legislativas. Nem quando há mais de um ano começou a despontar a crise da dívida soberana dos estados na sequência dos défices orçamentais criados para salvar os bancos de falência e estimular a economia o governo deu conta de si. Tinha uma eleição entrementes e estava disposto a tudo prometer para ganhar. Depois da vitória poder-se-ia até que dizer que promessas de 13º mês nunca foram feitas. Reconhece-se agora a crise porque toca no que realmente dói: a ajuda orçamental e os donativos e os empréstimos concessionais. Isso dá medida de facto do grau dependência do país apesar dos 36 anos de independência e também das consequências de se insistir durante décadas a fio com políticas de reciclagem de ajuda. O reconhecimento não significa porém mudança real de atitude. Os encontros sucessivos do Primeiro ministro com várias entidades para falar da crise parece mais teatro sem consequência do que real engajamento em mudar as coisas. Depois de um dia de reunião o centro de reflexão do governo já tinha recomendações para apresentar ao Primeiro Ministro. É um déjà vu. Com tudo isso fica a impressão de que se está simplesmente a ganhar tempo. Continua viva a esperança de se encontrar uma alternativa a Portugal e à Europa para alimentar o sistema. China poderia servir. Tem reservas de mais de 3 triliões de dólares. O único problema é que não tem complexo colonial. Investe nos seus próprios interesses e não entra na jogada de dar dinheiro para que outros, depois de receber, venham com pretensa postura digna reclamar que “pensam com as suas próprias cabeças”.

terça-feira, novembro 08, 2011

BCV e Governo: cenários desencontrados

O Primeiro Ministro fala em taxa de crescimento para o próximo ano no intervalo 6-7%, enquanto o Banco Central no Relatório de Política Monetária divulgado ontem projecta para 2012 crescimento no intervalo 4-5%. A disparidade das projecções do Governo e do Banco Central tem provavelmente a ver com os dois cenários aventados pelo BCV no referido relatório. Num primeiro cenário, com mais crédito à economia e aumento no financiamento interno ao orçamento do Estado, haverá redução de reservas internacionais em cerca de 15%. No cenário preferido pelo BCV, porque “mais consentâneo com a defesa da credibilidade do regime cambial e da estabilidade macroeconómica” as reservas garantiriam 3 meses de importação, mas à custa da queda no investimento em resultado do abrandamento do ritmo do crédito interno. De acordo ainda com o relatório, neste cenário se o Estado mantiver as suas necessidades de financiamento de acordo com o que está orçamentado, haverá perigo de crowding out do investimento privado. Ou seja, o crédito disponível irá preferencialmente para satisfazer as necessidades do Estado, limitando os privados e prejudicando possivelmente a criação de empregos. Como se vão reconciliar as duas perspectivas é o que se vai ver. O Governador é claro em dizer que ajustes significativos devem ser feitos ao nível do Orçamento do Estado apresentado para 2012 que continua expansionista como os dos anos anteriores. O problema é que, como todos puderam verificar nas eleições presidenciais, muitas despesas do Estado são feitas com propósitos eleitorais. No horizonte de 2012 eleições autárquicas já condicionam as movimentações dos membros do governo e a dispensa de fundos para associações comunitárias, ONGs, programas governamentais para a juventude, cultura, coesão social, etc. Austeridade em tempo de eleições custa mais. Para quem ache que o acordo cambial é um colete-de-forças talvez seja o momento de retomar a discussão proposta pelo então deputado Josefá Barbosa: ponderar se convém a Cabo Verde manter-se num peg unilateral ao euro ou se devia movimentar-se ou para euroização ou então tornar-se mais flexível e ligar-se a um cabaz mais alargado de moedas.

segunda-feira, novembro 07, 2011

Porquê só na Capital?

Na proposta de Lei da Autoridade para a Comunicação Social há uma norma que estabelece que o novo órgão constitucional deve ter sede na Praia. E pergunta-se porquê. Porquê a concentração obrigatória na capital de institutos, entidades reguladoras e vários outros serviços do Estado. Nem órgãos de soberania são. Aliás, tanto nos Açores como nas Canárias, dois países arquipélagos com ampla autonomia política, estruturas do governo e órgãos representativos localizam-se em ilhas diferentes. A lógica anterior de ter tudo centralizado baseava-se na eficiência e eficácia que a proximidade dos vários serviços e entidades estatais propiciava. Os ganhos simbólicos e de produtividade dos serviços do Estado aparentemente compensavam pela desigualdade de oportunidades que a localização na capital, ou seja, num ponto do território nacional, causava aos outros. Afinal são os recursos de toda uma comunidade, as receitas do Estado, que são preferencialmente gastos num único lugar. A percepção da injustiça aí implícita tem motivado esforços recentes com vista ao alargamento da desconcentração e de descentralização para que a repartição de recursos seja mais equitativa. Os avanços nos domínios dos transportes e comunicações com particular ênfase para as extraordinárias possibilidades abertas pela Internet retiram o essencial da justificação da proximidade para se ter entidades estatais todas no mesmo sítio. É a percepção que assim é, levou em parte os deputados por unanimidade a votar o futuro Tribunal de Relação de Sotavento para ser sedeado em Assomada, Santa Catarina. Videoconferências, envio e troca de documentos em suporte informático e comunicação oral a baixo custo ou custo zero através da VOIP/ Skype retiram argumento ao imperativo de se localizar tudo na capital. Sem esse argumento, outros factores merecem ponderação mais aprofundada. Designadamente dever-se-á considerar a questão da dinâmica das migrações internas particularmente de jovens qualificados, o crescimento acelerado da capital versus o colapso ou estagnação de outros centros, o impacto no mundo de negócios de cada ilha, a preservação das elites locais e a salvaguarda da diversidade nacional que isso implica. Pode-se ponderar tudo isto. Não se pode é ficar paralisado pela inércia, seja no pensamento, seja na acção.

