terça-feira, novembro 14, 2006

Será que Cabo Verde é uma república de bananas?

A televisão acabou de passar imagens da inauguração de uma nova unidade da Ceris. A placa comemorativa trazia a inscrição que o acto seria presidido pelo Comandante de Brigada Pedro Verona Pires. O Sr. Presidente da República lá fez o descerrar da placa. A questão que imediatamente se põe a todos os caboverdianos é esta : será que temos um militar ou um ex-militar, ostentando patentes militares, a presidir a nossa república democrática? Normalmente, só em repúblicas de bananas, em regimes autoritários sul-americanos, em regimes megalómanos em Africa e em regimes comunistas anacrónicos como Cuba que se vê essa exibição indecorosa de galardões militares na Chefia do Estado. Portugal deu um passo decisivo na sua democracia quando, em 1982, fez a revisão constitucional que acabou com a tutela dos militares no Conselho da Revolução e com a situação anómala do Presidente da República também ser o Chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas. O Presidente da República general Ramalho Eanes, passou a ser Presidente Ramalho Eanes. A democracia portuguesa tinha entrado na idade adulta. De facto ninguém fala de Presidente da França general De Gaulle, nem do Presidente dos Estados Unidos general Eisenhower ou do Presidente da Nigéria, general Obasanjo. A subordinação dos militares à autoridade civil é uma questão chave das democracias, tanto pela necessidade de manter o prestígio das Forças Armadas e a confiança na sua missão de defensores, em última instância, da ordem constitucional como, também, de garantir que o monopólio de violência que detém em nome do Estado não se transforme em factor de instabilidade e de caos social. Por isso é que todas as constituições democráticas, incluindo a caboverdiana, proíbem os militares no activo de concorrerem a cargos políticos. Se estão na reserva ou na reforma não faz sentido o uso de patentes militares. Na democracia não há maior honra para um cidadão do que ser Presidente da República. O Sr. Pedro Pires não precisa de outros títulos ou de patentes duvidosos. Em respeito pela Constituição que jurou cumprir e fazer cumprir, não deve permitir que, ao Presidente da República de Cabo Verde, se coloque epítetos manifestamente inconstitucionais.

Políticos, Oposição e o interesse geral

 O acórdão do Tribunal Constitucional de 9/11 declarando a nulidade de decretos-leis do Governo pôs fim a uma verdadeira extorsão fiscal. O Estado tem arrecadado receitas, calcula-se em mais de 427 mil contos por ano, através de impostos ilegitimamente lançados. Este é o custo directo, porque, indirectamente, as pessoas viram-se subtraídas de valores muito superiores, devido ao impacto dos preços de combustíveis, comunicações, água e electricidade sobre os preços de outros produtos. O acórdão resulta de um pedido de fiscalização sucessiva abstracta da constitucionalidade  de Setembro de 2005. O desenlace actual, que acabou com uma situação de injustiça e de prejuízo para todos, foi possível porque a Oposição exerceu o seu papel que é, essencialmente, de limitar o Poder do governo. O Poder na democracia deve ser sempre um Poder limitado. Assim, só é legitimo se se subordinar à Constituição. Os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos devem ser barreiras incontornáveis. A separação de poderes (executivo, legislativo e judicial) impede a emergência de um poder unitário, próprio de regimes totalitários. Neste particular, a Oposição nas democracias parlamentares é o garante da separação de poderes entre o legislativo e o executivo. Uma Oposição activa desencoraja tentações tirânicas da maioria. A compreensão desta dinâmica é fundamental para o desenvolvimento de uma cultura democrática. Tiradas contra os políticos em geral, mas particularmente contra deputados, reflectem muitas vezes a dificuldade em ver a importância do pluralismo na construção do interesse geral. O exercício do contraditório parece ser um desperdício de tempo e de recursos. Provavelmente terá o seu nível de ineficiência. Mas não é nada comparável com a ineficiência de um sistema de poder absoluto ou tirânico. Imaginem quanto custaria a todos se não houvesse um poder judicial independente e uma Constituição democrática para declarar nulos esses três decretos-leis do Governo.

segunda-feira, novembro 13, 2006

Os vencimentos da classe política

É certo e sabido que falar de salários de políticos traz à superfície o que de pior, em termos de falta de razoabilidade, de hipocrisia e de inveja mal disfarçada, existe na sociedade. A posição social dos mais ofendidos nota-se logo pelo argumento preferido para desmerecer qualquer actualização de rendimentos para os titulares de órgãos de soberania. Escudam-se na pobreza existente e atacam acenando com os  problemas dos coitados. Não é possível esconder, porém, a inveja subjacente a esses ataques. A inveja que envenena as relações sociais, que não deixa o mérito ser reconhecido e que bloqueia o espírito de cooperação indispensável para o contínuo enriquecimento material, moral e cultural de uma sociedade. Em Cabo Verde já se convencionou que a vida é um jogo de soma zero. Há um bolo a repartir e se alguém está a servir-se isso significa que diminuiu a parte dos outros. É consequência de uma existência à base de ajuda externa e reforçada no dia-a-dia pela relação perversa entre doadores e recipientes que caracteriza as relações de Poder no País. Normalmente, disfarça-se a inveja mas, quando se trata de políticos, salta logo a matar. O espectáculo de ontem no programa “Noite Ilustrada”é elucidativo a esse respeito. Titulares de órgãos de soberania, políticos e juízes, e titulares de outros órgãos de poder político, presidentes de câmara e vereadores não viram durante nove anos (desde 1997) os seus rendimentos serem actualizados. Porquê? Porque os partidos políticos não chegam a acordo quanto ao mecanismo de actualização dos vencimentos. É forte a tentação de explorar essa questão de forma demagógica e populista. Resultado: a Democracia perde de várias formas, designadamente: 1- No nível de transparência da actividade do Estado. Ninguém acredita que os senhores ministros e presidentes conseguem sustentar-se nos rigores e exigências dos cargos, ano após ano, sem actualização de rendimentos. A falta de actualização é suprida por outras vias: subsídios, ajudas de custo, despesas de representação etc. 2- No enfraquecimento da oposição. Quem está em oposição sofre mais porque não tem os outros expedientes para minorar a persistente perda de poder de compra. Isso torna os membros da oposição vulneráveis a tácticas mais agressivas de quem está no poder com consequentes perdas para a democracia. 3- Na perda de coerência da política de salários na Administração Pública. Altos funcionários têm vencimento superior aos titulares de órgãos de soberania a quem estão subordinados. É o que já está a acontecer, devido ás actualizações anuais no funcionalismo e ao congelamento dos vencimentos de políticos e de magistrados judiciais.

