sexta-feira, outubro 21, 2011

Varrer os problemas para debaixo do tapete

A quase inutilidade do debate sobre o estado da Justiça como, aliás, da generalidade dos debates no parlamento ficou patente, outra vez, ontem. Exige-se responsabilização do governo pela sua condução de todas as matérias de política interna e externa do país como é o seu dever constitucional e a reacção são manobras de diversão que acabam por esvaziar o debate. Os cidadãos, as empresas e a sociedade estão insatisfeitos com a falta da eficácia da justiça. O governo responde apontando “ganhos” designadamente em matéria de legislação, construções, equipamento, formação. Parece não importar se a disponibilização, organização e operacionalização dos meios conduzem aos fins desejados. Essa posição, no mínimo desconcertante, bloqueia a procura particularmente em sede do contraditório das razões para a ineficácia verificada. O debate vira-se então simplesmente para o apontar do dedo estéril que exacerba a rigidez ideológica e o fanatismo de uns e outros, criam uma incapacidade para pensar para além do curto prazo e faz dissolver o interesse nacional em vantagens partidárias. Em tal ambiente, as instituições a quem todos em uníssono deviam exigir maior e melhor prestação não se sentem pressionadas para mudar o comportamento. É evidente que na manutenção deste estado de coisas a culpa maior está com o governo. Quando confrontado com a falta, insuficiência ou desadequação dos resultados nas instituições que dirige ou superintende defende-se dizendo que são os funcionários e outros agentes do Estado os realmente visados pela oposição nas suas críticas. A cumplicidade assim criada retira qualquer espaço para o governo exercer liderança sobre elas e imprimir novas orientações. Não espanta, pois, que muita coisa não melhore significativamente em matéria de segurança, de contenção dos excessos policiais, de qualidade de ensino, de celeridade da justiça, na capacidade de resposta da administração e no tratamento de utentes de serviços públicos diversos. Fica ainda a percepção de que muitos problemas estão a ser varridos para debaixo do tapete, até que um dia reaparecem para assombrar e cobrar caro o esquecimento de anos.

quinta-feira, outubro 20, 2011

Tomar a nuvem por Juno

Cabo Verde subiu 10 pontos nos indicadores do “Doing Business” passando do 128º lugar para 119º em 183 países. A evolução em relação ao ano passado deve-se essencialmente ao indicador referente a registo de propriedade. Houve ainda mais uma subida no acesso ao crédito e quedas nos restantes indicadores. A posição de Cabo Verde continua a não ser boa. Continua atrás de 11 países africanos e quase 100 lugares atrás dum outro país arquipélago, as Maurícias. Não obstante, o sr. Primeiro Ministro mostrou-se satisfeito com o resultado e congratulou a equipa que o governo criou com o duplo objectivo “de melhorar a implementação das políticas e de trabalhar junto das instituições que medem os indicadores de desempenho”. A preocupação do Governo parece concentrar-se simplesmente em burilar a imagem: cria a ilusão de mudar mas na prática mantém-se dentro da mediocridade geral. Resultados espectaculares como os de Ruanda há dois anos atrás e que efectivamente atraíram a atenção dos investidores, ficam aparentemente fora de alcance. E na introdução de reformas não é de comparar o grau de dificuldades a encontrar nos dois países. Enfrentar com sucesso resistências histórico-culturais muitas vezes profundas exige visão, liderança e cultura de resultados. O sr. PM, no seu discurso, anunciou 100 medidas para, como diz ele, antecipar a crise. Medida que, vendo bem, deveriam ter sido tomadas não “ontem” mas sim “anteontem”. A dúvida que fica é se desta vez é para valer ou se é mais uma “habilidade” para ficar bem na imagem que se apresenta aos doadores internacionais. O facto de não assumir a crise, deixa a forte impressão de que toda a verdade ainda não esta a ser dita ao país.

quarta-feira, outubro 19, 2011

Novo paradigma de participação?

No sábado passado dia 15 de Outubro “indignados” desfilaram em 665 cidades do mundo. A causa próxima da indignação é a carga desproporcional das consequências das medidas de austeridade tomadas para combater a crise que 99% da população vai suportar enquanto o restante 1% fica cada vez mais rico. A desilusão cedeu lugar ao desespero, à medida que se tornavam evidentes os falhanços repetidos dos governos em debelar os efeitos da crise. A percepção geral é que muitos dos postos de trabalho perdidos não serão recuperados e o desemprego estrutural irá situar-se ao nível mais alto de sempre.

A Crise de 2008 conhece agora uma nova evolução. Começou por ser uma dívida financeira, passou a crise económica e depois a uma crise social. O amontoar da dívida soberana pelos estados que se seguiu e a incapacidade de a financiar fez implodir a confiança dos cidadãos na liderança dos respectivos países. As movimentações que se sucedem por toda a parte parecem estar à procura de outras formas de participação dos cidadãos e de escolha e responsabilização dos governantes. Pode-se estar à beira de uma mudança de paradigma com consequências profundas para os sistemas políticos existentes e seus pilares fundamentais, os partidos.

A relação entre governantes e governados certamente que será também afectada. Durante grande parte da década passada o mundo viveu com euforia anos de rápido crescimento em consequência da expansão do comércio internacional e do crédito fácil. Tudo parecia possível e muitos governos prometiam que não havia fim à vista. Fizeram-se reeleger com discursos cheios de meias verdades, com muita propaganda e com um estado despesista. Enquanto todos pareciam estar no mesmo “comboio de alegria” não se notava que uns beneficiavam mais do que os outros. Mas, quando chegou o dia de acertar contas, a verdade teve que ser dita. E foi dura. E as pessoas não perdoaram.

Em Cabo Verde, o fenómeno novo de cidadania sinalizou a sua presença durante as eleições presidenciais. Apontado por alguns como simples artifício de uma candidatura na procura de sobrevivência num ambiente político dominado por partidos, o facto é que se mostrou forte na 1ª volta e decisivo na 2 ª volta. Depois das eleições sente-se que não desapareceu.

A questão grave de energia e água, em relação à qual não se vislumbra solução nem rápida nem duradoira, constituiu um factor de aglutinação do descontentamento dos cidadãos. As pessoas sentem no ar que a exemplo do se passa com a Electra muita coisa não está a ser bem gerida no país. Contribui para isso a crescente insegurança, a precariedade no mundo do trabalho e a perda de valores que faz da solidariedade, do civismo e da honestidade palavras ocas.

Os efeitos da crise foram atenuados com infusão de fundos externos concessionais. A promessa do governo que com os investimentos feitos, particularmente nas infraestruturas, a produtividade e a competitividade do país aumentarão, o investimento privado substituirá o público como motor do crescimento e mais capital directo estrangeiro será atraído. Os indicadores porém não apontam para tais resultados. Cabo Verde poderá estar a se preparar para o tipo de choque sentido em outras paragens, quando descobriram que a sua realidade era feita de meias verdades, de propaganda e das dádivas do Estado. Espera-se que desta aterragem forçada se saia com mais vontade de agir com base em princípios, mas com pragmatismo e menos com objectivos político-partidários de curto prazo.

Editorial do Jornal Expresso das Ilhas de 19 de Outubro de 2011

segunda-feira, outubro 17, 2011

Estado da Justiça. O Presidente da República falou

O Presidente da República na abertura do ano judicial foi peremptório ao dizer que será um presidente sempre atento às questões de Justiça. E tem que ser. A revisão constitucional de 2010 deu-lhe amplos poderes com implicações importantes no sector judicial. São competências do Presidente da República a nomeação do presidente do Supremo Tribunal de Justiça, a nomeação de um juiz para o Conselho Superior de Magistratura e do presidente desse órgão. O discurso do PR marcou pela diferença. Deixou claro o que espera dos juízes. Quer que “encarnem o espírito da Constituição, de imparcialidade face aos poderes públicos e interesses político-partidários, reputação ilibada, senso de justiça, notório saber jurídico e, sobretudo, vontade para defender a Constituição e realizar os direitos fundamentais”. Com isso o PR explicitou o que a nação espera deles e naturalmente quais as linhas de força que devem nortear na profissão que escolheram para melhor a dignificarem e nela se distinguirem. Também foi claro em dizer que “o juiz não é funcionário, mas titular de um órgão de soberania e que não deve ter preocupações de intendência sindical”. Neste ponto o PR mostrou as suas reservas quanto ao sindicalismo dos juízes, algo controverso em muitos países e proibido explicitamente noutros como por exemplo a Espanha. Um outro aspecto importante do discurso do presidente foi mostrar que a morosidade não é exclusivamente um problema intra-sistema judicial. Que está ligado ao que ele chama de litigiosidade reinante. Para o PR isso tem suas origens na ausência de uma cultura da legalidade que afecta cidadãos, empresas e autoridades públicas, conjuntamente com falta de valores, de tolerância e de responsabilidade. E apela a um maior controlo social dos actos lesivos dos direitos e interesses comuns como forma de evitar a sobrecarga do sistema judicial. Espera-se que agora, com as leis feitas, meios disponibilizados, órgãos renovados e orientações claras se aprofunde a construção do sector de justiça de forma a garantir cada vez uma justiça célere que seja protectora dos direitos dos cidadãos e um factor de competitividade do país.