sexta-feira, novembro 04, 2011

Tudo para dar certo

A propósito do Fórum realizado em Mindelo, a 4 de Novembro, seria interessante ver na experiência dos outros o que possivelmente poderá estar a faltar para que São Vicente dê certo. Durante séculos muitos pensaram que a China tinha tudo para dar certo: dimensão, população, recursos naturais e ética confucionista. A realidade de algumas décadas atrás era de um país subdesenvolvido com centenas de milhões de pessoas na pobreza extrema. Hoje é a segunda economia do mundo e a crescer à taxa de 10% ao ano. A transformação começou em 1978. Deng Xiao Ping presidiu a uma mudança de atitude que potenciou todas as outras qualidades e recursos da China. Dizendo que “ser rico é glorioso” varreu a inveja, a paralisia e a descrença no mérito que a ideologia igualitária induzia nas pessoas e perpetuava na sociedade. Clamando que não importa que o gato seja branco ou preto e o que interessa é que cace ratos derrubou ideologias sufocadoras da iniciativa individual e da inovação e elegeu o pragmatismo como referência. A China entrou num caminho em que resultados contam para se avaliar da adequação dos meios disponibilizados e para se reconhecer o empenho dos envolvidos e compensá-los devidamente. Infelizmente não é esse o caminho de Cabo Verde. Focaliza-se demasiado em conseguir meios em detrimento de uma avaliação ponderada dos resultados conseguidos. A relação custo-benefício dos empreendimentos não é tida em devida conta. Investe-se na oferta e esquece-se de mobilizar a procura. Vive-se fundamentalmente do fluxo de recursos a partir do exterior (remessas de emigrantes, donativos e empréstimos concessionais) e não do que a economia pode produzir em bens e serviços. Para fazer com que São Vicente acerte e tenha sucesso, como aliás todo o Cabo Verde, é essencial uma mudança profunda de atitude. No Fórum do Mindelo apresentaram-se projectos da imobiliária como se a bolha no sector não implodira, a procura pela segunda residência não se retraíra drasticamente e o crédito barato de anos anteriores estivesse disponível com a mesma facilidade de antes. Mas, como qualquer surfista, o caboverdiano deve saber quando a onda já morreu na praia. E como também deve estar ciente que não pode criar ondas. A hipótese que lhe fica é de preparar-se para a próxima onda, com pragmatismo e sem amarras ideológicas. A hora é de identificar possível procura externa para bens e serviços que a ilha pode realisticamente oferecer. Para um arranque súbito (jump start) um investimento “all inclusive” podia mostrar-se interessante. Os operadores trazem com eles o mercado e a ilha ganharia no fluxo de pessoas e nas várias atracções para além de “sol e praia” que ofereceria aos turistas. A médio prazo, podia estrategicamente preparar-se para um turismo de cuidados de saúde. Afinal a Europa fica a 3, 5, 6 horas de distância, a população está a envelhecer, e cuidar dos mais idosos fica cada vez mais caro. Parece que há aí uma onda potencialmente gigante que merece ser espreitada e talvez cavalgada com sucesso. Tudo depende de nós. De encontrarmos os parceiros certos, reorientarmos a formação profissional e desenvolvermos uma cultura fina de serviço.

quinta-feira, novembro 03, 2011

Ministro de Economia precisa-se

Nos últimos dias o Sr. Primeiro Ministro tem-se desdobrado em múltiplas consultas de entidades públicas e privadas, religiosas, empresariais e sindicais. Faz isso para dar um sentido de urgência ao combate à crise e para supostamente receber sugestões de como enfrentá-la. Poderia bem receber a sugestão de nomear um ministro da Economia pleno, sem necessidade de acréscimos como Competitividade e Inovação. Um ministro que tivesse peso político e todo o suporte do Primeiro-ministro para fazer as reformas e conseguir resultados concretos e substanciais na diversificação da economia nacional, na criação do emprego, no aumento de bens e serviços transaccionáveis, na consolidação de uma classe empresarial dinâmica, na redução dos custos de contexto, no abaixamento dos custos de energia, água, transportes marítimos e aéreos. Nos governos do Dr. José Maria Neves já passaram mais de seis ministros com pastas do sector da economia. Nenhum deles foi verdadeiramente o ministro da economia que Cabo Verde precisava. A prova disso é o ponto em que o país se encontra no momento, frágil com uma economia afunilada no turismo e quase no limite da capacidade de endividamento sem que a dívida tivesse sido útil na criação de emprego e na expansão das empresas nacionais. Ao longo do tempo prevaleceu a vontade das Finanças Públicas em nome da manutenção dos equilíbrios macroeconómicos. Das finanças não se podia esperar grande sensibilidade micro. Ao nível macro sentia-se confortável com as transferências externas sem precedentes que o País recebia desde de 2004 para juntar as pontas. E sempre ajudava, para manter a pose de rigor, alguma criatividade orçamental com desorçamentação de despesas e não assunção de risco derivados de responsabilidades contingenciais de empresas públicas, municípios e institutos públicos como bem chama a atenção o Governador do Banco Central. O propalado rigor nas despesas porém ficou ferido de morte com a divulgação das transferências a associações comunitárias nas vésperas das eleições presidenciais. Agora que as transferências externas tendem a diminuir drasticamente é urgente ter-se um verdadeiro ministro da economia a trabalhar com um sector das finanças que acredite que a prazo só o crescimento a taxas elevadas poderá garantir a estabilidade macroeconómica do país.

quarta-feira, novembro 02, 2011

Fim do ilusionismo, aparição da Crise

Oficiosamente a Crise já chegou a Cabo Verde. Oficialmente diz-se que os efeitos da crise lá fora poderão atingir-nos. Mas que até lá nada realmente ficou de fora, seja o 13º mês, o salário mínimo ou os aumentos salariais para repor o poder de compra perdido. O Poder continua a sentir-se compelido a dizer meias-verdades à sociedade. Situações complicadas continuam a acumular-se lá fora, particularmente na zona do euro, mas o governo cá persiste em subestimar os efeitos já sentidos da crise e em demonstrar que rapidamente serão ultrapassados com uma ofensiva diplomática que renove a ajuda e abra outras linhas de crédito concessionais.

Em todos os países enfrentar a crise significa para a generalidade das pessoas sofrer cortes brutais sucessivos nos rendimentos e na qualidade de vida à medida que são implementadas as medidas de austeridade. Nas muitas das manifestações de revolta e desagrado verificadas nas ruas das cidades do mundo inteiro ouve-se sempre a queixa de que os cidadãos não foram devidamente consultados quando decisões fatídicas eram tomadas. Ninguém os chamou quando se tratava de salvar os bancos do desastre financeiro que tinham engendrado com a sua ganância. Nem tão pouco quando a conjugação de grandes acumulados de dívida pública com perspectivas baixas de crescimento económico a médio prazo provocou stress nos mercados e em consequência subiram as taxas de juro da dívida de alguns países para níveis que praticamente os levou à beira da falência.

Em alguns desses países, eleições recentes serviram para canalizar o ressentimento das pessoas e para penalizar governos que lhes ocultara a verdade. Na Grécia, o primeiro ministro Papandreou quis antecipar-se com o pedido de um referendo que lhe assegurasse o apoio da população na implementação das rigorosas decisões dos parceiros. A decisão caiu mal e já provocou tumulto nos mercados, abrindo a possibilidade de a Grécia sair do euro. Em Cabo Verde, o primeiro-ministro confessou recentemente que uma crise no euro teria efeitos catastróficos para o país. À parte isso, pouco se tem dito à nação sobre os perigos da crise e as medidas que deverão ser tomadas para conter o seu impacto. A linha oficial é que o país estava salvo da crise. Por isso, as medidas já anunciadas pelo PM incluindo cortes a serem feitos, consolidação de instituições diversas e de controlo rigoroso de certas despesas dificilmente encontrarão o eco desejado.