domingo, novembro 12, 2006

NOSI atrás da Microsoft enquanto todos fogem

O apego do NOSI à Microsoft faz confusão. A Microsoft é uma empresa bilionária que vive essencialmente dos direitos resultantes de utilização de Windows, o sistema de operativo de mais ou menos 90% dos computadores no mundo. A Microsoft quando vem a Cabo verde é primeiramente para regularizar a situação do uso do seu software. Assegurar o pagamento de direitos por cada cópia de Windows e do Office em cada computador em Cabo Verde, particularmente nos do Estado. Neste particular, seria interessante saber quanto é que o Estado passou a pagar essa empresa pelos direitos proprietários de uso do software. Calcula-se que seja à volta de 20% o custo dos direitos em cada computador. Isso naturalmente encarece qualquer política de levar um computador a cada família. Por isso é que muitos países, entre os quais Brasil, fogem da Microsoft e promovem vigorosamente softwares livres de direitos. Linux, um sistema operativo mais estável e mais versátil que o Windows, é um exemplo desses softwares livres. No dia de visita a NOSI o Primeiro-Ministro disse que se vai criar todas as condições para que os cidadãos possam ter acesso ao computador, à informação, para que não haja info-exclusão”. Boas intenções. O problema é que o Governo parece não saber como. Por um lado deixa que o NOSI se constitua em obstáculo ao desenvolvimento de um sector privado no domínio das tecnologias de informação e comunicação. Por outro, permite que o NOSI, por si próprio, prossiga caminhos como a construção da plataforma tecnológica da rede do Estado em colaboração com a Microsoft, pondo de parte alternativas tecnologicamente mais sólidas, mais baratas e potencialmente mais enriquecedoras para o País.

NOSI, o darling do Governo?

O NOSI tem sido notícia nos últimos tempos. Em Outubro, durante a visita do Primeiro Ministro o seu presidente lançou o grito de Ipiranga contra o serviço da Cabo Verde Telecom. Declara que já está a ensaiar ligações de Internet via satélite e que o objectivo é banalizar cada vez mais a comunicação e facultá-la a preços baixos e com maior largura de banda. Naturalmente que essa declaração suscita várias questões: Será que o NOSI agora pretende estabelecer-se como provedor dos serviços de Internet? Será que empresas e indivíduos também têm a opção de procurar serviços de provedores estrangeiros via satélite como forma de contornar a Cabo Verde Telecom? Será que essa é a via encontrada pelo Governo – via revolucionária ou de combate – para finalmente pôr de pé as condições para um mercado de telecomunicações mais aberto, mais concorrencial? Até agora ninguém se prestou a responder a essas questões. A confusão persiste porque não se sabe se o NOSI fala e age de motto próprio ou em nome do Governo nessas matérias. Sabe-se é que o NOSI está em tudo e faz tudo. Desde da página de Internet de uma escola secundária no ilha do Sal até assinar protocolos com a Microsoft, passando pela criação, desenvolvimento e gestão de todas as redes de organismos públicos, sejam eles da administração directa, indirecta ou autónoma do Estado, incluindo as autarquias. Muito pouco sobra para os privados. E é uma pena porque muitos países já demonstraram que há um futuro prometedor para um sector privado forte, criativo e inovador no domínio de prestação de serviços da TIC para o exterior, os chamados BPO (business processing operations). Índia, mas também, Gana, nos seus contextos respectivos, são exemplos paradigmáticos da importância que os BPO podem ter na economia e na criação de empregos, principalmente para os mais jovens.

Onde está o moderador do sistema? Onde está o PR?

  Ausente nos dois episódios, em que o Governo fere a Constituição, com consequências gravosas nos rendimentos das famílias e das empresas, tem estado o Sr. Presidente da República. O PR não governa mas tem um papel moderador do sistema político porque antes de mais é o guardião da Constituição. A promulgação de actos legislativos, sejam os decretos- leis do Governo ou as leis da Assembleia Nacional, constitui o momento para o Presidente da República verificar a conformidade constitucional de todo o processo legiferante. Para isso a Constituição dá-lhe vários poderes designadamente de veto, de devolução de diplomas para reapreciação, de enviar mensagens ao parlamento e de pedir ao Tribunal Constitucional a fiscalização preventiva da constitucionalidade de qualquer norma. O PR não é um corta-fitas nem um aplicador de assinaturas. Tem poderes reais. Tem que os exercer para o sistema funcione com equilíbrio, para que exista confiança nas instituições democráticas e para que o Estado seja visto por todos, nacionais e estrangeiros, como pessoa de bem.