sábado, outubro 15, 2011

Barraca. Os custos escondidos

O Governo mantém-se firme na sua postura de ganhar “à cabeça”. Na Boa Vista o Estado já arrecada milhões de contos anuais em vistos de turista, direitos alfandegários, IVA, e taxas de utilização dos aeroportos. Satisfeito com as receitas que centralmente vai dar uso e gastar, esquece de cobrir os custos que ainda a insuficiência de condições humanas, habitacionais, económicas provocam na ilha. A factura porém não fica “solteira” e cai sobre toda a gente na ilha. Os salários baixos dos hotéis só são possíveis num ambiente de rendas de casa altíssimas porque as pessoas vivem em barracas. Muitos lidam com preços elevados de produtos alimentares e outros porque encontram outras fontes de rendimento nem sempre as mais lícitas ou dignificantes. Potenciais empregos não são conseguidos porque as estruturas de ensino e formação adequados não existem ou carecem de insuficiências várias. A China e muitos outros países que se desenvolveram subsidiaram durante anos a fio alimentos básicos e a habitação da população que nos anos oitenta se moveu para zonas económicas especiais e a lançou para a modernidade e a industrialização. Em consequência muitos milhões ascenderam à classe média. Na Boa Vista são na realidade as pessoas que subsidiam a actividade económica para que o estado continue a tirar a sua renda à cabeça. E já há pressão para também passarem a subsidiar a AEB, pagando preços mais elevados de energia e água do que o resto do país. Quando a atitude do estado não é desenvolver, mas sim de parasitar a economia na procura de rendas, a “galinha de ovos de ouro” acaba por sucumbir. A pressão dos custos acumulados e o aparecimento de novas oportunidades e destinos fará mover os operadores. Ontem foi a ilha do Sal. Hoje é Boa Vista. Daqui a alguns anos que ilha será. Maio?

sexta-feira, outubro 14, 2011

Prioridades deslocadas

Em Setembro último o primeiro ministro inaugurou a estrada Sal-Rei Bofareira de 9 km e que custou 550 mil contos. Discursando na ocasião o PM justificou a abertura da estrada como uma “uma questão de honra”. Acrescentou ainda que a estrada tinha sido um sonho da população de Bofareira e que o destino do seu governo era “realizar os sonhos dos caboverdianos”. Facto é, porém, que Bofareira não passa de trezentas pessoas e que a nova infraestrutura fica completamente fora das zonas turísticas especiais. Ou seja a estrada é um investimento de milhões que de imediato muito pouco contribui para dinamizar a ilha, incentivar o investimento e potenciar as zonas turísticas. Mais uma vez vê-se como nas opções do governo motivações outras, designadamente político-eleitorais facilmente ultrapassam razões justificadas de desenvolvimento. São centenas de milhares de contos que vão acrescentar à já considerável dívida externa. Não são aplicados na construção do liceu, na rede de esgotos, ou ainda canalizados para amenizar a urgente situação habitacional da ilha. Muito menos são dirigidos para completar a estrada estruturante da ZDTI de Santa Mónica e Lacacão. E é pena, porque assim eventuais oportunidades com impacto directo no rendimento e qualidade de vida perdem-se neste jogo duvidoso de prioridades em que interesses político-partidários acabam por se sobrepor aos interesses de desenvolvimento da ilha. Acontece na Boa Vista e acontece também nas outras ilhas.

quinta-feira, outubro 13, 2011

Blindar contra o tráfico

No fim da semana passada a PJ caboverdiana desencadeou uma operação contra o narcotráfico que já resultou na apreensão de armas, de milhares de contos em dinheiro e de mais de uma tonelada e meia de cocaína. Os grandes valores envolvidos e a quantidade de droga encontrada mostram que Cabo Verde continua atractivo como entreposto no tráfico de droga a partir da América Latina em direcção à Europa. O sucesso até o momento da operação evidencia o nível de eficácia já atingido pela PJ. E isso é reconfortante para todos nós.

A localização geográfica que até agora não foi possível potenciar em termos de estratégia económica parece revelar-se de grande utilidade para quem procura sítios remotos e fracamente guardada para as suas actividades ilegais. A constatação deste facto, que não é de hoje, devia ter conduzido a uma discussão profunda da estrutura das forças de segurança no sentido de garantir os cerca de mil quilómetros de costa de Cabo Verde não ficassem sem guarda efectiva. Para muita gente torna-se cada vez mais urgente dotar o país de uma força de segurança vocacionada para o policiamento da costa e das águas territoriais e adaptada aos rigores e exigências das missões que tal tarefa acarreta.

Há meses que vem saindo notícias de aparecimento de pacotes de droga em vários pontos da ilha de Santiago, designadamente em Calheta de São Miguel e no Tarrafal. Tais ocorrências e o impacto que poderão ter nas comunidades que de uma forma ou outra entraram em contacto com esses “achados” devem ser monitorizados minuciosamente pelas autoridades. Servir de entreposto para o tráfico já é muito mau, mas permitir que a população desprotegida entre em contacto com mercadoria de traficantes pode trazer consequências graves e constituir um factor de aumento da criminalidade violenta.

Um outro perigo sério tem a ver com os vultuosos valores em causa. Há meios suficientes para tentar corromper pessoas e instituições. Exige-se neste momento um elevado nível de alerta contra quaisquer sinais de corrupção, particularmente de elementos da polícia e de outros serviços de controlo de entrada no país. A probidade das instituições é fundamental para se fazer face à ameaça do narcotráfico e para garantir a cooperação de entidades estrangeiras nessa luta.

A persistência de uma cultura de dependência deixa as pessoas e as comunidades susceptíveis ao suborno. O hábito já instalado de viver de favores ou de pagar dádivas recebidas com declarações públicas de gratidão e apoios políticos e eleitorais, deixa a população indefesa perante quem, munido de muito dinheiro, pede silêncio e cumplicidades várias. Agir contra a droga e contra o narcotráfico também significa respeitar e fazer respeitar o princípio da dignidade humana e esforçar-se por criar as condições para que as pessoas tenham a sua autonomia e ajam com base na sua vontade própria.

Os acontecimentos dos últimos tempos renovam a necessidade de se discutir a melhor forma de o país se preparar para enfrentar essas ameaças globais, incluindo o tráfico de droga, de armas e de pessoas. A reacção das autoridades não deve ficar por medidas pontuais. Deve ser compreensiva e estratégica de modo a blindar as pessoas e as instituições de quaisquer tentações de infiltração e corrupção. Há que cultivar valores como honestidade, diligência e perseverança como os que realmente levam à prosperidade com dignidade.

Editorial do Jornal Expresso das Ilhas de 12 de Outubro de 2011

quarta-feira, outubro 12, 2011

Equívocos da Mo Ibrahim

O ex-Presidente da República Pedro Pires foi galardoado com o prémio Ibrahim 2011. Segundo a Fundação Mo Ibrahim o prémio é dado a antigos chefes de Estado executivos e a chefes de Governo eleitos democraticamente que terminaram os respectivos mandatos de acordo com os limites impostos e demonstraram excelência durante o mandato. O agraciado é escolhido de entre candidatos com menos de três anos fora das funções. Independentemente do mérito da escolha, as razões apresentadas pela fundação pecam por equívocos vários. Os chefes de Estado em Cabo Verde não são executivos e não governam. O reconhecimento da prestação de qualquer presidente da república deve ter outros suportes diferentes dos citados pela fundação. “Gestão macroeconómica, boa governação e uso responsável da ajuda dos doadores para melhorar as infraestruturas, para construir a industria do turismo e para colocar em primeiro plano o desenvolvimento social” resultam, de facto, de opções e do trabalho dos governos. Da mesma forma, não se pode atribuir ao presidente da república mérito pela graduação de Cabo Verde a país de rendimento médio. No ano 2000, Cabo Verde já preenchia 2 dos 3 requisitos para a graduação. Quanto ao justificativo avançado que pesou na apreciação o anúncio que o então presidente Pedro Pires teria feito de que deixaria o cargo ao fim do segundo mandato isso não faz sentido algum. Desde as eleições multipartidárias de 91 e da adopção da Constituição de 1992 que o presidente da república em Cabo Verde só pode fazer dois mandatos. E a Constituição não pode ser alterada nesta matéria, muito menos pelo PR que no processo de revisão constitucional só lhe é reservado o papel de promulgação da lei de revisão aprovada pelo parlamento. Apesar dos equívocos, a escolha da Fundação Mo Ibrahim traz o benefício de por em devido relevo a importância de se ter governantes eleitos pelo povo em ambiente livre e plural e com mandatos fixos; a importância de se exigir responsabilização e prestação de contas pelos actos dos governos e governantes; e a importância da governação do país resultar em ganhos para a generalidade da população e não para certos grupos e personalidades à volta do poder. O prémio disponibiliza meios significativos à personalidade escolhida para de forma efectiva e ao longos dos anos promover os princípios democráticos e de boa governação que o justificaram. De todos os galardoados espera-se que, em coerência, o façam.

terça-feira, outubro 11, 2011

Embuste

O país parece estar em polvorosa com toda a gente a tentar encontrar uma solução para a Electra. Lidera este processo o governo que de tempos em tempos, particularmente a meio de graves crises de energia e água, tem novas razões para justificar a crise do sector de energia. Fá-lo não porque quer alimentar um debate público e participativo de cidadãos mas sim para desviar atenções encontrar bodes expiatórios e fazer toda a gente assumir-se como co-responsável. Mas o governo sabe quais são as reais causas: défice no investimento e custos não cobertos pela tarifa politicamente administrada. Por isso nos períodos eleitorais contrata contentores de geradores para suprir dificuldades na produção de energia e subsidia combustíveis para conter os custos da Electra. Em Fevereiro depois de ter ganho as eleições desapareceram os geradores e terminaram os subsídios. As tarifas aumentaram e todos puderam sentir o impacto completo da falta de política energética no aumento geral dos preços. Em 2000 tinha ficado assente que se deveriam investir 250 milhões de dólares até 2015. Até agora só foram utilizados 110 milhões. Com 140 milhões de dólares por mobilizar, não há gestão que aguente. E eficiência no sector só acontecerá com investimentos certos na produção e na rede de transporte e distribuição. Outrossim, para um país como Cabo Verde devia ser central a adopção de uma cultura generalizada de eficiência energética e de atitudes de poupança de água. Isso diminuiria consideravelmente a taxa de crescimento da demanda desses bens essenciais com ganhos para os consumidores e também para os produtores que assim poderiam adiar certos investimentos. As coisas correram mal porque o governo politizou sempre a questão da Electra. Depois da saída do parceiro estratégico, falhou em dar continuidade ao programa de investimentos essenciais para a sobrevivência da empresa. Falhou também em manter o público informado sobre opções possíveis no sector com os esquivos à responsabilidade, a denúncia torpe de sabotagem e o apontar de dedos aos inimigos de estimação. Acabou por cair na própria armadilha e propaganda e não sabe como deslindar-se. Entretanto as quebras sucessivas no fornecimento de energia e água criam um ambiente de insatisfação e de desconfiança em relação ao futuro. Já há quem pergunte se outros dossiers chaves do país não estarão a ser geridos com a mesma displicência.