Para o Governador do Banco de Cabo Verde, no texto publicado neste número do jornal (pags. 18 e 19) é crucial a gestão da competitividade externa para fazer face à crise. Mas teme que as exigências não foram comunicadas aos caboverdianos com vista a obtenção dos necessários consensos. Quer dizer que os caboverdianos nem sabem como a crise está a afectar o país nem como preparar-se para a confrontar. As ambiguidades e meias-verdades do Governo têm servido para toldar completamente a visão sobre os factos. O debate com a Oposição tem sido crispado e pouco esclarecedor. Dificilmente servirá como suporte de consensos futuros de como lidar por exemplo com uma crise do euro na sequência da saída de um ou mais países da união monetária.

Os tempos são de extraordinária dificuldade e imprevisíveis quanto ao desfecho de vários processos cruciais em jogo. Uma certeza que os povos querem ter é que seus governantes lhes falem verdade. Porque vontades são mobilizadas e sacrifícios são consentidos se a causa é comum, se o esforço é igualmente suportado e se a governação prima pela verdade e a honestidade.

Editorial do Jornal Expresso das Ilhas de 2 de Novembro de 2011

terça-feira, novembro 01, 2011

Pôr um stop à marginalização das ilhas

Na sexta-feira próxima, dia 4 de Novembro, vai-se realizar mais um debate sobre o desenvolvimento de São Vicente. Para alguns mais cínicos, trata-se de mais um exercício do “pessoal de São Vicente” que não se reconcilia com o facto que hoje a ilha toca um longínquo segundo violino no concerto nacional. A realidade porém é bem outra. São Vicente está na situação de ter a maior taxa de desemprego, porque não se conseguiu pôr realmente de pé uma economia nacional que permita o desenvolvimento equilibrado das ilhas e viabilize de facto o país. A opção tem sido de focalizar na captação de fluxos externos com particular foco nas doações e nos fundos concessionais. E isso leva inevitavelmente à macrocefalia da Capital em detrimento das outras ilhas e do interior da ilha de Santiago. Reequilibrar as coisas, passaria por dinamizar vários pontos do país com o estímulo de uma procura externa de bens e serviços. Uma grande oportunidade foi desperdiçada a partir de Maio de 2007 em que, na sequência do Conselho de Ministros em São Vicente, o governo sistematicamente empatou todos os projectos de imobiliária turística previstos e já aprovados para ilha. O impacto desses projectos em São Vicente e em todo o país seria muito diferente do que empreendimentos de mesma envergadura têm nas ilhas do Sal e da Boa Vista. São Vicente juntamente com Santo Antão tem vários atributos, designadamente uma população conjunta próxima de 150 mil pessoas, um tecido empresarial mais denso, escolas e centros de formação mais experimentados e actividade sócio-cultural mais rica. O efeito de arrastamento sobre a economia local e sobre a economia nacional seria seguramente mais pronunciado e mais enriquecedor da nação, seja nos novos empregos gerados, seja no aumento geral dos rendimentos das pessoas. O efeito sentir-se-ia na criação de múltiplos destinos para as migrações internas, numa maior confiança e autonomia da sociedade civil e na mudança de atitude das pessoas no sentido de mais solidariedade, mais civismo e optimismo em relação ao futuro. O país assim equilibrado, poderia planificar melhor o crescimento dos centros urbanos. A Praia, particularmente, seria poupada à enorme pressão demográfica que actualmente sofre e que causa à cidade e ao país problemas gravíssimos, designadamente de segurança, saneamento, saúde pública, habitação e infraestruturas. Enganam-se em parte aqueles que dizem que este estado de coisas é devido à centralização do Poder na Praia e que a solução seria simplesmente partir para a regionalização administrativa ou política. A centralização resulta de uma opção de política que privilegia a captação de fluxos externos em detrimento da criação de capacidade nacional de produção e exportação de bens e serviços e de atracção de investidores e capitais estrangeiros. A gestão centralizada dos recursos põe o Estado no topo da “cadeia alimentar” e ajuda a construir a malha de favores, facilidades e acessos especiais que no momento certo podem ser traduzidos em apoio político. A luta pelo desenvolvimento das ilhas passa por libertar-se da estratégia de desenvolvimento que tem perpetuado certas elites no poder, aumentado a desigualdade social, marginalizado as ilhas, votando milhares ao desemprego e ao emprego precário. A crise está aí. Temos de mudar de rumo como muitos outros países muito mais desenvolvidos foram forçados a fazer.

segunda-feira, outubro 31, 2011

Discricionariedade e prepotência

Em 2010, o Governo estabeleceu o 6 de Novembro como Dia da Defesa Nacional pela via de uma resolução. No parlamento está agora para ser debatida e aprovada uma proposta de lei do governo que faz do dia 23 de Outubro o Dia da Cultura e das Comunidades. A disparidade dos actos do Governo, num caso uma resolução e noutro caso uma proposta e lei, para atingir efeitos similares é no mínimo curioso. Nos exemplos dados, o factor tempo terá contado. A decisão para o dia da defesa nacional foi tomada a 28 de Outubro e interessava que fosse comemorada no fim da semana seguinte. Optou-se pela resolução que não padece de promulgação do Presidente da República. Este e mais outros exemplos deixam a suspeição que o Governo usa as resoluções para actos que não lhe interessa o controlo do parlamento ou do presidente da república no quadro da separação e interdependência dos órgãos de soberania. Na segunda-feira passada de motu próprio e sem qualquer articulação com os outros poderes, decidiu atribuir o nome de Aristides Pereira ao aeroporto da Boa Vista. Isso nem no regime de partido único. A mudança de nome do aeroporto dos Espargos para aeroporto Amílcar Cabral foi determinada pelo decreto 9/75 do Governo que recebeu o visto para promulgação do Presidente da República. Em pleno regime democrático, em que a legitimidade do poder político e a dignidade e respeito dos cargos públicos derivam do voto popular livre e plural, o Governo quer continuar a partidarizar o Estado e todo o património nacional. Quase que compulsivamente quer que toda sociedade se deixe envolver numa névoa de nostalgia pelos símbolos do regime do partido único. E não olha a meios. Dias atrás, organizou-se uma formação de 20 jovens sob os auspícios do Projecto Nacional do Voluntariado para que, segundo o Ministério da Juventude, estes jovens, agora, passem a ser multiplicadores de uma cultura de paz, a partir da apropriação e divulgação da filosofia e dos pensamentos de Amílcar Cabral”.