Os fins não justificam os meios

O primeiro juiz-presidente do Supremo Tribunal dos Estados Unidos, John Marshall, o pai do judicial review escreveu num acórdão a propósito dos limites do poder de legislar: “Presumindo que os fins pretendidos são legítimos e situam-se dentro do escopo da Constituição, os meios para os atingir são constitucionais se forem os apropriados, os plenamente adaptados aos fins e os que não forem proibidos mas estão em conformidade com a letra e o espírito da Constituição”. Na expressão de John Marshall os fins não podem ser uns quaisquer e fora da Constituição e os meios utilizados devem estar alinhados com os fins numa dialéctica que garante que todo o processo para a consecução dos objectivos definidos é constitucional. Isto vem a propósito de um dos argumentos avançados no acórdão para justificar a limitação dos efeitos da declaração de nulidade dos referidos decretos-leis do Governo. O acórdão refere-se à impraticabilidade da devolução do dinheiro que as famílias e os consumidores entregaram a mais desde de 2003. Fica-se, porém, com a impressão de que vê o efeito da perda das famílias atenuado pelos fins dados às receitas quando diz que “as receitas percebidas ao abrigo dessas normas foram cobradas e certamente empregues em algumas áreas de relevância social”. Isso parece duvidoso. Ninguém pode estar certamente seguro de que as receitas indevidas foram devolvidas à comunidade em serviços e não engolidos nos buracos negros de ineficiência da máquina estatal. 

sábado, novembro 11, 2006

Três pecados contra a Constituição

Ontem o Supremo Tribunal de Justiça enquanto Tribunal Constitucional declarou inconstitucional os decretos leis nº 63/2003, 3/2005 e 63/2003. Considerou de efeito nulo as normas que alteraram a base de incidência do IVA sobre os combustíveis. De facto, a seu bel prazer o Governo vinha alterando, no caso do gasóleo, a base de aplicação dos 15% do IVA de 70% para 100% e, em Outubro de 2005, para 120% do valor das vendas. No caso da gasolina, a variação da base de aplicação do IVA foi de 100% para 320% e finalmente para 420%. Imagine-se o que pessoas e empresas pagaram a mais nestes anos, desde de 2003. É a segunda vez que o Tribunal Constitucional força o Governo a parar o que se pode qualificar de autêntica extorsão em matéria de impostos. A primeira vez foi em 2002 com o acórdão que fixou a jurisprudência constitucional quanto à interpretação da alínea q do artigo 175 da Constituição da República. Neste segundo acórdão o Tribunal Constitucional reafirma a maioria qualificada que pode aprovar alterações de impostos, designadamente a sua base de incidência, e ainda revela as duas outras infracções à Constituição contidas nos decretos leis do Governo: a proibição da retroactividade da lei fiscal e o carácter anual dos impostos. A gravidade disto não pode ser subestimada. O governo não pode continuar a dar aos cidadãos e aos operadores económicos a ideia que é pouco escrupuloso na procura de vias para ter mais receitas. O elemento de confiança entre o Estado, cidadãos e empresas é vital para que o sistema fiscal funcione adequadamente. Sem essa confiança, há o perigo do ambiente no País se degenerar a ponto dos cidadãos se socorrerem do n.3 do artigo 93º da Constituição que diz que "ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não tenham sido criados nos termos da Constituição", para não cumprirem os seus deveres fiscais. O nível de governança num país baixa quando governos fogem às normas, aos processos e aos procedimentos próprios do Estado de Direito e insistem na crença de que os fins justificam os meios.

quinta-feira, novembro 09, 2006

Com que direito fotos de Amílcar Cabral nas repartições do Estado?

Anteontem no Último Jornal da televisão nacional apresentaram imagens de uma entrevista do Sr. Presidente do Instituto das Comunidades. Na parede via-se um grande poster do Amílcar Cabral, no sítio onde, em gabinetes do Estado, normalmente se encontra a fotografia do Presidente da República. Logo de seguida a televisão passou a conferência de imprensa do deputado e vice-presidente do PAICV, Rui Semedo. Também ele estava enquadrado por uma representação artística do Amílcar Cabral. É evidente que o PAICV tem todo o direito de mostrar-se embebido no Amílcar. É uma declaração política, aliás reiterada no Congresso de Outubro onde reivindicou como seu o legado de Amílcar Cabral, ou seja, a sua herança político-ideológica. Com o Instituto das Comunidades o problema é outro. O IC é um instituto público e faz parte integrante da Administração Pública. Os únicos símbolos permitidos nos serviços da administração pública são os representativos da República. E os símbolos da República são os determinados pelo artigo 8º da Constituição: a Bandeira, o Hino e as Armas. O Presidente da República de acordo com o nº 2 do artigo 124º da Constituição representa interna e externamente a República de Cabo Verde. Tem portanto toda a razão de ser as fotografias do PR em tudo o que é Estado. A ética republicana exige que se criem as condições para que a Administração Pública cumpra com o comando constitucional que lhe manda prosseguir o interesse público com imparcialidade. Também a Lei e a Ética exigem respeito para com os funcionários públicos que, por imposição constitucional, devem servir com isenção e imparcialidade todos os utentes, sem qualquer sinal de discriminação partidária. Para todo o País ficou claro no congresso de Outubro que o  PAICV, o partido no Governo, quer manter partidarizada a figura de Amílcar Cabral. Muito bem. A coerência, a ética e o respeito pela Constituição impõem que o Governo, enquanto órgão superior da Administração Pública, mande retirar as fotografias de Amílcar Cabral de todas as repartições e gabinetes de organismos do Estado, tanto no País como nas Missões no estrangeiro.  

quarta-feira, novembro 08, 2006

Justifica-se o embargo dos produtos de S.Antão?