segunda-feira, outubro 10, 2011

A Crise inexistente

O governo apresenta um orçamento do Estado de 2012 com 9.8% de défice, mais de três vezes superior ao estipulado na lei de enquadramento orçamental. A ligação do escudo caboverdiano ao euro obriga que défices orçamentais se situem à volta de 3 % e que a dívida pública não vá acima dos 60%. A dívida já a aproximar-se dos 100% do PIB ultrapassou de muito esse limite. Apesar disso a ministra mostra-se confiante e declara que a economia caboverdiana não está em crise. Provavelmente o mesmo diriam ministros e governos da Grécia, de Portugal e de outros países se não tivessem de recorrer aos mercados para financiarem os seus défices orçamentais. Mas em Cabo Verde, como diz a própria ministra, quem financia o défice são recursos externos concessionais. E os critérios para a disponibilização desses recursos não são certamente os do mercado. Não passam, por exemplo, por saber se a propalada reforma do Estado está a resultar em poupança com aumento da eficiência e qualidade das despesas e diminuição de custos de contexto. Ou por certificar-se se as infraestruturas construídas, realmente, constituem factor de atracão de capitais privados e não obras de prestígio feitas primariamente para potenciar apoio eleitoral. Ou ainda para confiar que os níveis de crescimento da economia nos próximos anos assegurará o pagamento da dívida e o investimento endógeno necessário para manter a dinâmica económica durante anos seguidos. A perspectiva e a atitude dos governantes a partir do casulo de protecção que a ajuda internacional fornece devia ser mais realista e proactiva na preparação do país para a “selva” que se vive lá fora. O período de transição no processo de graduação para país de rendimento médio termina este ano e claramente Cabo Verde não está preparado. Não conseguiu diversificar a economia, não se tornou suficientemente competitivo para atrair investimento directo estrangeiro significativo e falhou mesmo em potenciar a sua mão-de-obra com um ensino de qualidade e uma cultura de excelência como bem revela o índice Mo Ibrahim que põe Cabo Verde no nono lugar em matéria de educação. Por isso é que o Governo está pedir que se prolongue mais o período de transição. Mas será que desta vez finalmente se decidirá em preparar o país para enfrentar os seus desafios com pragmatismo, visão e perseveração até atingir o objectivo pretendido? A ver vamos.

domingo, outubro 09, 2011

Armadilha

Semanas atrás, em Washington, a ministra das Finanças mostrou a sua preocupação com a possibilidade de Cabo Verde ser apanhado na chamada armadilha dos países de rendimento médio. De seguida, apelou aos países desenvolvidos e às instituições de Bretton Woods que não deixassem de ajudar; presume-se que seja no tocante ao aceso a mercados preferenciais e a créditos concessionais. Ou seja, o que Cabo Verde ainda precisa é o que já se lhe tinha proporcionado durante os seus anos de país de baixo rendimento (LDC) e nos quase oitos anos a partir da sua graduação, em 2004, para país de rendimento médio (DC). A questão é se aproveitou esses anos para se pôr à altura dos desafios que terá que enfrentar sozinho ou se dormiu à sombra da bananeira, confiante de que sempre conseguirá ajuda e compreensão. E que para isso bastava trabalhar bem a imagem junto das instituições internacionais e certificar-se de que era sempre comparado com os outros países da África. Agora colhem-se as consequências da procrastinação. A expressão “Armadilha dos países de recursos médios” é normalmente usada para a situação que países como a Malásia e a China que têm economias a crescer sob o impulso das exportações, a inflação tende a aumentar e há outros sinais de sobreaquecimento que ameaçam a competitividade externa. Não é propriamente a situação de Cabo Verde, em que, segundo a ministra, na entrevista referida, se parte de uma base estreita de exportações em que a produtividade é baixa e em que o mercado de trabalho não é flexível e a oferta de mão-de-obra não corresponde às necessidades da demanda. Aqui há basicamente tudo por fazer. Encontrar a agricultura certa que pelo seu alto valor acrescentado aumente os rendimentos da população rural, desenvolver o sector das pescas para potenciar recursos existentes, identificar indústrias que mais se adaptam às características de um país arquipélago sem recursos naturais e pequena população e incentivar um sector de serviços voltado para a exportação que melhor uso poderá fazer das características culturais e humanas das pessoas. Tudo isso pressupõe uma preocupação central com a economia, designadamente com a criação de um ambiente de negócios favorável, com o desenvolvimento de uma classe empresarial nacional e com a existência de um sistema de educação e formação qualidade. Resumindo, perdeu-se tempo. Os anos das “vacas gordas”, de 2004 a 2008 acrescidos da bonança das linhas de crédito até à crise de Portugal em 2011serviram para ganhar eleições, mas não deixaram o país em melhor posição para enfrentar os desafios do amanhã.

sábado, outubro 08, 2011

Poeira

É facto notório que as pessoas, as empresas e a sociedade estão a ficar cada vez mais cépticas perante as evidentes dificuldades do governo em gerir os problemas urgentes do país. O destaque vai para o drama de energia e água que directa ou indirectamente afecta todos e fragiliza a economia. Nesta maré de desconfiança não ajuda muito a postura recente de membros destacados do governo durante as campanhas presidenciais. Muita gente ficou perplexa pela falta de ponderação manifestada tanto na relação com os correligionários do partido como também no uso e abuso dos recursos do estado. O governo em resposta à evidente perda de confiança que vem sofrendo resolveu tirar da cartola os “mesmos coelhos” que outrora lhe serviram tão bem para gerir as expectativas da população. Ou, dito de outra forma, de lançar a poeira que lhe permitiu navegar vários certames eleitorais sem ter de dizer a verdade sobre os reais desafios que o país confronta. Os últimos anúncios dos projectos da ENAPOR, que já vêm de 2004 e várias vezes retomados em momentos políticos cruciais, inserem-se nesta estratégia de desvio de atenção, de simular acção e esvaziar críticas. O retomar do processo da reconstrução das instalações da interbase foi a oportunidade encontrada para repescar projectos antigos mas agora embrulhados e apresentados como parte do “pilar” Cluster do Mar. Outra vez, ficou a saber-se que se pretende que Cabo Verde seja uma potencia regional no sector do transbordo. O projecto aponta como objectivo na sua última fase chegar a capacidade de armazenagem de contentores em 1 milhão de TEUs com investimentos superiores a 300 milhões de dólares. Fica-se por saber como. Não há projecção de movimento na região, nem se define uma estratégia de actuação e muito menos se equaciona a reacção dos outros portos na região africana. Será que vão ficar de braços cruzados, por exemplo o porto de Dakar que em 2008 já movimentava 331191 TEUs, o porto de Abidjan com o seus 670000 TEUs, Lagos 650000 TEUs e Tema, no Gana, 342882 TEUs? Os portos de Cabo Verde nesse mesmo ano não passavam de 57263 TEUs. Ganhar quota de mercado em tais condições não é fácil. E para que as pessoas não fiquem frustradas, nem caiam no desespero, é fundamental que se governe com uma visão clara, suportada por estratégia bem definidas e operacionalizada por acções que todos podem ver, monitorizar e acreditar que vão resultar. Todos perdem quando lançar poeira, fazer propaganda e excitar paixões primárias substitui pela governação que todos querem honesta, verdadeira e ao serviço do bem-estar de todos.

sexta-feira, outubro 07, 2011

MP e PN. Desajustes continuam

No relatório do Conselho do Ministério Público entre ao Parlamento diz-se que a afirmação que muitas vezes se ouve de polícias de que “ nós já fizemos o nosso trabalho; cabe agora aos juízes e ao Ministério Público fazer o seu” é destituída de fundamento legal. Os membros do conselho tomam a afirmação como uma crítica aberta à acção de fiscalização do MP no decurso do processo penal e denunciam-na como uma “ideia perigosa” de desjudicialização ou policialização do processo penal. Mais, acrescentam que “persiste um défice grande de articulação ” com prejuízo para o combate à criminalidade. Estranha-se em todo este imbróglio a falta de intervenção do Governo. É quem superintende a polícia e tem a responsabilidade de assegurar-se da colaboração das instituições para que os objectivos da lei de política criminal sejam cumpridos. Também cabe ao governo garantir que os órgãos de polícia criminal se abrem à fiscalização externa do MP nos termos da lei para que não haja abusos e os procedimentos sejam melhorados com ganhos de eficácia na luta contra o crime. È injustificável a falta de acção do governo para pôr cobro às acusações mútuas e facilitar entendimento institucional. Porque, entrementes, abusos são cometidos, direitos dos cidadãos ficam lesados e o país vive um ambiente de insegurança prejudicial à economia e à qualidade de vida desejada por todos.

quinta-feira, outubro 06, 2011

Pioneiros. Desrespeito à Bandeira e à República

A presença da bandeira do regime de partido único no funeral de Estado realizado para Aristides Pereira, no dia 27 de Setembro, configurou um desrespeito e uma afronta aos símbolos nacionais. Foi uma acção deliberada que logo de seguida mereceu as honras de foto de apresentação do facebook dos pioneiros de cabo verde. Mais uma vez instrumentaliza-se politicamente crianças para passar mensagens de arrogância de quem não reconhece a bandeira nacional estabelecida na Constituição da República. Naturalmente que, como sinal de homenagem dos seus camaradas, bandeiras do PAIGC e/ou do PAICV, partidos que ele dirigiu como secretário-geral, podiam ter sido ostentadas. Em vez disso, optou-se pela bandeira da I República. Neste ponto é interessante verificar que se omitem da biografia oficial de Aristides Pereira os actos, pronunciamentos e imagens do período, como se tivessem sido anos de vergonha, mas em contrapartida aproveitam o momento para, mais um vez, mostrar o desprezo pela II República. Tudo isso na presença de titulares de órgãos de soberania e na sede da Assembleia Nacional. Actos que, pelo desrespeito aos símbolos nacionais, podem configurar crimes de responsabilidade de acordo com a Lei nº 85 de 26 de Dezembro de 2005.