sexta-feira, outubro 28, 2011

Custos de ignorar problemas

No Conselho de Ministros da semana passada, o Governo anunciou a adopção de uma política para a imigração. Depois de anos seguidos a varrer o problema debaixo do tapete, eis que toma consciência do facto de que Cabo Verde é um arquipélago com uma diminuta população e predispõe-se a conter as consequências da imigração desregrada vinda principalmente da África Ocidental. Demasiado tarde, dirão muitos. O mal já está feito. Outros continuarão a argumentar ingenuamente que, sendo um país de imigrantes, Cabo Verde não devia opor-se também a tornar-se destino para os outros. Esquecem a condição insular do país e ignoram a descaracterização sócio-cultural que particularmente as ilhas menos populosas poderão sofrer com o crescimento rápido e não planeado de uma população não autóctone. Mas a inacção do Governo face à imigração descontrolada não foi completamente inocente. Serviu vários outros propósitos, designadamente o de justificar a falta de acções determinadas e consistentes para promover o emprego e conter a expansão da economia informal. Dizia-se que muito do desemprego entre os jovens resultava de se recusarem a trabalhar. E a prova eram os imigrantes empregados. Ao mesmo tempo romantizava-se a “economia do Sucupira” porque supostamente criava emprego. Agora, o Governador do Banco Central vem revelar que a persistência de informalidade no mercado do trabalho simplesmente contribuiu para que se adiasse a tomada das medidas indispensáveis para o tornar flexível e fazer o país mais competitivo. Aparentemente tapava-se um buraco com o trabalho precário dos imigrantes, mal pagos e sem protecção da previdência social mas outros buracos surgiam. Como ele próprio diz “a informalidade constitui um dos mais sérios obstáculos no acesso ao financiamento, limitando o investimento privado e o crescimento da economia”. Naturalmente que sem um forte ritmo de crescimento da economia não há como criar empregos. Os custos de por demasiado tempo o governo ter ignorado os problemas e os confrontar decididamente são cada vez mais evidentes. A crise de 2008 deveria ser o grande alerta. Não foi porque havia uma eleição a ser ganha e havia que manter todas as ilusões de blindagem contra a crise, de criação do salário mínimo e de se generalizar o 13º mês. O ilusionismo do Governo persiste. Continua a procura de influxos externos que lhe permitem continuar a camuflar os problemas reais do país sem preocupação com a insegurança, a desigualdade social e a marginalização das ilhas que a persistência em tal modelo de governação gera. Assim fez no passado e, apesar de o sr. Primeiro-ministro mostrar-se ultimamente preocupado com a crise, continua esperançoso que fará o mesmo no futuro.

quinta-feira, outubro 27, 2011

Brincar esconde-esconde com a Verdade

A realidade da Crise caiu finalmente sobre os governantes caboverdianos. Mas fugas ao óbvio continuam a ser tentadas. Na entrega da proposta do Orçamento Geral do Estado à Assembleia Nacional, a ministra de Finanças justificou com argumentos morais a necessidade de contenção das despesas: não se pode utilizar o dinheiro dos contribuintes europeus para financiar aumentos salariais dos cabo-verdianos, quando nos países da UE há cortes "drásticos" nos salários. Ou seja, o governo não cumpre a promessa eleitoral do 13º mês, por “solidariedade” com os “contribuintes dos países doadores que transferem toda esta riqueza que é distribuída em Cabo Verde”. Na cerimónia da apresentação do relatório do Doing Business a posição do Sr. Primeiro Ministro é completamente outra: há que tomar 100 medidas de reformas urgentes porque agora é hora de reformas microeconómicas para continuar a garantir os fundamentais do desenvolvimento. Antes parece que os tais “fundamentais” estavam a depender da generosidade de estrangeiros e que o imperativo actual é de se pegar na economia nacional. Grave erro e muito tempo perdido, porque, como é sabido, não há equilíbrios macroeconómicos sustentáveis sem políticas microeconómicas que desemboquem em mais emprego, classe empresarial sólida, maior captação de capital estrangeiro e melhor competitividade externa traduzida em aumentos significativos nas exportações de bens e serviços. Sobre o que deviam ser as prioridades do país, o Governador do Banco de Cabo Verde lamenta no texto publicado por este jornal que “as exigências para a competitividade externa não estão colocadas na agenda e nem foram ainda comunicadas aos caboverdianos”. Resumindo, a grande simulação continua e a verdade continua elusiva. O governo mantém a esperança de poder assegurar transferências externas que tornem desnecessária aplicar-se em desbloquear a economia nacional e lançá-la para níveis mais elevados de crescimento. Quer algum crescimento, mas retrai-se perante a perspectiva de uma sociedade mais dinâmica e mais autónoma.

quarta-feira, outubro 26, 2011

Estado aumenta morosidade

Morosidade da Justiça foi o tema central das intervenções nas cerimónias do arranque do Ano Judicial e dos discursos no parlamento no âmbito do Debate sobre a Situação da Justiça. Assim foi porque cada vez mais se sente quão imprescindível é a qualidade da justiça para a manutenção de paz num ambiente de liberdade e de respeito pelos direitos fundamentais dos cidadãos. Universalmente reconhece-se hoje a importância de se ter uma justiça célere e eficaz. A qualidade da democracia é preservada, os indivíduos têm as condições para partirem à busca da felicidade e o ambiente económico mostra-se atractivo para investidores e operadores nacionais e estrangeiros.

Vários factores foram identificados com sendo empecilhos a uma maior produtividade na administração da justiça. Falta de meios adequados, número insuficiente de magistrados, deficiência de formação, ausência de especialização foram dos mais referenciados. O presidente da república fez um apelo directo aos juízes para incarnarem a qualidade de servidores da justiça e mostrarem a sua segura disponibilidade pessoal para o rigor e o método, a dedicação à causa e o bom senso.

O grau da litigiosidade foi apresentado em debates na rádio e na televisão, em entrevistas nos jornais e no debate parlamentar como um factor importante da morosidade da justiça. Quando o grau é elevado, como actualmente se regista em Cabo Verde, cria um volume de processos que naturalmente sobrecarrega todo o sistema de justiça. A recomendação avançada é que se procure pela via da mediação e arbitragem evitar que muitos conflitos cheguem aos tribunais. E que pela insistência numa cultura de legalidade, entidades públicas e privadas se abstenham de usar o seu poder económico, administrativo ou político para atropelar direitos das pessoas.

