A forma como em Cabo Verde acções, normalmente enquadradas em políticas públicas, são levadas à prática dá, muitas vezes, a impressão de seguir lógicas outras que não a eficácia, em termos de resultados, e a eficiência, na utilização dos meios. Fica-se com a sensação que tendem a incidir sobre um aspecto do problema, e nem sempre o principal. Outras vezes, parecem servir mais quem os desencadeia e sustenta e menos os seus supostos alvos. Noutras vezes, ainda, acontecem essencialmente não por serem prioritárias mas sim porque há um financiamento disponível e impõe-se ou mostre-se conveniente utilizá-lo. É o sentimento que se tem depois de quase todos os dias se assistir na comunicação social, particularmente na televisão, ao desfile de seminários, workshops, fora, formação e por aí adiante, cada um segurando o seu pedaço dos problemas do País. Imagine-se logo toda a indústria que vive desses eventos: da criação em série deles, dos estudos, da montagem, do fornecimento de coffee breaks, etc. Por outro lado, compreende-se a cobertura mediática sempre garantida à representante das Nações Unidas: a preocupação em manter contente as fontes de financiamento. Diz-se que tudo isso é consequência do alto nível de dependência. Talvez se esteja mais próximo da verdade dizendo que deriva, em boa parte, de interesses instalados no País que aprenderam a viver, e bem, do sistema de ajudas, empréstimos e doações. Deve-se, porém, perguntar onde ficam as políticas públicas nesse mar de interesses. Um mar onde cumplicidades locais se conjugam com desejos de burocracias internacionais e multilaterais em avançar projectos de estimação e em impor uniformidade de processos e procedimentos, sem muita consideração pelas realidades locais. De facto, fica-se com a impressão que políticas públicas deixaram de ser definidas e executadas por quem de Direito: as estruturas de governação democrática. Terão sido substituídas por amálgamas de acções, cada uma com os seus patrocinadores, agentes e beneficiários, resultando em ineficiências que o País, a prazo, acaba sempre por pagar. Desde dos fins de Outubro está em marcha acções de prevenção do cancro de mama nas mulheres. Sensibilização diversa, cartazes e spots na televisão têm sido as vias escolhidas. Organizações como ICIEG, Verdefam, Morabi, OMCV colocaram-se à frente dessas acções. Muito bem. O cancro de mama é a principal causa de morte das mulheres entre os 35 e o 65 anos nos países em que as doenças infecciosas já foram efectivamente debeladas, emergindo as crónicas como as mais mortíferas. Cabo Verde foge a esse padrão: não é o cancro de mama o mais frequente e mortífero, mas sim o do colo do útero. Porquê!? Aparentemente não se sabe a razão profunda. Estudos epidemiológicos ainda não foram feitos. Porém uma coisa é certa: denota um grande défice em termos de prevenção. Por isso causa estranheza que, em projectando uma campanha de prevenção de cancro de mama, não se faça em simultâneo uma campanha para prevenir o cancro com maior incidência, o do colo do útero. O público alvo é o mesmo: mulheres. Hoje sabe-se seguramente que o cancro do colo do útero é causado pelos tipos 16 e 18 do Vírus do Papiloma Humano (HPV). Sabe-se também que é transmitido por via sexual. A prevenção desse cancro aparentemente é mais simples do que o de mama cujas causas são diversas e de natureza mais complexa. Testes de citologia com relativa frequência, designadamente os chamados papanicolau, evitariam muitos casos. As vacinas colocadas no mercado desde de Junho de 2006 pela Merck já levaram muitos países a assumirem a necessidade de vacinar todas as meninas a partir dos 12 anos, antes do início da vida sexual. Isso porque constata-se que o HPV está espalhado na população e importa chegar ás meninas antes de qualquer contacto. Os homens, mesmo portadores do HPV, não têm sintomas e passam facilmente o vírus em qualquer relação sexual não protegida. Considerando estes últimos aspectos não se compreende bem que gastando tanto dinheiro no combate ao HIV/Sida, 15 milhões de dólares (2002-2008), empréstimo de Cabo Verde junto ao Banco Mundial, em acções, às vezes, de eficácia duvidosa, não se o utilize de forma mais compreensiva. Designadamente para prevenir as doenças sexualmente transmissíveis e instruir as mulheres no cumprimento de certas regras no tocante a exames periódicos. E também que não se destine uma maior fatia desse dinheiro para, concomitantemente com o combate à SIDA, se equipar instalações de saúde, em todas as ilhas, com meios de análise que permitam o diagnóstico em tempo dessa doença, traumatizante e mortífera, para a mulher caboverdiana . O Governo tem a obrigação de dirigir a execução de políticas públicas não se deixando substituir nas suas funções por iniciativas de grupos de interesses, NGOs ou outras organizações com agendas únicas ou demasiado estreitas. Isso, contudo, não significa que não deva facilitar a participação de todos, procurando ganhos de eficiência mas nunca descartando a responsabilidade, primeira e última, pelo bem público, exigível aos governantes nas democracias. Veja-se o tempo que as autoridades levaram a fazer a ligação directa da chamada pequena criminalidade, os caçubodi, com o uso crescente da cocaína barata, o crack ou base ou pedra como é conhecida em Cabo Verde. Não obstante o bem financiado programa de luta contra a droga. Está-se ainda à espera que a consciência dos perigos do crack, da forma como se difunde, vicia e causa criminalidade seja levada á sociedade. É preciso, por exemplo, ultrapassar a forma escamoteada como o problema é, muitas vezes, tratado nos órgãos de comunicação social para que os cidadãos, as famílias e as comunidades tenham a verdadeira percepção do que estão a enfrentar. Por tudo isso pouco importa que os governantes se mostrem em todas as cerimónias de aberturas e fechos dessas acções, se com a presença e os discursos de circunstância pouco elucidam ou mobilizam. O que todos esperam é que sejam executantes efectivos de políticas públicas, às quais essas acções devem organicamente integrar ou convergir.