O Parlamento caboverdiano funciona mal. Quem já assistiu na televisão o funcionamento de outros parlamentos, designadamente o parlamento português nota como os trabalhos normalmente decorrem. O Primeiro-ministro e outros membros do governo respondem às perguntas dos deputados de todas as bancadas e dão réplica nos debates. Há momentos de mais paixão e outros de algum azedume. Mas incidentes mais graves são raros.
Na Assembleia Nacional constata-se que situações difíceis surgem sempre que, aos olhos das forças da oposição, o Governo procura furtar-se a responder ao questionamento dos deputados. O tempo para intervenção da bancada da maioria e do Governo somam quase o dobro do tempo deixado para as outras forças políticas. A Oposição queixa-se de que, por causa disso, é alvo de manobras, acções dilatórias e mesmo provocações que acabam sempre por diminuir o seu tempo, desviar o debate e deixar matéria por esclarecer.
A percepção de que tais tácticas estão a ser postas em práticas, não raras vezes leva à exaltação dos ânimos e mesmo a situações desagradáveis. A imagem que os caboverdianos têm do parlamento é profundamente afectada por esses incidentes. Espera-se que não seja de interesse de nenhum dos sujeitos parlamentares que a casa da democracia seja mal vista pelo público. Mas às vezes parece que é precisamente isso que é procurado. Quando o Governo vai ao parlamento e esquiva-se a responder perante o plenário e a nação as questões colocadas pelos deputados, algo não está bem e se não for corrigido é a própria instituição que é posta em causa.
A suspensão da sessão da Assembleia Nacional na sequência de insultos trocados entre deputados e o Primeiro-ministro foi mais um destes episódios tristes. A oposição insistia com o Governo para prestar esclarecimentos ao parlamento e o discurso dos governantes derivava para os anos noventa da governação do MpD e eram dirigidos ataques ao líder do MpD, o deputado Carlos Veiga. A expectativa da oposição era que, na sequência da comunicação do Sr. Primeiro-ministro ao país, no dia 14, alterações à proposta de Orçamento do Estado espelhassem as novas medidas do governo. Como tal não aconteceu, normal era que os deputados procurassem esclarecimentos sobre o porquê se mantinha a proposta inicial.
Juízos diversos podem ser feitos à volta do que se passou, mas uma coisa é certa: o governo deve prestar contas e não pode deixar a impressão que procura subtrair-se à fiscalização dos deputados e do parlamento. A solução para um melhor parlamento passa por ter todos os sujeitos parlamentares e, em particular, o governo a seguirem à risca o regimento.
Já é tempo de a Assembleia Nacional deixar de ser um parlamento de arena, funcionando essencialmente em reuniões plenárias. As comissões especializadas precisam assumir o grosso do trabalho do parlamento. Só assim poder-se-á entrar num processo evolutivo do parlamento com melhoria da imagem e cumprindo integralmente o seu papel no sistema político caboverdiano.
Editorial do jornal Expresso das Ilhas de 23 d Novembro