Chamou particularmente a atenção o facto de muitos terem apontado o Estado, incluindo administração pública, institutos e empresas públicas como useiro e vezeiro em não cumprir na relação com utentes e trabalhadores ciente da fragilidade dos indivíduos em lidar com todas as consequências de um conflito prolongado. Parece que, maliciosamente, os agentes do Estado envolvidos nessas práticas ainda contam com a morosidade da justiça para tornar a punição ou simples abuso em algo quase permanente. É inconcebível que quando todos se esforçam por encontrar formas para diminuir a morosidade da justiça, práticas de certos sectores do Estado estejam a agravá-la com práticas ilegais e violentadoras de direitos.

As denúncias feitas, devem poder desencadear acção rápida e efectiva do governo para as investigar e pôr cobro definitivamente. O Estado deve ser pessoa de bem. Cabe ao Governo garantir que assim seja. Os cidadãos e contribuintes não podem estar a financiar um Estado que dá cobertura a actos arbitrários, discricionários e de puro abuso do poder, confiante que a justiça não funciona.

Editorial do Jornal Expresso das ilhas de 26 de Outubro de 2011

domingo, outubro 23, 2011

Voluntarismo revolucionário

Em Setembro último o Sr. PM decidiu discursar em crioulo na Assembleia Geral das Nações Unidas. Com esse acto, o PM colocou-se à frente das leis do país a começar pela própria Constituição. Em Fevereiro de 2010, a Assembleia Nacional, em sede de revisão constitucional, considerou que o Estado ainda não tinha criado as condições para oficialização do crioulo e que a língua portuguesa continuava por mais algum tempo como a única língua oficial. Perante isto, cabe ao governo criar as condições para a oficialização que conduza a um crioulo escrito e falado standard, aceite e estudado por todos. Certamente que não lhe cabe saltar etapas no processo e muito menos promover certas variantes em detrimentos de outras usando dinheiros públicos. Na ONU, até os países da CPLP tiveram que recorrer a traduções noutras línguas para compreender o representante caboverdiano. Não passaria pela cabeça de nenhum deles utilizar uma das línguas faladas não oficiais no seu país de origem para se dirigirem à comunidade internacional. O voluntarismo aí verificado não é um caso isolado. É só ver os anúncios múltiplos, escritos na rádio e na televisão de vários ministérios e outros agentes públicos num crioulo ao sabor de quem o escreve ou fala. Sempre que isso é feito discriminam-se variantes, ilhas e pessoas a favor de outrem. E usam-se recursos públicos e autoridade do Estado para o impor. A bagunça linguística não para aí. Na rádio e na televisão mesmo o português está sujeito à falta de compreensão das exigências de se ter uma língua oficial. Permitem-se na rádio e televisão nacionais locutores e jornalistas com sotaques óbvios que distorcem significativamente a língua standard. Os vícios de linguagem perpetuam-se porque não há um esforço concertado nas escolas para que as crianças sejam ensinadas a pronunciar correctamente as palavras. Deixam-se completamente os professores à vontade particularmente no ensino básico para passarem aos novos alunos as suas deficiências de pronúncia. Depois, quando ouvem repetidos na rádio esses mesmos defeitos, o ciclo fica completo e gerações são prejudicadas e possivelmente discriminadas por isso. A atitude do Estado nesta matéria tem sido de uma negligência quase criminosa. Fazer política identitária ignorando os perigos que acarreta tem sido uma tentação difícil de resistir por parte do governo. Tem uma compreensão ideológica da história e cultura caboverdiana e procura impô-la usando recursos públicos, em completa violação de princípios constitucionais que impedem que o Estado sujeite os cidadãos a “directrizes filosóficas, estéticas, políticas ou religiosas” da sua escolha. Os custos do voluntarismo são elevados. A violência que lhe é intrínseca, mantêm a sociedade em permanente crispação e não deixa que se estabeleçam as bases do crescimento sólido, consensual e inovador em todas as esferas da vida do país.

Renováveis. Custos excessivos?

O parque eólico de Santiago foi inaugurado com 11 aerogeradores e potência nominal de 10 megawatts. O investimento total nos parques de Santiago, Boa Vista, Sal e Maio é de 56 milhões de euros, dos quais 45 milhões foram financiados pelo Banco Africano de Desenvolvimento. À pergunta muitas vezes colocada ao governo, porque o parque ficou tão caro relativamente aos custos do que se pratica noutras paragens, nunca houve resposta convincente. De facto, olhando para os gráficos abaixo com os custos comparativos em vários países de instalação de aerogeradores, surpreende verificar como a diferença é tão grande. Mesmo considerando custos médios de 1 milhão e duzentos mil euros por megawatt, os 10 do parque de Santiago ficariam por 12 milhões, muito aquém dos 20 milhões investidos. Os caboverdianos porém já se habituaram às técnicas negociais deste governo. No ano eleitoral de 2010 investiu, com linha de crédito de Portugal, 30 milhões de euros em centrais fotovoltaicas na ilha do Sal e em Santiago num total de 7 megawatts. As duas centrais diesel que constituíam o back up do sistema foram depois entregues à Electra num processo duvidoso de aumento de capital social da empresa. Não se ouviu falar mais das fotovoltaicais, aparentemente a braços com a poeira acumulada que lhes retira eficiência, mesmo nos momentos de aperto no fornecimento de energia que a cidade da Praia enfrenta. Para o Governo até parece que o moto é: “ foi inaugurado, fez-se a propaganda devida e agora é passar à frente, para um outro projecto”. Não se sente um olhar ponderado sobre os custos no momento, uma preocupação com os resultados deficientes atingidos e apreensão pelo peso futuro derivado do pagamento dos juros e da devolução por completo do capital emprestado. Concentra-se nos benefícios à cabeça: a imagem, a gestão das expectativas das pessoas, os ganhos político-eleitorais. Entretanto, os consumidores e as empresas a pagar quase trinta escudos por KWH ficam à espera que com a promessa das renováveis se regularize o fornecimento de energia e que o preço caia para níveis que favoreça a competitividade nacional e traga maiores poupanças às famílias.