Governo já em campanha para as autárquicas

A campanha pré-eleitoral para as autárquicas já começou. Os protagonistas políticos não deixam o país relaxar. Pretextos não faltam para polarizar a sociedade e causar crispações. A ministra do sector de administração Local, urbanismo e habitação já deu sinais que irá amolecer os municípios em vários “desencontros” para os fazer presa fácil dos opositores políticos. Na semana passada lançou uma longa salva de artilharia contra a câmara municipal da Praia. Fiel à sua crença de que a tutela do governo sobre administração municipal não é simplesmente uma tutela de legalidade, como estipula a Constituição e a Lei, mas sim uma tutela do mérito lançou-se numa visita pelos bairros da cidade da praia dispensando remédios e fazendo críticas sem absolutamente nenhum respeito pela autonomia municipal. Para o governo parece difícil aceitar plenamente que municípios surgem da compreensão de que comunidades espalhadas pelo país têm interesses específicos, diferentes umas das outras e da colectividade nacional. A Constituição manda que a especificidade seja respeitada e que as comunidades sejam capazes de autogoverno através de órgãos eleitos e que tenham participação justa na repartição dos recursos do Estado. Sempre que o Governo é criticado por subverter as bases desse entendimento vem a ministra com memórias ilusórias de um tempo de “filhos de dentro e de fora” e de afirmações de que “pedra ca ta djuga cu garrafa”. Este refrão politiqueiro é ironicamente dirigido a Carlos Veiga. Precisamente, o primeiro-ministro que resgatou a tradição municipal caboverdiana, antiga de vários séculos e quase que destruída nos quinze anos de partido único. O insulto só mostra como o Paicv continua impenitente em muitas das suas convicções designadamente esta de subordinação das comunidades ao centro do Poder. Antes feita através do delegado do governo, hoje as tentativas de controlo passam por tirar meios aos municípios, menosprezar os órgãos eleitos e as suas decisões e neutralizar a administração autónoma, cedendo poder e meios a organizações sociais e comunitárias telecomandadas. É nessa base que a ministra questiona o desejo da cidade da Praia em ter o seu cine-teatro e arroga o direito de ditar prioridades apontando para os problemas de bairros degradados. Parece não causar desconforto a este governo que cabo verde seja provavelmente o único país no mundo onde não há cinemas. Mas aí já não é a ministra mas sim o dirigente partidário em campanha. Curiosamente, o Paicv, na assembleia municipal, não se manifestou mesmo quando desautorizado nas decisões que tomara em matéria de criação da derrama municipal para financiar o cine-teatro. Superiores interesses se levantam e a cumplicidade é mais forte.

quarta-feira, outubro 05, 2011

Por uma nova atitude na governação

A crise na Europa e nos Estados Unidos chama de forma dramática a atenção por atitudes na governação potencialmente desastrosas a prazo. Assim, hoje sabe-se que governar como na Grécia, escondendo da sociedade e dos parceiros dados cruciais para a permanência do país no euro pode revelar-se catastrófica. Governar como em Portugal cavalgando a euforia derivada das vantagens de pertença à zona euro não dura sempre e o dia do acerto de contas acaba por chegar. Governar como na Alemanha e nos Estados Unidos, apanhado por interesses eleitorais de curto prazo que impedem a tomada de medidas de fundo, deixa a nação sem real liderança e prejudica o futuro.

A crise prova que não dizer a verdade, substituir acção por propaganda e orientar-se só pela vontade de se manter no poder a todo o custo tem consequências gravosas. Governos que teimosamente persistirem nesses caminhos não têm desculpa. O desfecho vê-se por aí nas convulsões dos mercados, no crescimento raso da economia nacional, no desemprego persistente e no desespero crescente particularmente das populações mais vulneráveis.

Em Cabo Verde, oito meses após as eleições legislativas, a postura do governo não mudou. Parece que nas altas esferas de decisão política ainda persiste a ilusão da blindagem do país à crise ou talvez a ideia que o país “is too small to fail”. Entretanto sucedem-se crises de energia e água, mantém-se o sentimento de insegurança e notam-se em todas as ilhas as consequências sociais do abrandamento do crescimento da economia nacional. E a população já percebe que não se está a lidar com a situação no país da melhor forma. Provavelmente os resultados das eleições presidenciais desfavoráveis ao candidato preferido do governo já são sinais de desagrado e frustração crescente em vários sectores da sociedade.

O Governo aparentemente nada nota. Continua nas suas práticas de sempre. Esta semana escolheu as falhas na facturação da Electra para justificar as crises no fornecimento de energia e água. Na semana passada aproveitou a assinatura do contrato de construção das instalações frigoríficas de São Vicente para mais uma vez trazer o projecto de transbordo e o terminal de cruzeiros agora apresentados no âmbito do que chama cluster do mar. A visita da Ministra Sara Lopes aos bairros da Capital e as controvérsias em que se envolveu com a Câmara Municipal da Praia mostraram também que a realização de eleições, há um mês atrás, presidenciais e, daqui a nove meses, autárquicas continuam a condicionar grandemente o governo na sua agenda, na sua eficácia e na atenção que devia dedicar às questões nacionais.

A ministra de Finanças em Washington deixou transparecer receios de que Cabo Verde pode ser apanhado na chamada “armadilha de países de rendimento médio”. Outros países procuraram, em tempo útil, evitar serem apanhados na armadilha. Esforçaram-se por ganhar eficiência na utilização do capital e da mão-de-obra, designadamente via a exigência de qualidade no sistema de ensino. Fizeram um esforço de internalização da economia diversificando-se e alargando a participação do empresariado nacional. Diminuíram os custos na economia da inoperacionalidade do Estado, dos seus serviços e das empresas públicas. Desafios que ficaram por ser devidamente enfrentados aqui em Cabo Verde.

A saída para fora da armadilha que o Governo encontra é a de pedir a extensão do período em que o país continuará a beneficiar de ajuda pública e de empréstimos concessionais. Ganhar tempo porém não será de grande utilidade se os métodos e a atitude se mantiverem os mesmos. Urge pois que a governação do país vá além dos grandes gestos, da propaganda e dos interesses partidários e sirva a verdade, cultive a honestidade e aja com visão de futuro.

Editorial do jornal "Expresso das ilhas" de 5 de Outubro de 2011

terça-feira, outubro 04, 2011

Porquê Angola?

Segundo o site do Governo, Cabo Verde quer cooperação com Angola no domínio das informações militares, de comunicações e de formação da “nossa polícia militar”, palavras do ministro de Defesa de Cabo Verde. A questão que imediatamente se põe é se a experiência dos militares angolanos em lidar com civis e situações de perturbação da ordem pública é a mais ajustada para Cabo Verde. Certamente que não é. O próprio ministro angolano confessa que ainda se está a reedificar as forças armadas angolanas. Saíram de uma guerra civil há menos de dez anos, desenvolveram-se a partir de uma milícia de um partido, as FAPLA, e não funcionam num quadro constitucional como o de Cabo Verde com órgãos de soberania eleitos democraticamente e com respeito pelos direitos dos cidadãos. Com esse historial e vindo de uma realidade diferente não se vislumbra como poderão ser úteis na preparação da polícia militar caboverdiana. Por outro lado, sabe-se que Angola não se tem inibido de manter presença militar fora do território nacional, designadamente no Congo, em São Tomé, Costa do Marfim e ultimamente na Guiné-Bissau deixando antever as suas pretensões como potência regional. Isso não pode ser ignorado nem tomado de ânimo leve quando se desenvolvem relações de cooperação militar e no domínio da inteligência militar.

segunda-feira, outubro 03, 2011

Corrida às armas

Segundo a ministra da Administração Interna, a lei das armas vem aí. Será aprovada em Conselho de Ministros, em Outubro, e remetida para o parlamento. O líder da oposição já mostrou a disponibilidade do MpD em viabilizar uma lei que conduza ao controle efectivo das armas. A questão que se coloca é porque se demorou tanto tempo em se avançar com uma iniciativa legislativa nessa matéria. Uma inércia inexplicável particularmente porque há mais de uma década que se vem verificando uma corrida para aquisição de armas tanto por razões de autodefesa, como criminosas e outras até de ostentação e poder pessoal. A proliferação de armas conduziu ao aumento de acidentes e mortes por arma de fogo. Um mercado paralelo de armas artesanais floresceu para responder às necessidades daqueles com menos poder de compra, mas dispostos a exibir o seu poder de fogo. Das autoridades a resposta não tem sido nem consequente nem efectivo. Não se avançou com uma lei adaptada aos tempos. Protelou-se até agora. Preferiu-se aumentar o poder de fogo dos polícias e armá-los com AKM. O problema é que as AKM são armas de guerra e é duvidoso, em termos legais e morais, que possam ser usadas em situações de choque com os cidadãos. Usá-las é atirar o princípio de proporcionalidade na utilização da força policial pela janela fora. A falta de sentido de proporção mostra-se também quando se usam unidades especiais da polícia em missões de rotina e patrulha. E, como já se sabe, apesar das AKM e dos “ninjas” a violência não tem diminuído, nem a criminalidade e o sentido de insegurança dos cidadãos. Há que mudar a abordagem. A lei de armas é um começo, mas muito é necessário fazer para que a polícia seja eficaz, proteja os direitos dos cidadãos e conquiste a confiança da comunidade.