Sem chuvas suficientes os problemas de S. Antão e das suas gentes agudizam-se. Os presidentes das câmaras, Amadeu Cruz e Orlando Delgado, hoje no noticiário da uma hora, apelam à criação de postos de trabalho público. Emprego público é sempre um paliativo temporário. Importa, porém, encontrar soluções com efeitos duradoiros e sustentáveis. Um óbvio caminho para isso é pôr fim ao embargo de produtos de S.Antão nos mercados do Sal e da Boavista cujo potencial de dinâmica e expansão está à vista de todos. De facto pergunta-se porque que não há produtos agrícolas de S.Antão no Sal e na Boavista. Aliás nem produtos de S.Vicente são permitidos, designadamente flores, um produto de grande valor acrescentado. Dizem que é por causa dos mil pés. Ora, mais de duas décadas depois, parece que, ainda, a única resposta à praga é procurar confina-la a S.Antão e S.Vicente, sem analisar os custos e benefícios dessa medida. Há algumas questões que devem ser colocadas, designadamente: Qual é de facto o impacto dos mil pés no potencial agrícola de S.Antão e como isso evoluiu ao longo dos anos ? Alguma vez se fez um estudo para determinar qual o impacto que teria nas outras ilhas, considerando as suas preferências por ambientes muito húmidos? Será que Sal e Boavista seriam um natural habitat para os mil pés? Essas duas ilhas têm uma economia agrícola que entraria em colapso se fossem para aí transportados? Estas e outras questões precisam de respostas urgentes. Porque não basta investir ou disponibilizar meios para a produção. É preciso identificar e desenvolver mercados. É preciso eliminar os custos desnecessários de acesso aos mercados em todo o território nacional. É preciso abrir vias para o acesso de produtos e serviços nacionais ao mercado flutuante criado pelo crescente fluxo turístico. Sem isso, ficaremos com a situação de enterrar milhões nas ilhas e, ao mesmo tempo, continuar a ver as populações a viver as mesmas situações dramáticas de há décadas atrás. Os presidentes das câmaras de S Antão e S.Vicente deviam tomar a iniciativa de desencadear um processo de revisão das razões do embargo.

terça-feira, novembro 07, 2006

Regulação precisa-se III

 A regulação só funciona se as entidades que cuidam da sua aplicação demonstram isenção e imparcialidade na sua actuação. A Constituição da República prevê a existência de entidades administrativas independentes precisamente para garantir que a regulação fique independente dos desejos e necessidades políticas conjunturais do governo. A actividade de regulação deve portanto concentrar-se em soluções que tenham em devida linha de conta os interesses dos consumidores, os interesses das empresas reguladas, a manutenção de ambiente de concorrência no país e o incentivo à inovação no sector regulado. O Ministério Público, enquanto órgão constitucional de defesa da legalidade, tem a autonomia necessária para velar que a lei seja válida para todos. O caso Pulú e da sua televisão é algo que chama atenção por várias razões. Uma delas é a acção judicial, que lhe foi movido pelo Ministério Público, na sequência de uma denúncia da Direcção Geral de Comunicação Social, por transmissão não autorizada de televisão em sinal aberto. Era um facto conhecido de todos em S.Vicente, mas também em todo o Cabo Verde. Assim como são conhecidas as transmissões, em sinal aberto,  por emissores instalados e sustentados pelas câmaras municipais e pela TV Record, propriedade da Igreja Universal do Reino de Deus. São tão conhecidas essas transmissões que a inauguração dos emissores passaram a ser material de campanha política poderosa, utilizada por todos, a começar pelo próprio primeiro-ministro. O que parece estranho é que o Ministério Público perante uma denúncia de ilegalidade não haja de forma compreensiva e abrangente pondo cobro a todas as ilegalidades flagrantes, a começar pelas câmaras e igrejas que financiam emissões de televisão. Isso sem referir a conteúdos das transmissões que põem em causa acordos internacionais, assinados por Cabo Verde, quanto à protecção de conteúdos e ao respeito pela propriedade intelectual. Destrói-se qualquer possibilidade de se criar um ambiente favorável à regulação se se deixar passar a ideia de que o Governo ou uma direcção da administração do estado, por denúncia dirigida, pode transformar alguém, indivíduo ou empresa, em alvo de retaliação política ou outra.

Regulação precisa-se II

 Cabo Verde hoje não tem um cinema a funcionar. Deve ser um caso único no mundo em que as pessoas não conseguem viver a experiência completa do cinema no que tem de arte, de lúdico e de entretenimento. Estão limitadas ao pequeno ecran e constrangidas pela formatação do filme aos requisitos da televisão. Para além das razões históricas próprias da natureza do regime de partido único que levaram o então Instituto do Cinema a sufocar os proprietários das salas de cinema de Cabo Verde, a morte delas, depois de uma breve ressurreição, deve-se, em grande medida, á completa anarquia existente no mercado do entretenimento. A pirataria reina. A pirataria afecta o mercado da música, afecta o mercado do vídeo e afecta o mercado do software. Tudo isso com efeitos extraordinariamente nefastos na economia do país. Mas quem concorre para isso? O principal culpado é o Estado que não cumpre com o seu papel de regulador. As salas de cinema fecharam porque não conseguem concorrer com as cópias piratas postas a circular logo após o lançamento dos filmes nos principais mercados da América, da Europa e da Ásia. A televisão estatal caboverdiana também para isso concorre com a passagem ilegal de filmes, muitas vezes, duplamente ilegal: ilegal porque não pagou os direitos e ilegal porque usa cópia pirata sem ainda a sua edição em DVD. A passagem recente do filme Código da Vinci é um exemplo flagrante deste despropósito.