Table 1.1: Estrutura de custos de aerogerador de 2 MW instalado na Europe (year 2006 €)

Investment(€1,000/MW)

Share(per cent)

Aerogerador

928

75.6

Alicerces

80

6.5

Installação eléctrica

18

1.5

Ligação à rede

109

8.9

Sistemas de controlo

4

0.3

Consultadoria

15

1.2

Terrenos

48

3.9

Custos financeiros

15

1.2

Estradas

11

0.9

Total

1,227

100

Source: Cálculos baseados em dados selecionados de instalação de aerogeradores eruropeus



sexta-feira, outubro 21, 2011

Varrer os problemas para debaixo do tapete

A quase inutilidade do debate sobre o estado da Justiça como, aliás, da generalidade dos debates no parlamento ficou patente, outra vez, ontem. Exige-se responsabilização do governo pela sua condução de todas as matérias de política interna e externa do país como é o seu dever constitucional e a reacção são manobras de diversão que acabam por esvaziar o debate. Os cidadãos, as empresas e a sociedade estão insatisfeitos com a falta da eficácia da justiça. O governo responde apontando “ganhos” designadamente em matéria de legislação, construções, equipamento, formação. Parece não importar se a disponibilização, organização e operacionalização dos meios conduzem aos fins desejados. Essa posição, no mínimo desconcertante, bloqueia a procura particularmente em sede do contraditório das razões para a ineficácia verificada. O debate vira-se então simplesmente para o apontar do dedo estéril que exacerba a rigidez ideológica e o fanatismo de uns e outros, criam uma incapacidade para pensar para além do curto prazo e faz dissolver o interesse nacional em vantagens partidárias. Em tal ambiente, as instituições a quem todos em uníssono deviam exigir maior e melhor prestação não se sentem pressionadas para mudar o comportamento. É evidente que na manutenção deste estado de coisas a culpa maior está com o governo. Quando confrontado com a falta, insuficiência ou desadequação dos resultados nas instituições que dirige ou superintende defende-se dizendo que são os funcionários e outros agentes do Estado os realmente visados pela oposição nas suas críticas. A cumplicidade assim criada retira qualquer espaço para o governo exercer liderança sobre elas e imprimir novas orientações. Não espanta, pois, que muita coisa não melhore significativamente em matéria de segurança, de contenção dos excessos policiais, de qualidade de ensino, de celeridade da justiça, na capacidade de resposta da administração e no tratamento de utentes de serviços públicos diversos. Fica ainda a percepção de que muitos problemas estão a ser varridos para debaixo do tapete, até que um dia reaparecem para assombrar e cobrar caro o esquecimento de anos.

quinta-feira, outubro 20, 2011

Tomar a nuvem por Juno

Cabo Verde subiu 10 pontos nos indicadores do “Doing Business” passando do 128º lugar para 119º em 183 países. A evolução em relação ao ano passado deve-se essencialmente ao indicador referente a registo de propriedade. Houve ainda mais uma subida no acesso ao crédito e quedas nos restantes indicadores. A posição de Cabo Verde continua a não ser boa. Continua atrás de 11 países africanos e quase 100 lugares atrás dum outro país arquipélago, as Maurícias. Não obstante, o sr. Primeiro Ministro mostrou-se satisfeito com o resultado e congratulou a equipa que o governo criou com o duplo objectivo “de melhorar a implementação das políticas e de trabalhar junto das instituições que medem os indicadores de desempenho”. A preocupação do Governo parece concentrar-se simplesmente em burilar a imagem: cria a ilusão de mudar mas na prática mantém-se dentro da mediocridade geral. Resultados espectaculares como os de Ruanda há dois anos atrás e que efectivamente atraíram a atenção dos investidores, ficam aparentemente fora de alcance. E na introdução de reformas não é de comparar o grau de dificuldades a encontrar nos dois países. Enfrentar com sucesso resistências histórico-culturais muitas vezes profundas exige visão, liderança e cultura de resultados. O sr. PM, no seu discurso, anunciou 100 medidas para, como diz ele, antecipar a crise. Medida que, vendo bem, deveriam ter sido tomadas não “ontem” mas sim “anteontem”. A dúvida que fica é se desta vez é para valer ou se é mais uma “habilidade” para ficar bem na imagem que se apresenta aos doadores internacionais. O facto de não assumir a crise, deixa a forte impressão de que toda a verdade ainda não esta a ser dita ao país.

quarta-feira, outubro 19, 2011

Novo paradigma de participação?

No sábado passado dia 15 de Outubro “indignados” desfilaram em 665 cidades do mundo. A causa próxima da indignação é a carga desproporcional das consequências das medidas de austeridade tomadas para combater a crise que 99% da população vai suportar enquanto o restante 1% fica cada vez mais rico. A desilusão cedeu lugar ao desespero, à medida que se tornavam evidentes os falhanços repetidos dos governos em debelar os efeitos da crise. A percepção geral é que muitos dos postos de trabalho perdidos não serão recuperados e o desemprego estrutural irá situar-se ao nível mais alto de sempre.

A Crise de 2008 conhece agora uma nova evolução. Começou por ser uma dívida financeira, passou a crise económica e depois a uma crise social. O amontoar da dívida soberana pelos estados que se seguiu e a incapacidade de a financiar fez implodir a confiança dos cidadãos na liderança dos respectivos países. As movimentações que se sucedem por toda a parte parecem estar à procura de outras formas de participação dos cidadãos e de escolha e responsabilização dos governantes. Pode-se estar à beira de uma mudança de paradigma com consequências profundas para os sistemas políticos existentes e seus pilares fundamentais, os partidos.

A relação entre governantes e governados certamente que será também afectada. Durante grande parte da década passada o mundo viveu com euforia anos de rápido crescimento em consequência da expansão do comércio internacional e do crédito fácil. Tudo parecia possível e muitos governos prometiam que não havia fim à vista. Fizeram-se reeleger com discursos cheios de meias verdades, com muita propaganda e com um estado despesista. Enquanto todos pareciam estar no mesmo “comboio de alegria” não se notava que uns beneficiavam mais do que os outros. Mas, quando chegou o dia de acertar contas, a verdade teve que ser dita. E foi dura. E as pessoas não perdoaram.

Em Cabo Verde, o fenómeno novo de cidadania sinalizou a sua presença durante as eleições presidenciais. Apontado por alguns como simples artifício de uma candidatura na procura de sobrevivência num ambiente político dominado por partidos, o facto é que se mostrou forte na 1ª volta e decisivo na 2 ª volta. Depois das eleições sente-se que não desapareceu.

A questão grave de energia e água, em relação à qual não se vislumbra solução nem rápida nem duradoira, constituiu um factor de aglutinação do descontentamento dos cidadãos. As pessoas sentem no ar que a exemplo do se passa com a Electra muita coisa não está a ser bem gerida no país. Contribui para isso a crescente insegurança, a precariedade no mundo do trabalho e a perda de valores que faz da solidariedade, do civismo e da honestidade palavras ocas.

Os efeitos da crise foram atenuados com infusão de fundos externos concessionais. A promessa do governo que com os investimentos feitos, particularmente nas infraestruturas, a produtividade e a competitividade do país aumentarão, o investimento privado substituirá o público como motor do crescimento e mais capital directo estrangeiro será atraído. Os indicadores porém não apontam para tais resultados. Cabo Verde poderá estar a se preparar para o tipo de choque sentido em outras paragens, quando descobriram que a sua realidade era feita de meias verdades, de propaganda e das dádivas do Estado. Espera-se que desta aterragem forçada se saia com mais vontade de agir com base em princípios, mas com pragmatismo e menos com objectivos político-partidários de curto prazo.