domingo, outubro 02, 2011

Como Cabo Verde lida com a história

Na entrevista feita pela TCV ao presidente cessante Pedro Pires, a jornalista apresentou um historial dos 50 anos da sua vida política. Bastante pormenorizada no período anterior a independência a biografia do entrevistado torna-se extremamente rarefeito a partir de 1975 que é eleito deputado e nomeado primeiro ministro. Nos quinze anos que se seguem considera-se digno de referência só a sua eleição para o cargo de secretário geral adjunto no congresso fundador do PAICV em Janeiro de 1981 e posteriormente a para secretário-geral no IV congresso em Julho de 1990. No perfil de Aristides Pereira, secretário geral do PAIGC/PAICV e presidente da república até 1990, falecido na semana passada, repete-se o mesmo. Os anos do regime de partido único são simplesmente apagados. Omitem-se as palavras e os actos dos seus principais dirigentes e suprimem-se imagens de todo o período com a excepção das imagens da proclamação da independência. Todos os valores e princípios da república como respeito pela dignidade humana, liberdade e justiça e escolha livre de governo e governantes esbatem-se ou curvam-se perante a proclamada “grandiosidade” do percurso da independência e dos seus actores, sempre contado numa única versão: a versão dos “libertadores”.

sábado, outubro 01, 2011

Primárias

Fazer das primárias excepção e não regra na selecção de candidatos às eleições autárquicas foi uma das decisões mais significativas saídas do último Conselho Nacional do PAICV. O partido resumia assim as razões para a derrota do seu candidato presidencial a um problema simples de divisão das suas hostes. Muito convenientemente as culpas foram atiradas para cima dos apoiantes de Aristides Lima. Eles, segundo relatos diversos, fizeram a devida autocrítica e o partido, supostamente, ficou mais unido e coeso. O Presidente do partido “que não se arrepende de nada” veio declarar que não há congresso extraordinário nem primárias de candidatos às câmaras. Ou seja não há discussão interna de propostas ou soluções alternativas para os problemas do país ou dos municípios. Para ganhar eleições calam-se as vozes no interior dos partidos precisamente quando o país e o mundo clamam por novas perspectivas, acções inovadoras e medidas ousadas. Sacrifica-se o que de útil pode trazer o confronto de ideias na democracia para manter a aparência de unidade interna . Secundariza-se a influenciação do eleitorado pela via de ideias e projectos de governação em favor de esquemas de arrebanhamento onde pontuam apelos à cor da camisola, demagogias diversas e compras de consciência e de votos. A democracia fica assim empobrecida. De tempos em tempos - aconteceu nas últimas presidenciais - os cidadãos rebelam-se contra a contracção de vida política que atitudes do género induzem. Mas como se constatou nos últimos dias os partidos não absorvem a lição principal e reagem diminuindo a possibilidade de fricção interna mas a grandes custos: custo de maior rigidez interna, de menos capacidade de se adaptar aos tempos e aos desafios de hoje e de ser tornar um espaço menor de liberdade e de participação. Não espanta que muitos, particularmente os jovens fujam da política partidária. E como não há outra, fiquem permanentemente fora, empobrecendo a todos.

sexta-feira, setembro 30, 2011

Dependência e humilhação

As cenas repetidas todos os anos de distribuição de kits escolares aos alunos carenciados difundidas pela televisão são reveladoras do esforço permanente de reprodução de comportamentos de dependência em Cabo Verde. Pontificam nesses encontros os “suspeitos do costume”: os ministros, os presidentes de fundações, que também são passados ou futuros candidatos a deputados, e os responsáveis da região política do partido no governo. Sente-se forte o odor político-partidário das cerimónias não obstante a presença de entidades privadas doadoras convidadas no intuito de as fazer passar como gestos neutros de solidariedade. Completa o quadro as crianças a agradecer aos seus benfeitores. Como bem disse alguém, é extraordinário como ditadores e certos doadores gostam de ser fotografados com crianças. Têm em comum o desejo de manter as massas e os pobres infantilizados e dependentes da sua benevolência paternal. Michael Walzer, um cientista social americano num artigo recente na revista Foreign Affairs diz que “a caridade deve reger-se pelas exigências de justiça”. Só se ajuda de forma moral quando há reconhecimento e respeito da dignidade das pessoas contempladas. Ajuda que perpetua a dependência e a subordinação é profundamente injusta. Para ele, o encontro do carenciado com o benfeitor é humilhante. E citando Maimonides diz que dar anónimo é a forma moralmente superior de ajudar os outros. Em Cabo Verde como se sabe acontece precisamente o contrário. Imagens todos os dias na televisão repetem cenas de doadores com ar beatífico em frente de recipientes agradecidos num ritual perpetuador da dependência. Não espanta que depois outros pagamentos sejam exigidos designadamente apoio político e votos nas eleições. A corrupção que se manifesta na compra e venda de consciências impregna o tecido social mais fundo do que as denuncias até então revelaram. E a cumplicidade é geral.

quinta-feira, setembro 29, 2011

Atropelos

Todo o país pôde ouvir pela rádio e pela televisão um polícia da Calheta de São Miguel a ameaçar “arrebentar” com a câmara da RTC se a equipa prosseguisse com as filmagens. O passo seguinte da polícia foi deter o operador de câmara e conduzi-lo algemado à esquadra. O incidente terminou com o profissional da comunicação social a assinar um pedido de desculpas em troca de liberdade. A Associação dos Jornalistas de Cabo Verde (AJOC) considerou a matéria como grave e um atentado à liberdade de imprensa e solicitou explicações do director da Polícia Nacional. Está por vir a resposta.

Da polícia espera-se que se coloque na primeira linha de defesa dos direitos dos cidadãos. Para isso deve cumprir estritamente a lei na forma como interage com as pessoas tendo sempre presente o princípio de proporcionalidade na utilização da força, seja na manutenção da ordem pública, seja no combate à criminalidade. A polícia num Estado de Direito democrático não “arrebenta” com coisas ou pessoas. Não humilha cidadãos. Não extrai declarações de desculpa de pessoas detidas para as soltar. Acções da polícia que configuram atentados contra a liberdade de imprensa são de gravidade acrescida. Presume-se que queira esconder do público situações de abuso de poder.

Silêncio tem sido a resposta recebida das autoridades policiais às múltiplas denúncias de abusos. Mesmo quando estas têm eco em relatórios internacionais de direitos humanos como o do Departamento do Estado americano. Até recentemente o Governo parecia defender esse silêncio. O entendimento talvez era que não inspeccionar os actos da polícia ajudava a manter o moral e a corporação saía reforçada. A realidade porém vivida é de aumento da criminalidade, de crescente sentimento da insegurança e da falta de confiança das comunidades na polícia. Com a ineficácia, cresce proporcionalmente a arrogância. Esconde-se a incompetência e afirma-se estar acima da Lei.

Nos últimos meses o país tem constatado o avanço em sincronia da arrogância, do autoritarismo e da incompetência. Vê-se todos os dias em matéria de energia, água e segurança. Viu-se nas eleições presidenciais como a má gestão de processos conduz a extremos inibidores de discussões serenas no seio de partidos, retirando-lhes a função principal de dinamizar a procura de soluções para o país. A arrogância não deixa que se aprenda com os erros e se assaquem responsabilidades. O autoritarismo convida a que se enverede por atalhos perigosos em vez de trilhar o caminho aberto e transparente seguindo procedimentos conhecidos e aceites por todos.

O discurso do Sr. Primeiro Ministro na Assembleia Geral das Nações Unidas feito em crioulo é mais um exemplo de voluntarismo político que não olha a meios para atingir os seus fins. O PM falou no maior fórum das Nações numa língua que, por Lei, não é a língua oficial de Cabo Verde. O PM decidiu ultrapassar o Parlamento que, em Fevereiro de 2010, em sede de revisão constitucional, tinha concluído que ainda não estavam reunidas as condições para a oficialização do crioulo. Não mediu as consequências tanto internas como externas do acto. Fica-se por saber em que língua da ONU os outros países da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) seguiram o discurso de Cabo Verde.

O autoritarismo crescente do Governo nota-se a cada passo. Inventa sabotadores para explicar problemas na Electra, ameaça de perda de trabalho os não apoiantes do candidato preferido, encolhe os ombros perante acusações de desmandos policiais, encoraja tácticas excessivas e contraproducentes no combate à delinquência juvenil e financia organizações sociais para manter a população arrebanhada e útil em tempos eleitorais. Paralelamente usa meios de marketing político para passar uma espécie de ideologia do Estado que pouco espaço deixa aos princípios e valores constitucionais de dignidade humana, liberdade e justiça. Todas as oportunidades são boas para se banhar em nostalgia e sentimentos de gratidão para com o percurso independentista e, assim, justificar-se na presente deriva autoritária. Mas o desnorte é evidente e urge repor os equilíbrios de poderes que a Nação considerou dever existir na Constituição, já com 19 anos de existência, para que a caminhada rumo à prosperidade na Liberdade prossiga sem sobressaltos.

