O quinquagésimo aniversário do discurso “I have a dream” de Martin Luther King junto ao monumento de Abraham Lincoln em Washington convida à reflexão sobre o quanto que nas últimas cinco décadas a humanidade já avançou no sentido de mais tolerância e oportunidade, de mais respeito pela dignidade humana e de mais justiça. Em 1963 o discurso do Dr. King exprimia com extraordinária clareza o sonho de um mundo de liberdade, de igualdade e de inclusão acalentado por vítimas de toda a espécie de discriminação.
Nos Estados Unidos o discurso teve grande impacto e ajudou a mobilizar a força moral necessária para nos anos seguintes se proceder ao desmantelamento das barreiras institucionais e legais que impediam um tratamento igual para os afro-americanos e outras minorias. Também aí, na sequência do movimento pelos direitos civis, a luta pela igualdade das mulheres ganhou um outro ímpeto e teve ganhos significativos designadamente na questão salarial e de oportunidades de carreira. O apoio maioritário dos americanos à decisão do Supremo Tribunal de Junho último de deitar por terra elementos-chave da descriminação com base em preferências sexuais revela os largos passos dados no sentido da “união mais perfeita” desejada por Lincoln e reiterada recentemente pelo presidente Obama.
O movimento pelos direitos civis na América serviu de inspiração aos milhões que nos seus respectivos países lutavam, na época, contra o colonialismo, contra regimes totalitários e autoritários, contra todas as formas de discriminação de base étnica, religiosa e de género. Dois momentos nesses cinquentas anos de luta tiveram particular impacto. Um foi a queda do Muro de Berlim que precipitou o fim do comunismo e de muitos regimes autocráticos. Na sequência, verificou-se o abraçar quase universal dos direitos humanos e a diminuição da pobreza opressiva de muitos milhões de pessoas que com a globalização se viram incluídas no processo produtivo mundial. O outro momento foi o desmantelamento do Apartheid na África do Sul em que se notabilizou Nelson Mandela como figura-chave para que o processo fosse pacífico. Mostrando sabedoria, humildade e compreensão dos receios dos outros, Mandela soube guiar a África do Sul em direcção à democracia em que a maioria governa mas com respeito pelos direitos dos indivíduos e das minorias.
O caracter não violento do movimento cívico liderado por Martin Luther King é reconhecido hoje com uma das razões do seu sucesso. Sucesso corroborado antes pelo Mahatma Gandhi na Índia e posteriormente por Nelson Mandela. Aliás um estudo de Maria Stephan e Erica Chenoweth publicado na revista International Security, em 2008, demonstra que os movimentos que não usam meios violentos são bem sucedidos em 53% dos casos, mais do que os 26% quando se usa violência. Para Luther King não responder com violência aos ataques tem um efeito “redentor”, incentiva o auto controle e evita tentações do género que em África justificaram como muitos “libertadores” se tornaram posteriormente em opressores. A tentação de se acreditar que por ser a luta justa e a causa nobre quem nela se engaja está sempre certo, pode pôr-se acima dos outros, considerar-se incorruptível e ter o direito de usar todos os meios, mesmo os mais cruéis, para atingir objectivos preconizados.
Nas vésperas de mais um aniversário do 31 de Agosto de 1981, em Santo Antão, é de relembrar as consequências trágicas para cidadãos comuns e indefesos quando autoproclamados libertadores cedem a tais tentações.
Cabo Verde conheceu o seu grande momento de inclusão com a conquista do direito ao voto a 13 de Janeiro de 1991 e a consagração dos direitos fundamentais, da democracia e do primado da lei na Constituição de 1992. Para “uma união mais perfeita” há que pôr fim a clientelas partidárias e fazer progressos significativos, designadamente no que respeita à igualdade de oportunidades, à diminuição da dependência do Estado e à promoção da iniciativa e do mérito.