Editorial do Jornal Expresso das Ilhas de 19 de Outubro de 2011

segunda-feira, outubro 17, 2011

Estado da Justiça. O Presidente da República falou

O Presidente da República na abertura do ano judicial foi peremptório ao dizer que será um presidente sempre atento às questões de Justiça. E tem que ser. A revisão constitucional de 2010 deu-lhe amplos poderes com implicações importantes no sector judicial. São competências do Presidente da República a nomeação do presidente do Supremo Tribunal de Justiça, a nomeação de um juiz para o Conselho Superior de Magistratura e do presidente desse órgão. O discurso do PR marcou pela diferença. Deixou claro o que espera dos juízes. Quer que “encarnem o espírito da Constituição, de imparcialidade face aos poderes públicos e interesses político-partidários, reputação ilibada, senso de justiça, notório saber jurídico e, sobretudo, vontade para defender a Constituição e realizar os direitos fundamentais”. Com isso o PR explicitou o que a nação espera deles e naturalmente quais as linhas de força que devem nortear na profissão que escolheram para melhor a dignificarem e nela se distinguirem. Também foi claro em dizer que “o juiz não é funcionário, mas titular de um órgão de soberania e que não deve ter preocupações de intendência sindical”. Neste ponto o PR mostrou as suas reservas quanto ao sindicalismo dos juízes, algo controverso em muitos países e proibido explicitamente noutros como por exemplo a Espanha. Um outro aspecto importante do discurso do presidente foi mostrar que a morosidade não é exclusivamente um problema intra-sistema judicial. Que está ligado ao que ele chama de litigiosidade reinante. Para o PR isso tem suas origens na ausência de uma cultura da legalidade que afecta cidadãos, empresas e autoridades públicas, conjuntamente com falta de valores, de tolerância e de responsabilidade. E apela a um maior controlo social dos actos lesivos dos direitos e interesses comuns como forma de evitar a sobrecarga do sistema judicial. Espera-se que agora, com as leis feitas, meios disponibilizados, órgãos renovados e orientações claras se aprofunde a construção do sector de justiça de forma a garantir cada vez uma justiça célere que seja protectora dos direitos dos cidadãos e um factor de competitividade do país.

sábado, outubro 15, 2011

Barraca. Os custos escondidos

O Governo mantém-se firme na sua postura de ganhar “à cabeça”. Na Boa Vista o Estado já arrecada milhões de contos anuais em vistos de turista, direitos alfandegários, IVA, e taxas de utilização dos aeroportos. Satisfeito com as receitas que centralmente vai dar uso e gastar, esquece de cobrir os custos que ainda a insuficiência de condições humanas, habitacionais, económicas provocam na ilha. A factura porém não fica “solteira” e cai sobre toda a gente na ilha. Os salários baixos dos hotéis só são possíveis num ambiente de rendas de casa altíssimas porque as pessoas vivem em barracas. Muitos lidam com preços elevados de produtos alimentares e outros porque encontram outras fontes de rendimento nem sempre as mais lícitas ou dignificantes. Potenciais empregos não são conseguidos porque as estruturas de ensino e formação adequados não existem ou carecem de insuficiências várias. A China e muitos outros países que se desenvolveram subsidiaram durante anos a fio alimentos básicos e a habitação da população que nos anos oitenta se moveu para zonas económicas especiais e a lançou para a modernidade e a industrialização. Em consequência muitos milhões ascenderam à classe média. Na Boa Vista são na realidade as pessoas que subsidiam a actividade económica para que o estado continue a tirar a sua renda à cabeça. E já há pressão para também passarem a subsidiar a AEB, pagando preços mais elevados de energia e água do que o resto do país. Quando a atitude do estado não é desenvolver, mas sim de parasitar a economia na procura de rendas, a “galinha de ovos de ouro” acaba por sucumbir. A pressão dos custos acumulados e o aparecimento de novas oportunidades e destinos fará mover os operadores. Ontem foi a ilha do Sal. Hoje é Boa Vista. Daqui a alguns anos que ilha será. Maio?

sexta-feira, outubro 14, 2011

Prioridades deslocadas

Em Setembro último o primeiro ministro inaugurou a estrada Sal-Rei Bofareira de 9 km e que custou 550 mil contos. Discursando na ocasião o PM justificou a abertura da estrada como uma “uma questão de honra”. Acrescentou ainda que a estrada tinha sido um sonho da população de Bofareira e que o destino do seu governo era “realizar os sonhos dos caboverdianos”. Facto é, porém, que Bofareira não passa de trezentas pessoas e que a nova infraestrutura fica completamente fora das zonas turísticas especiais. Ou seja a estrada é um investimento de milhões que de imediato muito pouco contribui para dinamizar a ilha, incentivar o investimento e potenciar as zonas turísticas. Mais uma vez vê-se como nas opções do governo motivações outras, designadamente político-eleitorais facilmente ultrapassam razões justificadas de desenvolvimento. São centenas de milhares de contos que vão acrescentar à já considerável dívida externa. Não são aplicados na construção do liceu, na rede de esgotos, ou ainda canalizados para amenizar a urgente situação habitacional da ilha. Muito menos são dirigidos para completar a estrada estruturante da ZDTI de Santa Mónica e Lacacão. E é pena, porque assim eventuais oportunidades com impacto directo no rendimento e qualidade de vida perdem-se neste jogo duvidoso de prioridades em que interesses político-partidários acabam por se sobrepor aos interesses de desenvolvimento da ilha. Acontece na Boa Vista e acontece também nas outras ilhas.

quinta-feira, outubro 13, 2011

Blindar contra o tráfico

No fim da semana passada a PJ caboverdiana desencadeou uma operação contra o narcotráfico que já resultou na apreensão de armas, de milhares de contos em dinheiro e de mais de uma tonelada e meia de cocaína. Os grandes valores envolvidos e a quantidade de droga encontrada mostram que Cabo Verde continua atractivo como entreposto no tráfico de droga a partir da América Latina em direcção à Europa. O sucesso até o momento da operação evidencia o nível de eficácia já atingido pela PJ. E isso é reconfortante para todos nós.

A localização geográfica que até agora não foi possível potenciar em termos de estratégia económica parece revelar-se de grande utilidade para quem procura sítios remotos e fracamente guardada para as suas actividades ilegais. A constatação deste facto, que não é de hoje, devia ter conduzido a uma discussão profunda da estrutura das forças de segurança no sentido de garantir os cerca de mil quilómetros de costa de Cabo Verde não ficassem sem guarda efectiva. Para muita gente torna-se cada vez mais urgente dotar o país de uma força de segurança vocacionada para o policiamento da costa e das águas territoriais e adaptada aos rigores e exigências das missões que tal tarefa acarreta.