Editorial do Jornal “Expresso das Ilhas” de 28 de Setembro de 2011

quarta-feira, setembro 21, 2011

Quebrar o círculo de dependência

Denúncias de condicionamento do voto recentemente feitas deixaram claro que organizações da sociedade civil designadamente as associações comunitárias são activamente instrumentalizadas pelos poderes públicos para fins partidários. Não ficaram dúvidas que muitas delas são criadas para se constituírem em centros de poder nas comunidades disputando recursos com as câmaras e posicionando-se como rivais na realização do que normalmente seriam atribuições municipais. A ausência de controlos adequados no uso dos fundos públicos recebidos faz dessas associações o veículo perfeito para dar trabalho, distribuir dádivas e prestar favores numa perspectiva eleitoralista.

As pessoas em Cabo Verde, como noutras paragens, juntam-se num esforço colectivo para fazer face às dificuldades da vida e à escassez de recursos. No processo reforçam as relações entre si, aumentam a confiança mútua e sentido de pertença e aprofundam o seu sentido cívico. Há perversão de objectivos quando se deixa instalar uma cultura assistencialista que em vez de fazer as pessoas autónomas fá-las mais dependentes do Estado. Então ênfase é colocada na distribuição e tal facto estimula o aparecimento de oportunistas que socorrem-se de expedientes diversos para se colocarem em posição de controlar o “bolo”, de retirar dele um maior naco possível e de oferecer migalhas a quem sabe mostrar gratidão. Deixa-se campo aberto para mais tarde serem extraídos outros ganhos ou servidos certos interesses.

O ambiente propício a esse tipo de perversões cria-se com o enraizamento da ideia de que se pode preservar a dignidade fazendo uma vida à custa da caridade ou solidariedade internacional. Partindo de um sentimento de vitimização histórica real, fictícia ou forjada, justifica-se uma existência na dependência permanente dos outros ao mesmo tempo que orgulhosamente se proclama ser independente e soberano. O embuste, quando levado a avante tempo demais, envenena alma, esvazia energias para uma vida autónoma e erige em arte superior esquemas de enganar parceiros. Finge-se que se está à procura da via própria e autónoma de desenvolvimento, chega-se mesmo a adoptar linguagem e conceitos de quem está seriamente engajo nisso quando, de facto, na maior parte dos casos, está-se simplesmente a inventar mais uma razão para continuar a ser financiado.

O Estado em vez de se posicionar como instrumento de vontade colectiva para a libertação da dependência, transforma-se no seu principal agente reprodutor. Por uma razão simples. Aprende a viver da dinâmica que as infusões sucessivas de recursos provocam, e, em vez de apostar no crescimento da economia nacional, centra-se na atracção de recursos que pode controlar e extrair um maior quinhão. Serve-se de vários mecanismo e entidades, incluindo associações, para obter vantagens diversas como criar uma clientela, reforçar dependência e alargar a base de apoio.

Em Cabo Verde a caridade tem rosto. Todos os dias sucedem-se actos ostensivos de entrega de dádivas seguidos de manifestações públicas de agradecimento. Sonhos de comunidades e de pessoas individualmente são apresentados como realizados com doações. Omite-se que a sua concretização devia ser resultado do esforço, motivação e capacidade próprios.

Em tal ambiente socialmente e culturalmente armadilhado não pode ser surpresa que se comprem votos ou consciências. O que acontece nos momentos eleitorais simplesmente é a ponta de icebergue de uma existência em que outros favores indignos também se prestam, bocas se calam e mentes ficam aprisionadas para se continuar a gozar de um estatuto de privilegiado e aspirar uma subida para o “topo da cadeia alimentar”. Há que quebrar o círculo vicioso da dependência e direccionar o país e as pessoas para uma autonomia que as dignifique e liberte para dar o máximo da sua energia e criatividade na construção de uma vida mais rica, mais gratificante e mais realizada.

Editorial do Jornal “Expresso das Ilhas” de 21 de Setembro de 2011

quarta-feira, setembro 14, 2011

Ensino, conhecimento e o futuro

O novo ano escolar inicia-se hoje, dia 14 de Setembro. Milhares de alunos dirigem-se para as escolas do ensino básico e secundário sem que uma avaliação aprofundada tenha sido feita dos resultados do ano lectivo anterior. A questão crucial da qualidade do ensino continua à espera de ser equacionada. Na mesma situação também se encontra a clarificação dos objectivos pretendidos com o actual sistema de ensino e seu enquadramento na estratégia de desenvolvimento do país. Entretanto, os índices de competitividade de Cabo Verde, de acordo com o relatório do Fórum Económico Mundial de 2011-12, continuam a cair de 117º para 119º, contribuindo para isso as ineficiências nos sectores de educação e formação.

Educação não foi matéria de relevo no debate do Estado da Nação porque só a 25 de Agosto é que o Ministério prontificou-se na pessoa do director-geral do Planeamento a dar dados sobre o ano lectivo findo. E mesmo assim foram informações genéricas com base nos números de aprovação, reprovação e abandono escolar. De fora ficou a avaliação qualitativa do sistema, incluindo as dificuldades, o grau de eficácia dos métodos para as enfrentar e a identificação dos sucessos e falhas na procura de qualidade e excelência.

A aposta na educação e formação é fundamental para a riqueza das nações particularmente num país arquipélago sem recursos naturais e com pequena população. Cabe aos poderes públicos o papel central de assegurar as condições para que o investimento das famílias, das crianças e jovens e a ainda dos contribuintes traga um retorno valioso com impacto no bem-estar e autonomia das pessoas e no ambiente cultural, artístico e intelectual do país. Os recursos são sempre escassos e não devem ser desperdiçados. Nem as pessoas ficarem frustradas nos seus sonhos e objectivos de vida. Há que ter foco e uma visão ganhadora do futuro.

Em Cabo Verde, no que respeita ao nível do ensino e formação, comporta-se como se não houvesse standards mundiais de excelência. Prefere-se comparar pelo que preconceituosamente se supõe inferior. A realidade é que muitos países africanos estão à nossa frente e isso fá-los concorrentes fortes na atracção do tipo de investimentos mais procurados por quem não tem óbvias vantagens em recursos naturais e dimensão de mercado.

Opta-se por manter um sistema em que o desejo de ter um diploma não se traduz em vontade de aprender e de cultivar o conhecimento. Daí os aspectos perversos que apresenta. Com certificação do Estado proliferam liceus e escolas superiores onde a qualidade de ensino não passa de uma miragem. O pior é que nenhum dos envolvidos parece muito interessado em mudar este estado de coisas. Os alunos não pedem muito rigor e trabalho, os professores desdobram-se em compromissos part-time e a sociedade aprendeu a valorizar conexões especiais para a ascensão social e na carreira em detrimento do mérito e profissionalismo. Sem o engajamento de todos, o investimento global da sociedade tem retornos decrescentes. Maus hábitos acumulam-se e reproduz-se uma cultura avessa a resultados reais e cada vez mais fixada em absorver meios e em debitar dados estatísticos para se autojustificar.

Há que romper este círculo vicioso. Do governo espera-se que consiga inspirar a nação no cultivo da excelência e a ver o seu futuro ligado ao nível de educação das suas gentes possibilitando conhecimento e formação em áreas de futuro e com futuro a partir de Cabo Verde. Competência linguística nos idiomas mais falados internacionalmente com também sólidos conhecimentos nas ciências e na matemática são objectivos a atingir. Formação em áreas de serviço como cuidados de saúde pode ser o suporte de estratégias futuras de desenvolvimento do país ao mesmo tempo que aumenta o valor do mercado daquele que pretenda emigrar. Qualquer que seja a opção formativa e de especialização é fundamental que o país tenha escolas e universidades academicamente sólidas, uma população culta e novas gerações ousadas no desbravamento do futuro.

Editorial do Jornal Expresso das Ilhas de 14 de Setembro de 2011

quarta-feira, setembro 07, 2011

Uma nova Era

A tomada de posse do Presidente Jorge Carlos Fonseca na sexta feira dia 9 de Setembro inaugura uma nova era nas relações entre o Presidente da República e os outros órgãos de soberania e demais instituições da República. Pela primeira vez Cabo Verde vai ter um presidente que se identifica completamente com a Constituição da II República e que se sente perfeitamente confortável com as atribuições e competências estabelecidas na Carta Magna. Será uma oportunidade única de desenvolver o cargo de PR de acordo com o figurino constitucional. E todas as instituições irão beneficiar com a exigência de agirem conforme o Estado de Direito de democrático.

O Dr. Jorge Carlos Fonseca em vários momentos defendeu publicamente o actual sistema de governo chamado de “parlamentarismo mitigado” contra argumentos à favor do reforço do poderes do presidente. Agora vê-se no cargo e certamente que em coerência não tentará ir além dos contornos da sua magistratura nem deixar-se ultrapassar. Por ai, fica assegurada a estabilidade politico institucional por todos desejada mas que alguns temiam por que o novo PR vem de uma outra corrente política.

A contenção no quadro do equilíbrio de poderes é benéfica. Potencia as virtualidades do sistema designadamente na garantia dos direitos dos cidadãos, na salvaguarda do pluralismo e na consecução da Justiça. Ainda impede concentração de poder numa pessoa só e evita tiranias da maioria. Com o partido no governo já no terceiro mandato e vários sinais complicados de autoritarismo e arrogância é de maior importância que a acção moderadora do presidente da república seja eficazmente sentida a todo o momento. No passado recente ocasiões houve em que o governo e a sua maioria impuseram a sua vontade por cima de normas existentes. A decisão do tribunal constitucional, anos depois, não obstou os prejuízos dos contribuintes com o pagamento de impostos ilegalmente lançados. Uma acção atempada do PR a pedir fiscalização preventiva da lei teria dissipado dúvidas e evitado perdas apreciáveis a consumidores e empresas.