Regulação precisa-se I

Em Cabo Verde as pessoas queixam-se de monopólios de jure e de facto, queixam-se da liberalização, queixam-se da concorrência estrangeira, queixam-se do investimento estrangeiro. Querem, porém, um país moderno com produtos e serviços que podem ser encontrados em qualquer parte do mundo e preços também compatíveis com os praticados lá fora. O problema é reconciliar tudo isto num país que tem um mercado pequeno, descontínuo e sujeito, em consequência, a imperfeições do mercado e a situações de completa falha do mercado. Esta realidade é agravada pelos preconceitos marxizantes prevalecentes particularmente na classe média e intelectualizada, pela cultura de expedientismo, do move, generalizada na sociedade caboverdiana, e pela postura do Estado. De facto, o Estado, por um lado, esforça-se por se colocar no topo da cadeia alimentar criado pelas ajudas externas, dispensando recursos, favores e privilégios e, por outro, comporta-se como um parasita da economia, retirando o máximo possível de indivíduos e empresas. Ultimamente parece ter mergulhado de cabeça na especulação de terrenos. A necessidade de regulação e de uma intervenção compreensiva e estratégica do Estado para impedir monopólios, para suprir imperfeições de mercado e em caso de falha de mercado dar a resposta certa e atempada é por demais evidente. Sem isso não há empreendorismo, iniciativas criativas e inovadoras morrem à nascença e o país nunca poderá ser competitivo. 

segunda-feira, novembro 06, 2006

Sem rumo energético

 O desnorte do Governo no domínio da energia eléctrica continua. Depois de ter deixado a EDP escapulir-se de Cabo Verde levando no bolso a promessa que tinha feito em 2000 de conseguir financiamento no valor de 250 milhões de dólares para, em quinze anos, realizar investimentos na produção e distribuição de energia e água em Cabo Verde, o Governo foi bater à porta do Banco Africano de Desenvolvimento (BAD). Entretanto, o Ministro João Pereira Silva, citado pelo jornal electrónico Liberal de 27 de Outubro último, já vai confessando que, em relação á “..aquisição de geradores necessários para completar a central do Palmarejo, … há dificuldades do BAD. Mas desculpa-se logo, dizendo: “já cumprimos tudo o que nos competia no processo”. Dias atrás no Parlamento, em resposta a perguntas de deputados ficou-se a saber que a ideia da central única para Santiago tinha sido abandonada. Em Outubro do ano passado a notícia de um financiamento de 14,4 milhões de euros fazia manchete nos jornais. Segundo asemana online de 17/10/05, citando fontes do Governo, a central única significaria um reforço de 15 MW de produção de electricidade à actual central do Palmarejo e que o concurso público para a sua construção seria lançado antes do final do ano (2005). Passaram as eleições e a ideia é descartada. Ninguém conhece as razões. A continuar com este desnorte os caboverdianos terão que se preparar para viver com os pesadelos que atormentaram os praienses alguns meses atrás.

Que sustentação para a televisão privada?

A Direcção Geral de Comunicação Social decidiu alargar para 24 de Novembro o prazo de apresentação de candidaturas para Televisão em sinal aberto. A imprensa escrita e os jornais electrónicos falam já de três concorrentes certos e da possibilidade de mais dois. O curioso nisto tudo é que aparentemente não há limite para o número de licenças a conceder. O problema que se põe é como sustentar essas estações de televisão se não podem ser subsidiadas directamente por partidos políticos, igrejas e entidades públicas como câmaras municipais, ou financiadas, clandestinamente, por grupos de interesses obscuros. O financiamento deve vir essencialmente da publicidade. Perante isso, pergunta-se o mercado caboverdiano de publicidade será capaz de alimentar várias estações de televisão? O mercado português, em comparação, parece comportar só mais dois canais em sinal aberto, a SIC e a TVI, para além da estação pública. Que estudos do mercado orientaram o Governo na definição dos critérios de atribuição das licenças? Pergunta-se, ainda, será que a RTC enquanto televisão pública, recebendo taxa e gozando de transferências do Estado, continuará a competir com as rádios e televisões privadas no acesso à publicidade?  

terça-feira, outubro 31, 2006

Intervenção: Política de Comunicações A N - 31/10/06

 Mais de um ano depois da apresentação da nova Lei de Comunicações ao Parlamento o Governo continua a mostrar desnorte na matéria vital das telecomunicações no que respeita, designadamente, à diversidade e à qualidade dos serviços prestados, aos custos envolvidos e às potenciais implicações do sector na economia nacional. E isso não obstante as frases atiradas ao ar como Praia digital, a proclamações visionárias de Cyber islands e obsessões como a NOSI.

Seis anos do Governo do Paicv nada mudou no mercado das telecomunicações em Cabo Verde. A Telecom  continua  a ser o único operador no fixo, o único operador no móvel, o único provedor de serviços de Internet, o único provedor de serviços de banda larga e ultimamente entrou no mercado da televisão com fornecimento de conteúdos através da tecnologia do IPTV.  Os custos continuam a ser elevados, a qualidade discutível e a economia continua sem a dinâmica que negócios baseados no aproveitamento das tecnologias de informação e comunicação poderiam gerar.

Entretanto o Governo e o Paicv continuam alimentando o país com tiradas contra monopólios, tiradas contra interesses estrangeiros particularmente portugueses em sectores estratégicos do país ao mesmo tempo que vai perpetuando a situação de ausência de regulação ou então de uma regulação efectiva e com credibilidade reconhecida por todos os stakeholders, ou seja pelas empresas reguladas, pelos consumidores e por operadores económicos que dependem do fornecimento da factores a preços e qualidade garantidos para investirem e dinamizarem as suas actividades.  

Na Electra viu-se o resultado. O Governo, em vez de desenvolver políticas do Estado, políticas públicas, em matéria vitais como energia e água, optou anos a fio pela politiquice, por retirar dividendos políticos de preconceitos remanescentes de políticas marxizantes  que ainda se alimentam da hostilidade à economia privada e a presença do capital estrangeiro, particularmente capital português pela sua coloração colonial. Resultado: O parceiro estratégico ficou livre da promessa de investir 250 milhões de dólares em quinze anos e o País ficou sem garantia de investimento no valor de 180 milhões dólares para evitar que entre em rotura nos domínios de égua e energia. O que se passou na Praia nos meses de Junho, Julho e Agosto pode constituir simplesmente um “cheirinho” do que o país poderá vir passar a médio prazo.