Há meses que vem saindo notícias de aparecimento de pacotes de droga em vários pontos da ilha de Santiago, designadamente em Calheta de São Miguel e no Tarrafal. Tais ocorrências e o impacto que poderão ter nas comunidades que de uma forma ou outra entraram em contacto com esses “achados” devem ser monitorizados minuciosamente pelas autoridades. Servir de entreposto para o tráfico já é muito mau, mas permitir que a população desprotegida entre em contacto com mercadoria de traficantes pode trazer consequências graves e constituir um factor de aumento da criminalidade violenta.

Um outro perigo sério tem a ver com os vultuosos valores em causa. Há meios suficientes para tentar corromper pessoas e instituições. Exige-se neste momento um elevado nível de alerta contra quaisquer sinais de corrupção, particularmente de elementos da polícia e de outros serviços de controlo de entrada no país. A probidade das instituições é fundamental para se fazer face à ameaça do narcotráfico e para garantir a cooperação de entidades estrangeiras nessa luta.

A persistência de uma cultura de dependência deixa as pessoas e as comunidades susceptíveis ao suborno. O hábito já instalado de viver de favores ou de pagar dádivas recebidas com declarações públicas de gratidão e apoios políticos e eleitorais, deixa a população indefesa perante quem, munido de muito dinheiro, pede silêncio e cumplicidades várias. Agir contra a droga e contra o narcotráfico também significa respeitar e fazer respeitar o princípio da dignidade humana e esforçar-se por criar as condições para que as pessoas tenham a sua autonomia e ajam com base na sua vontade própria.

Os acontecimentos dos últimos tempos renovam a necessidade de se discutir a melhor forma de o país se preparar para enfrentar essas ameaças globais, incluindo o tráfico de droga, de armas e de pessoas. A reacção das autoridades não deve ficar por medidas pontuais. Deve ser compreensiva e estratégica de modo a blindar as pessoas e as instituições de quaisquer tentações de infiltração e corrupção. Há que cultivar valores como honestidade, diligência e perseverança como os que realmente levam à prosperidade com dignidade.

Editorial do Jornal Expresso das Ilhas de 12 de Outubro de 2011

quarta-feira, outubro 12, 2011

Equívocos da Mo Ibrahim

O ex-Presidente da República Pedro Pires foi galardoado com o prémio Ibrahim 2011. Segundo a Fundação Mo Ibrahim o prémio é dado a antigos chefes de Estado executivos e a chefes de Governo eleitos democraticamente que terminaram os respectivos mandatos de acordo com os limites impostos e demonstraram excelência durante o mandato. O agraciado é escolhido de entre candidatos com menos de três anos fora das funções. Independentemente do mérito da escolha, as razões apresentadas pela fundação pecam por equívocos vários. Os chefes de Estado em Cabo Verde não são executivos e não governam. O reconhecimento da prestação de qualquer presidente da república deve ter outros suportes diferentes dos citados pela fundação. “Gestão macroeconómica, boa governação e uso responsável da ajuda dos doadores para melhorar as infraestruturas, para construir a industria do turismo e para colocar em primeiro plano o desenvolvimento social” resultam, de facto, de opções e do trabalho dos governos. Da mesma forma, não se pode atribuir ao presidente da república mérito pela graduação de Cabo Verde a país de rendimento médio. No ano 2000, Cabo Verde já preenchia 2 dos 3 requisitos para a graduação. Quanto ao justificativo avançado que pesou na apreciação o anúncio que o então presidente Pedro Pires teria feito de que deixaria o cargo ao fim do segundo mandato isso não faz sentido algum. Desde as eleições multipartidárias de 91 e da adopção da Constituição de 1992 que o presidente da república em Cabo Verde só pode fazer dois mandatos. E a Constituição não pode ser alterada nesta matéria, muito menos pelo PR que no processo de revisão constitucional só lhe é reservado o papel de promulgação da lei de revisão aprovada pelo parlamento. Apesar dos equívocos, a escolha da Fundação Mo Ibrahim traz o benefício de por em devido relevo a importância de se ter governantes eleitos pelo povo em ambiente livre e plural e com mandatos fixos; a importância de se exigir responsabilização e prestação de contas pelos actos dos governos e governantes; e a importância da governação do país resultar em ganhos para a generalidade da população e não para certos grupos e personalidades à volta do poder. O prémio disponibiliza meios significativos à personalidade escolhida para de forma efectiva e ao longos dos anos promover os princípios democráticos e de boa governação que o justificaram. De todos os galardoados espera-se que, em coerência, o façam.

terça-feira, outubro 11, 2011

Embuste

O país parece estar em polvorosa com toda a gente a tentar encontrar uma solução para a Electra. Lidera este processo o governo que de tempos em tempos, particularmente a meio de graves crises de energia e água, tem novas razões para justificar a crise do sector de energia. Fá-lo não porque quer alimentar um debate público e participativo de cidadãos mas sim para desviar atenções encontrar bodes expiatórios e fazer toda a gente assumir-se como co-responsável. Mas o governo sabe quais são as reais causas: défice no investimento e custos não cobertos pela tarifa politicamente administrada. Por isso nos períodos eleitorais contrata contentores de geradores para suprir dificuldades na produção de energia e subsidia combustíveis para conter os custos da Electra. Em Fevereiro depois de ter ganho as eleições desapareceram os geradores e terminaram os subsídios. As tarifas aumentaram e todos puderam sentir o impacto completo da falta de política energética no aumento geral dos preços. Em 2000 tinha ficado assente que se deveriam investir 250 milhões de dólares até 2015. Até agora só foram utilizados 110 milhões. Com 140 milhões de dólares por mobilizar, não há gestão que aguente. E eficiência no sector só acontecerá com investimentos certos na produção e na rede de transporte e distribuição. Outrossim, para um país como Cabo Verde devia ser central a adopção de uma cultura generalizada de eficiência energética e de atitudes de poupança de água. Isso diminuiria consideravelmente a taxa de crescimento da demanda desses bens essenciais com ganhos para os consumidores e também para os produtores que assim poderiam adiar certos investimentos. As coisas correram mal porque o governo politizou sempre a questão da Electra. Depois da saída do parceiro estratégico, falhou em dar continuidade ao programa de investimentos essenciais para a sobrevivência da empresa. Falhou também em manter o público informado sobre opções possíveis no sector com os esquivos à responsabilidade, a denúncia torpe de sabotagem e o apontar de dedos aos inimigos de estimação. Acabou por cair na própria armadilha e propaganda e não sabe como deslindar-se. Entretanto as quebras sucessivas no fornecimento de energia e água criam um ambiente de insatisfação e de desconfiança em relação ao futuro. Já há quem pergunte se outros dossiers chaves do país não estarão a ser geridos com a mesma displicência.