O escopo de actuação do novo presidente vai alargar-se no sector de Justiça. Com a revisão da Constituição de 2010 o presidente deixou de nomear juízes. O PR passou a escolher o presidente do STJ de entre os juízes desse tribunal e a nomear o presidente do conselho superior de magistratura. Com esses dois actos o mais alto representante da nação relembra aos juízes que a justiça é feita em nome do povo. Exigem-se competência, celeridade e respeito pelos direitos para que a justiça não seja denegada e sirva a todos.

A adequação das forças armadas ao papel constitucional deverá ganhar um outro ímpeto. O presidente da república é o comandante supremo das forças armadas e preside o Conselho Superior de Defesa. Mostra-se fundamental a clarificação da missão das forças armadas de modo a evitar excessos, atitudes e posicionamentos pouco consentâneos com tradições republicanas. A nomeação de um novo Chefe de Estado Maior poderá ser uma oportunidade para se renovar a cultura militar num sentido que dignifica as forças armadas e assegura o cumprimento da sua função constitucional.

Com a posse do PR termina o ciclo eleitoral para os próximos cinco anos, um quinquénio que já se configura dificil, complicado e imprevisível nos seus contornos. O mundo hoje, dez anos após o ataque terrorista a Nova York e três anos a tentar escapar à Grande Recessão, está perante um ambiente complexo marcado por fenómenos tão diversos como crise da dívida soberana, aumento do desemprego estrutural na Europa América e nos Estados Unidos, emergência de novas potencias económicas e ameaças climáticas poderosas. Confrontar os desafios do futuro para melhor aproveitar as oportunidades que surgirem exige instituições maduras. Que a posse do novo presidente seja um passo significativo nesse sentido tão crucial para a Liberdade e prosperidade da nação.

Editorial do jornal expresso das ilhas de 7 de Setembro de 2011

quarta-feira, agosto 31, 2011

Recordar o 31 de Agosto de 1981 - Uma questão de dignidade e justiça

Há trinta anos, no dia 31 de Agosto de 1981, centenas de pessoas marcharam na Ribeira Grande, S. Antão contra a reforma agrária de um governo sem legitimidade democrática. Foram recebidas com disparos da tropa e do embate resultou um morto. Seguiram-se prisões, torturas e julgamento em tribunal militar de civis que simplesmente queriam exercer direitos que hoje todos os caboverdianos tomam como garantidos: liberdade de expressão, liberdade de reunião e de manifestação. Foi-lhes negado o direito à vida, à liberdade e a serem julgados por tribunais independentes. Não eram cidadãos do seu próprio país. Quando se revoltaram viram-se à mercê de um Estado todo-poderoso que podia agir sem os constrangimentos da Lei e da Moral.

A luta pela cidadania teve que esperar longos anos. A seguir ao 31 de Agosto a opressão aumentou. O efeito sentiu-se nas eleições de 1985. Foi precisamente nas localidades em S. Antão mais sofridas que o então partido-estado recebeu 96% dos votos, uma taxa superior à média nacional de 94%. Mas o espírito não morreu e assim que as pessoas vislumbraram uma fresta no edifício do Poder desferiram um golpe demolidor. O PAICV não conseguiu eleger um deputado em S. Antão nas eleições pluripartidárias de 13 de Janeiro de 1991. A energia então libertada foi a mesma que iria motivar a adopção da Constituição de 1992 onde os direitos de cidadania de todos os caboverdianos no território nacional e na diáspora ficaram consagrados para a posteridade.

Factos recentes mostram que ainda existem entraves ao exercício pleno da cidadania. O envolvimento ostensivo do Primeiro-ministro, membros do governo e altos dirigentes da Administração e de institutos e empresas públicas na campanha pelo cargo suprapartidário de presidente da república chocou muitos na sua dignidade de cidadãos. A violência das acusações lançadas contra adversários políticos fez renascer o medo e relembrou actuações políticas causadoras de muito sofrimento. As ameaças vindas de altos dirigentes de demitir ou forçar renúncia de cargos de correligionários que dissentiram em matéria presidencial revelam a intolerância institucionalizada contra manifestações de pluralismo.

Cabo Verde continua susceptível a práticas antidemocráticas. Diferentemente de outras sociedades que fizeram a transição para a democracia não desenvolveu certas imunidades. Olha para o lado quando se manipulam politicamente crianças e jovens. Cala-se perante a flagrante partidarização da administração pública. Tolera que se explore relações de dependência do Estado para extrair votos. Já ninguém consegue 90% dos votos mas eleições ganham-se às vezes por diferenças providenciais.

Assim é porque se politiza o passado. Aceita-se normalmente o expediente politiqueiro de trazer matérias do passado para o debate político em resposta a acções de fiscalização e responsabilização do governo. Partidarizam-se datas e acontecimentos históricos. O ambiente polarizado que daí resulta desmotiva a participação dos cidadãos, prejudica a discussão do presente e do futuro do país e impede a nação de adquirir as defesas contra tentações antidemocráticas.

Neste trigésimo aniversário, recordar o 31 de Agosto não é matéria de despique político. É uma questão de dignidade e justiça. A evocação dos sacrifícios de outrora deve ser motivo para unir a nação na condenação da arbitrariedade e da prepotência e na valorização do núcleo de direitos que faz de cada caboverdiano um cidadão livre no seu país.

Editorial do jornal Expresso das Ilhas de 31 de Agosto de 2011

sexta-feira, agosto 26, 2011

Cidadania vence

Jorge Carlos Fonseca vence na 2ª volta as eleições presidenciais de 2011 com uma margem sobre o adversário de mais de 15 mil votos. A vitória de JCF contrariou sondagens sucessivas feitas nos últimos meses que previam que no caso de passar à segunda volta dificilmente conseguiria bater qualquer dos outros dois candidatos. A renovação do espírito de cidadania verificado nestas eleições certamente teve um papel na alteração do ambiente político inicial. E o inesperado aconteceu para júbilo e alívio de muitos.

O protagonismo excessivo do Governo e do Estado provocou um súbito despertar cívico. Os métodos utilizados em granjear influência política com o objectivo de atingir objectivos eleitorais fizeram soar os alarmes. Falou-se em compra de votos, em manipulação de consciências e em ameaças de perda de trabalho e de demissão de cargos. Viu-se por todo o lado a presença forte de membros do governo, de altos funcionários e de dirigentes de empresas e institutos públicos em campanha eleitoral a favor do candidato de preferência do partido no Governo. E o surpreendente colapso nas urnas da candidatura de Aristides Lima veio relembrar a eficácia dos métodos do Poder em fazer valer a sua vontade particularmente junto dos mais vulneráveis.

A reacção popular à visível arrogância do Governo sentiu-se na segunda volta. O número de votantes aumentou em quase 20 000 e tudo indica que massivamente escolheram JCF. Uma parcela importante dos outros candidatos também se juntou a JCF em protesto contra a utilização de recursos e da autoridade do Estado numa eleição suprapartidária.

O impulso recebido por esta vaga de cidadania reforça extraordinariamente o mandato de quem já tinha proclamado que o seu caderno de encargos é a Constituição. De facto, os cidadãos caboverdianos mostraram-se nestas eleições revoltados contra o uso abusivo do poder do Estado para forçar lealdades e punir adversários políticos. Mostraram-se também indignados contra a injustiça de obrigar as pessoas vulneráveis a dar votos e apoio político em troca do que recebem do Estado e de outras entidades subsidiadas por fundos públicos. Ao terceiro presidente da II República caberá velar para que Cabo Verde continue a ser uma “república de cidadãos livres” e não de cidadãos de segunda classe como nos regimes de partido-Estado.

A percepção geral dos vinte anos da II República é que o exercício do cargo do PR não tem sido pleno no sentido de fornecer checks and balances ao sistema, de contribuir para que todos os actores se revejam no regime constitucional vigente e de ser uma força motriz e orientadora do desenvolvimento e aprofundamento institucional necessário à consolidação da democracia. Há que dar um outro conteúdo à actuação do PR, mais conforme com as exigências constitucionais. Espera-se pois do presidente eleito um novo e mais activo protagonismo no equilíbrio do sistema democrático, no aprofundamento da institucionalização do país e no desenvolvimento de uma cultura de Constituição e de respeito pelas leis.

Editorial do jornal Expresso das ilhas de 24 de Agosto de 2011

sexta-feira, agosto 19, 2011

Evitar derrapagem nas instituições

Na sequência da primeira volta das eleições presidenciais ruiu o muro de silêncio à volta do processo eleitoral em Cabo Verde. Finalmente fizeram-se ouvir as vozes que denunciavam compra de votos, manipulação de consciências e uso indevido de recursos do Estado. Testemunhos de destacados militantes do partido no governo, constatações de observadores internacionais e a indignação de muitos cidadãos convergiram em apontar que algo vai mal no seio das instituições do Estado democrático.

Há muito que se vêm manifestando sinais de erosão das instituições. O governo ignorou manifestações de má governação enquanto procurava aproveitar-se politicamente da relativa boa imagem do país no estrangeiro. Tardou em reconhecer que a sistemática fuga dos dirigentes à responsabilidade, a partidarização da função pública e a negação da meritocracia acabaria por ter um efeito nocivo tanto na sociedade como no Estado.

A existência agora revelada de compra de votos ou de um “mercado de votos”mostra como a sociedade vem sendo roubada da sua autonomia e minada pela criação de redes de dependência. Em vez de sociedade civil autónoma, há uma sociedade onde pontificam grupos, associações e redes sociais alimentados por fundos do Estado. Precisamente o que Hillary Clinton denunciou em Julho de 2010 na Cracóvia: “democracias em que governantes esforçam-se por criar a sua sociedade civil, uma colecção de ONGs, associações comunitárias, organizações juvenis, etc., dependentes em recursos e instrumentos de uma agenda maior de controlo social”.