O sector de Telecomunicações foi, nas vésperas das eleições, também palco para manipulações nacionalistas, com direito a manchetes em jornais nacionais do género o Governo acaba com monopólio da Telecom, Governo dá um murro na mesa, Mais um operador de móvel etc. Passaram as eleições e tudo ficou na mesma. Negociações estão ter lugar, agora, entre a nova agência reguladora de comunicações e a Telecom. As propostas da telecom são essencialmete as mesmas de 2000,ou seja rebalanceamento das tarifas com diminuição das tarifas internacionais e a subida vertiginosa  das tarifas locais e interurbanas. Ou seja, a Telecom insiste em manter um modelo de negócios baseado em no telefone fixo quando todas as telecoms do mundo estão reorientar-se porque sabem que não se pode bloquear a convergência hoje evidente de migração e convergência de todos os serviços para rede da Internet. Incluindo voz, o VOIP, hoje popularizado pela Skype.

A CVtelecom propõe diminuir o custo das tarifas internacionais para poder concorrer com as boutiques de chamadas, entidades que ilegalmente andam por aí a comercializar chamadas telefónicas internacionais. A Telecom pode fazer isso, sem perdas significativas porque também, alegadamente, usa a estrutura da Internet para colocar mais de 60% das suas chamadas internacionais enquanto cobra tarifas fixadas para circuitos dedicados. De qualquer forma procura compensar-se de pretensas perdas de receitas nas chamadas internacionais com aumentos nas chamadas locais e interurbanas e alteração substancial (mais de 100%) da taxa mensal de assinatura do telefone fixo.

Qual é a reação do  Governo? Aparentemente nenhuma. Há um mês atrás o país viu o primeiro ministro a banhar-se na luz de mais uma inauguração. A Zap, a televisão por assinatura com suporte na linha telefónica, a IPTV, Televisão sobre o Internet protocolo. Um investimento, segundo conta, de 3,2 milhões de euros.

Um investimento que traz a promessa do triple play, da convergência de voz, de dados e de vídeo com base na estrutura da rede da Internet. A promessa da generalização da disponibilidade de banda larga a velocidades de 8 mega por secundo, portanto um banda larga capaz de um impacto fortíssimo na economia do país mas também na educação, na formação profissional, no empreendorismo e na inovação.

A presença do Primeiro-ministro não serviu para elucidar o país das implicações do investimento. Assim não houve qualquer reacção do Governo quando a Telecom anunciou que afinal a zap é só televisão, não há triple play. A voz deve ser contratada à parte e a Internet deve continuar na mesma lentidão de sempre. O Estado tem uma forte presença nesta empresa nacional. O Governo devia interrogar-se porque fazer um investimento de mais de trezentos mil contos e não potencia-lo, ficando pela exploração da parte mais difícil de retorno considerando os constrangimentos da oferta designadamente do pacote de canais oferecido. Realmente é como se uma empresa de água fizesse uma grande investimento para levar agua canalizada a toda a gente com grande impacto na qualidade de vida de pessoas e na saúde individual e pública e, feito o investimento, se negasse a fazer as ligações domiciliárias por receio das pessoas venderem água por lata nos seus quintais, obrigando todos a continuar a ter água a partir do chafariz.

O Governo não tem uma reacção compreensiva  a isto porque de facto não tem políticas para um sector que, em todo o lado, é chave para economia e para a modernização dos países. Como aliás em vários outros sectores importantes. Fala-se muito de liberalização e de pôr fim a monopólios. A motivação porém não é o interesse público mas sim alimentar as necessidades politiqueiras do governo e do partido que o sustenta. Ë por isso que os anos passam e situação continua na mesma.

Governos são mandatados para implementar políticas públicas para que o interesse geral seja atingido. Os governos não são mandatados para estar em permanentes exercícios de simulação e de propaganda e sempre dispostos a explorar sentimentos primários, preconceitos e ignorância para se perpetuarem no poder.

Cabo Verde precisa urgente de uma política para o sector das comunicações e informática. Cabo Verde precisa urgente de regulação efectiva em vários sectores para impedir a criação de monopólios para promover a sã concorrência, para favorecer a inovação e para proteger os consumidores. É tarefa do Estado adoptar o país de quadro regulatório adequado. O Governo do Paicv tem vários anos de atraso nesta matéria. Já é tempo de parar de se desculparem e de mostrar obra no que realmente é essencial para o futuro do país.

quarta-feira, setembro 13, 2006

A maldição da ajuda - Aid curse

Notícias veiculadas hoje, dia 13 de Setembro, anunciam, nas grandes paragonas de sempre, a chegada de mais uns milhões. Desta vez vindos da Holanda. A forma como notícias similares são passadas na comunicação social, e em particular na rádio e televisão, fica-se com a forte sensação que o grande objectivo desta país é conseguir ajudas. De facto, nota-se que entre a múltiplas indoutrinações que as autoridades e a a comunicação social sujeitam o público em Cabo Verde, é na adoração da ajuda que se pôe mais empenho. E não interessa que tipo de ajuda: se é dinheiro, lápis, bolas, camisolas. Mas há uma razão para isso. Com a ajuda assegura-se a continuidade do papel central do Estado na economia e nas relações de poder na sociedade. Para que assim seja, o que interessa é que, globalmente, a sociedade se veja divida em doadores, na maior parte dos casos simples intermediários dos verdadeiros doadores, e recipientes. Os falsos doadores, políticos, políticos disfarçados de representantes comunitários, políticos disfarçados de jovens, ou políticos disfarçados de membros da sociedade civil, querem gratidão dos recipientes expressa de forma oportunamente a determinar. O papel dos recipientes é sorrir para televisão , falar de sonhos realizados e agradecer as dádivas com que foram contemplados. Relações de poder e passividade social e psicológica são, por esta via, induzidas permanentemente na sociedade e reproduzidas em todas essas cerimónias de entrega que, ritualmente, assistimos na televisão. Cerimónias degradantes e inimigas da postura certa de dignidade que deve estar na base de qualquer esforço de desenvolvimento do país e de prosperidade para todos.

domingo, julho 10, 2005

Intervenção sobre alterações na Lei das Forças Armadas - AN

 O Governo traz mais uma vez a proposta de alteração na lei das forças armadas para a discussão e aprovação deste plenário. O sentido das alteração é: primeiro – redireccionar as forças armadas para acções de segurança interna; segundo transformar o contingente militar presente e futuro em unidades de polícia militar e e de fuzileiros navais.

 Como já tivemos oportunidade de salientar em vários momentos de discussão da problemática de defesa  e segurança do país, ao fazer esta proposta o Governo está a alterar de facto a missão das forças armadas que é de defender a pátria face a agressões externas. Ao reformular o treino das forças armadas para funções de polícia seja em terra com a polícia militar seja no mar com os fuzileiros navais, obviamente que prejudica o nível de preparação das forças face a reais ameaças externas.  As tácticas, os métodos, o poder de fogo e a própria moral das tropas são diferentes quando se trata de enfrentar um perigo interno e um perigo externo, ou quando se confronta um civil ou um soldado, ou ainda quando se responde à agressividade de um criminoso qualquer ou  se engaja um mercenário que já foi tropa especial algures no mundo.

 A Constituição de facto estabelece que as forças armadas podem realizar outras missões de interesse público mas, enfaticamente,  diz no n. 2 do artigo 244 que isso só pode ser feito sem prejuízo da sua missão primeira que é de, em exclusivo, assegurar a defesa militar da República contra qualquer ameaça ou agressão externas. Ora o Governo com esta lei está a desviar as forças armadas da sua missão, e a transforma-las em complemento das forças de segurança e da polícia.   Isso configura um inadmissível desvio do papel constitucional atribuído às forças armadas.

Todo o cidadão caboverdiano tem o dever de ser fiel à Pátria e de participar na sua defesa. Ë o que diz a (alínea a do artigo 84 da Constituição da República :  O artigo dos deveres para com a Nação e a comunidade). Esse dever tem a sua sequência lógica no artigo 245 que no seu número 1 diz que o serviço militar é obrigatório.

 Isso significa que as forças armadas de Cabo Verde são organizadas com base em serviço militar obrigatório. Todos os mancebos que completam 18 anos de idade são obrigados a disponibilizarem-se para servir nas forças armadas e aí serem treinados para defenderem a pátria.

 É obvio que a expectativa de serviço à Pátria desses jovens não pode ser esvaziada e torcida numa direcção por eles inesperada, não desejada e eventualmente embaraçosa quando voltarem à condição de civil. Porque srs. Deputados vejamos: Com esta proposta do governo como é que as forças armadas vão acolher os jovens quando ingressarem como recrutas:

·        Vai-se perguntar ao jovem se ele quer ser polícia militar e portanto incorrer na possibilidade de se ver em confrontos com elementos da população, ou se quer ser fuzileiro naval e enfrentar contrabandistas, narcotraficantes e criminosos envolvidos em outros tráficos

·        Será que o jovem recruta tem a opção de não aderir a nenhuma dessas forças?

·        Se aceitar, que recursos e que estrutura têm as forças armadas para responder em casos de acidente e mesmo morte em serviço de policiamento e de combate ao crime?

·        O jovem que aceita pertencer a essas forças e é treinado como especialista vê o seu tempo de serviço militar aumentar relativamente aos que não aceitam. Será isso justo. Como é que é compensado?

·        Deixando a tropa, como se faz a inserção social dos que prestaram serviço como polícias? Serão protegidos em caso de serem vítimas de vinganças?

·        As forças armadas vão treinar vários contingentes de jovens como especialistas em combate e em várias outras técnicas. Qual poderá ser o efeito na sociedade quando voltarem à condição de civil, particularmente na conjuntura actual  de elevado nível de desemprego entre jovens?  O que fazer perante essas situações?

 Estas e outras questões similares têm sido postas ao Governo para podermos ajuizar da melhor resposta a dar aos problemas de segurança que se colocam neste momento ao país. O Governo tem-se mostrado indisponível para conversar. Continua preso em soluções marcadas por interesses burocráticos, compromissos politico-ideológicos e falta de imaginação onde recursos são utilizados de forma ineficientes e há pouca eficácia e efectividade nas acções desenvolvidas. E são essas deficiências que se pretende colmatar desviando as forças armadas das sua missão e colocando os cidadãos a cumprir o dever de servir a pátria na situação de correr riscos inesperados e de passar por embaraços desnecessários, ao mesmo tempo que se impede ao jovem de sentir  brotar do seu ser o orgulho e o garbo próprio dos militares que se vêm como instrumentos de representação e de defesa da soberania. 

 Para terminar srs. Deputados direi que o Mpd continua aberto a uma discussão séria destas matérias e dar toda a sua colaboração para se encontrar as soluções que respeitando a Constituição da República que sirvam Cabo Verde.

terça-feira, maio 24, 2005

Intervenção na discussão da Lei de Defesa e Segurança - AN

 Ontem discutimos as grandes opções para o conceito estratégico de defesa e segurança nacional. Fizemos o enquadramento nacional internacional e regional da problemática da defesa e segurança. Inventariamos as ameaças existentes e as emergentes. Chegamos à conclusão de que a natureza das ameaças emergentes não se enquadra precisamente no que anteriormente se poderia classificar de ameaças externas que exigiam uma resposta no domínio da defesa e particularmente da defesa militar nem no que poderia se chamar de um problema de ordem pública e segurança para o qual naturalmente seria chamada a polícia para intervir.

Dado o caracter novo das ameaças emergentes, o Governo apresentou as opções para o conceito estratégico de defesa e segurança nacional cujo enquadramento constitucional não é claro porque a Constituição distingue precisamente a defesa nacional e a segurança interna, e a lei 62/IV/92 de 30 Novembro no seu artigo 6 estabelece que o Governo deve aprovar o conceito estratégico de defesa nacional. Não há referência na lei (que eu tenha conhecimento) de qualquer exigência para a apresentação do conceito estratégico de segurança interna.

 O Governo avançou com um novo conceito que é o de segurança nacional englobando a problemática da defesa e da segurança interna. A constituição não dá cobertura a isso pelas razões expostas de diferenciação entre ameaça externa e ameaça interna. Os meios institucionais, previstos na constituição, FA e Polícia têm diferenças quanto à sua tutela. Enquanto a polícia depende essencialmente do Governo as Forças Armadas estão sob o controle conjunto dos órgãos de soberania a começar pelo presidente da república que é comando supremo das forças armadas mas envolvendo a Assembleia Nacional que tem a competência exclusiva de legislar sobre a organização da defesa até a autonomia de que a Forças Armadas vislumbrada na nomeação do chefe de estado maior pelo Presidente da república sob a proposta do governo e ouvido o Conselho superior de defesa nacional. Isso sem falar que as forças armadas são constituídas através do serviço militar obrigatório e portanto tem efectivos renovados em consequência do cumprimento de um dever do cidadão em servir a Pátria.

 A reunião ou conjugação de forças tão díspares mostra-se difícil senão impossível. O único aspecto comum às duas forças é a posse de armas e a possibilidade de exercer a violência em nome do Estado, salvaguardando-se porém que a violência das forças armas é dirigida para o exterior e tem basicamente como limite as convenções internacionais sobre a guerra e a polícia actua no campo interno respeitando e defendendo os direitos liberdades e garantias dos cidadãos.

A revisão constitucional de 99 alargou a possibilidade de colaboração das forças com as forças de segurança armadas no combate ao crime  através da alínea b do n. 2 do artigo 244 mas no âmbito da vigilância , fiscalização e defesa do espaço aéreo e marítimo e sob a responsabilidade da polícia. O alargamento da missão das forças armadas não lhe dá de facto um papel na segurança interna que de acordo com o n.1 do artigo 240 continua a ser garantido em exclusivo pela polícia.     

 O problema que se nos pôs ontem no âmbito das discussões das grandes opções para o conceito estratégico de defesa e segurança nacional é como usar os recursos do país para enfrentar as ameaças existentes e as emergentes. O MpD na sua intervenção colocou uma série de questões designadamente:

  • Qual deve ser o papel das forças armadas? Na nova conjuntura deve-se manter ou não as forças armadas?

  • Que tipo de força se adequa mais à necessidade urgente de policiamento das nossas costas águas arquipelágicas, águas territoriais e zona económica exclusiva

  • Qual deve ser o papel da POP?  Qual o seu papel no combate ao crime? 

  • O que se deve fazer para focalizar a actividade da polícia judiciária na luta contra os crimes complexos  e aumentar a sua capacidade  analítica?

  • Será de interesse para o país a criação de uma força de segurança para militar a exemplo de vários outros países que vigie as nossas costas e e dê um apoio mais robusto à acção das ouras polícias? 

  • Qual deve ser a nossa estratégia em matéria de cooperação no domínio de Segurança? Parece-nos evidente que uma vertente central dessa cooperação terá que orientar-se para a protecção das nossas águas e da nossa zona económica exclusiva.

 O Governo optou por não engajar a oposição na procura de respostas a essas questões. Respostas que poderiam ajudar-nos a todos a ultrapassar os constrangimento colocados pela constituição derivados da nova realidade vivida no país e no mundo.

 O Governo com a lei de defesa e Segurança que apresenta hoje revela que tem as suas próprias soluções. Que não lhe preocupa se o enquadramento das suas soluções na constituição é no mínimo duvidoso. Que a oposição em várias ocasiões desde do debate sobre a segurança verificada na sequência do 11 Setembro vem vocalizando a necessidade de repensar as questões de defesa e segurança do país mostrando a sua disponibilidade para colaborar com o governo nessa matéria. Que desde de novembro do ano passado pode-se desencadear a revisão ordinária da constituição, abrindo portanto a possibilidade de fazer as adequações que se impões em sede de revisão e encontrar soluções novas para os problemas de hoje. Que uma lei como esta exige uma maioria qualificada  de dois terços e que portanto o governo deve fazer um esforço maior para conseguir uma convergência de vontades nesta matéria.

 A despreocupação do governo revela-se ainda quando parte do edifício jurídico de defesa e segurança não segue uma lógica própria em que sequencialmente deveria vir discussões preliminares entre os partidos face às novas ameaças, entendimentos quanto à adequação constitucional, à aprovação de novas leis,  estruturando os sectores de segurança nacional, e, posteriormente, à aprovação de leis criando as novas instituições e serviços. Pelo contrário, verifica-se que leis como a autorização legislativa para a criação da polícia nacional e a criação do serviço de informações da república, ou seja as leis das novas instituições e serviços, antecederam em três e dois meses respectivamente a apresentação da lei estruturante que se está a fazer hoje.

 Há alguma aqui que não funciona. Ou o governo não consegue agir com coerência básica e afinal a distinção entre a defesa e segurança interna mantêm-se com o Ministro da administração interna a fazer avançar os seus instrumentos no seu próprio timing ou como dissemos ontem o governo não está de facto de mão livres para discutir a problemática da segurança, uma matéria tão vital para o Cabo Verde, para o bem estar da sua população e o seu desenvolvimento.

 Renovamos pois o nosso desejo de colaborar com o Governo e o paicv na redefinição e reestruturação do sector. Convidamos o paicv, a juntos, e, começando pela revisão constitucional, (que aliás, a confiar nas notícias já veiculadas,  o processo vai ser, hoje, por vós desencadeado), a  desenvolvermos o trabalho de pôr de pé o sistema de segurança nacional  seguindo os procedimentos correctos.