As transferências feitas a municípios e associações nas vésperas das eleições, confirmadas na semana passada por dirigentes do partido no Governo, indiciam métodos utilizados. Chegar às pessoas via câmaras nos municípios onde o poder é da mesma cor partidária do governo e via associações nas câmaras de oposição, em violação do princípio da imparcialidade e de isenção no tratamento dos cidadãos e de não favorecimento em virtude de opções político-partidárias. Com isso perde-se o sentido do interesse público, substituído pelo interesse do partido, e as instituições e a cidadania são enfraquecidas.

A fragilidade das instituições torna-se cada vez mais notória seja em lidar com situações novas seja ainda em potenciar o conhecimento, a energia e criatividade dos seus novos quadros. A administração pública não se torna mais competente, o fornecimento de bens públicos como água e electricidade não inspiram confiança, a Justiça é morosa, a polícia não é mais eficiente e a qualidade tarda a chegar às escolas e universidades. As próprias Forças Armadas dão sinais complicados. O ataque sem qualificação dirigido ao Major Adriano Pires pelo Gabinete do Chefe de Estado Maio das Forças Armadas no jornal “A Nação” é um exemplo disso.

Problemática também se revela a inacção e o silêncio dos órgãos da direcção do Estado. Ainda não há, por exemplo, reacção da parte da procuradoria-geral da república perante acusações de compra de votos. O governo não justifica transferências vultuosas de fundos para particulares nas vésperas de eleições, em violação do código eleitoral. E os órgãos de soberania não se pronunciam face ao insólito da resposta do comando das Forças Armadas às críticas de um cidadão.

No actual contexto as eleições presidências do próximo domingo dia 21 ganham uma outra importância e pertinência. Urge evitar derivas das instituições que as afastem da realização do interesse público. O presidente da república tem umpapel essencial em assegurar-se da conformidade do funcionamento das instituições com os princípios constitucionais para que as práticas de boa governança sejam adoptadas, para que não haja discriminação e para que todos os cidadãos se sintam livres na escolha dos governantes.

Editorial do jornal Expresso das Ilhas de 17 de Agosto de 2011

quinta-feira, agosto 11, 2011

Exorcizar o MEDO para ganhar o futuro

Em mensagem dirigida à nação na véspera das eleições de 7 de Agosto o Presidente da República veio relembrar os caboverdianos que “a livre escolha do eleitor é o princípio básico para a expressão verdadeira da vontade popular”. O PR mostrava a sua preocupação com as denúncias públicas de compra de votos, compra de consciências e abusos de poder provenientes das diferentes candidaturas. A condenação pelo PR de “quaisquer formas de pressão ou condicionalismos extra-eleitorais” deixou campo livre para um confronto sem subterfúgio com essa doença da democracia caboverdiana que os observadores da CEDEAO chamaram de “manipulação de consciência”.

Aberta a caixa de Pandora, candidatos, líderes políticos, cidadãos comuns apressaram-se a revelar casos suspeitos de pressão sobre os eleitores. O próprio Primeiro-ministro teve que se render ao engrossar das denúncias e a referir-se explicitamente à necessidade de intervenção de “autoridades judiciais” para se apurar a verdade dos factos. Pela primeira vez a Nação enfrentava a questão da compra de votos, várias vezes levantada em outros pleitos eleitorais, sem que tal fosse desconsiderada como manifestação de “dor de cotovelo” de perdedores.

No processo constatou-se que há medo na sociedade caboverdiana: medo de perder o ganha-pão, medo de ser preterido no trabalho e medo de ver passar ao lado possibilidades de carreira e de nomeação para cargos. A atitude de Aristides Lima em levar à frente a candidatura presidencial não obstante as preferências do seu partido inspirou outros a se libertarem do medo e em denunciar práticas de violação de direitos por razões políticas e eleitorais.

Quis-se saber se um militante de partido é ou não livre de se candidatar para um cargo suprapartidário, de apoiar quem candidate e mesmo de votar no candidato da sua escolha. A partir daí estava lançada a busca de outras amarras que condicionam a capacidade de escolha do eleitor caboverdiano. Pergunta-se se a dependência de serviços sociais, relações de trabalho e mesmo dívidas de gratidão estarão a ser utilizadas para fazer o cidadão dobrar-se e legitimar com seu voto o poder de alguns.

O medo amplifica a sensação de precariedade de existência. Faz as pessoas receosas do futuro e presas fáceis de anúncios demagógicos de grandes perigos em caso de mudança. As eleições caboverdianas têm sido marcadas por factos bombásticos especialmente fabricados para explorar o medo do amanhã. Na última campanha viu-se como se trouxe à baila suspeições sobre a morte de Cabral. Já quase no fim ergueu-se o espectro de uma conjura de personalidades de várias proveniências políticas e partidárias para, pela via uma eleição suprapartidária, derrubar um governo maioritário. Noutras ocasiões usaram-se tácticas similares como acusações de ligação a narcotraficantes, sabotagem na Electra e perda de credibilidade externa para pressionar o voto num determinado sentido.

Mantém-se o clima de medo partidarizando tudo, até mesmo eleições suprapartidárias, e concentrando o essencial do discurso político sobre disputas do passado. Todos ficam apanhados e em consequência, o futuro passa ao lado. Já dizia Churchillque não devemos deixar as nossas discussões sobre o passado dominar o presente porque assim perdemos o futuro”.

É tempo de acabar com esse estado de coisas. A 2ª volta das presidenciais é uma oportunidade única dos cidadãos fazerem o medo dissolver no ar. Basta ir às urnas sem as grilhetas da filiação partidária e condicionalismos outros e escolher quem pelo seu carácter, percurso e fidelidade aos princípios e valores constitucionais melhor se posiciona para defender direitos e regras do jogo democrático. Basta dar o voto livre a quem mais confiança poderá transmitir à nação nas duras lutas de adaptação às incontornáveis mudanças que se verificam no mundo. Cabo Verde precisa que os seus filhos não receiem o futuro e ponham toda a sua energia e criatividade em construir, na Liberdade, a prosperidade para todos.

Editorial do jornal Expresso das Ilhas de 10 de Agosto de 2011

sexta-feira, agosto 05, 2011

Travões precisam-se

Diz o Lord Acton que o Poder corrompe e que o Poder absoluto corrompe absolutamente. Governos por longos períodos e pela mesma força política tendem a tornar-se cada vez mais arrogantes e mais autistas. Os 5 meses do 3º mandato do PAICV confirmam a tendência. Especialmente revelador de futuros excessos tem sido a forma como a liderança do partido no governo trata colegas do partido apoiantes de uma alternativa da mesma família política nas presidenciais.

A dureza de tratamento é sintomático do quão importante se tornou ter um presidente da república “em sintonia com a liderança do partido”. Nunca antes no Cabo Verde democrático o líder partidário no governo foi tão ostensivo em impor o seu candidato a presidente da república. Até parece que há um novo entendimento do exercício do cargo. Quer-se provavelmente cooperação e sintonia com objectivos partidários, quando o que a Constituição estabelece é que o Presidente não governa e seja árbitro e moderador do sistema.

Usar os recursos e autoridade do Estado para fazer prevalecer uma visão contrária do Presidente da República prejudica o candidato e quase que o desqualifica aos olhos dos eleitores, porque o faz refém de interesses que em consciência não pode satisfazer enquanto PR. Com tais actos perde-se mais em perturbar o sistema político do que presumivelmente podia-se ganhar em estabilidade governativa. Estabilidade, quem de facto a garante é a maioria no parlamento. O PR só tem margem para interferências nos casos em que o suporte parlamentar já foi comprometido e há impasse nas instituições.

Ter-se um PR algo diminuído no seu papel de guardião da Constituição fragiliza a democracia particularmente quando é notório o enfraquecimento da Assembleia Nacional enquanto centro do contraditório e viveiro de propostas alternativas para o país. No último debate sobre o Estado da Nação, o Primeiro Ministro apresentou a sua verdade como sendo nem “rosa nem negra”. Eventuais críticas só podiam vir de detractores brandindo as suas análises negras da realidade do país. Com o debate ferido de morte, ninguém se surpreendeu quando no discurso do fecho disse que das ideias da Oposição, umas deviam-lhe direitos de autor e outras simplesmente não serviam.

A Nação entretanto não ficou esclarecida. A questão do fornecimento de energia e água que todos os dias prejudica as pessoas e atrasa o país ficou por responder. O governo não transmitiu confiança que irá lidar resolutamente com os problemas que enfermam a polícia e diminuem a sua capacidade de confrontar os desafios actuais e futuros de segurança. Ficou-se por saber como foi o ano escolar e qual o retorno em aproveitamento, qualidade e empregabilidade dos extraordinários investimentos e sacrifícios que indivíduos, famílias e o Estado fazem no sistema de ensino. O regozijo algo deslocado pela “performance” do país em tempo de crise não deixou espaço para inventariar opções e preparar a Nação, agora país de rendimento médio, para o mundo pós-crise.

Governar em democracia passa por criar uma vontade política colectiva que se revê em princípios, ideias e objectivos. Isso constrói-se com verdade, honestidade e transparência na acção. Não com máquinas de propaganda e procurando enredar as pessoas, particularmente as vulneráveis, em relações de dependência que diminuem a sua condição de cidadão. Particularmente preocupantes nos últimos dias têm sido as denúncias vindas de todos os quadrantes políticos do inquinamento do processo eleitoral através de compra de consciências, compra de votos, medo de perda de emprego e ameaças de demissão de cargos públicos.

Por tudo isso, a eleição do Presidente da República no próximo domingo, dia 7 de Agosto, tem uma importância acrescida. É também uma forma de pôr um STOP à corrida desenfreada para a concentração do Poder num grupo partidário cujos excessos são hoje evidentes para todos. O acto desnecessário de acabar com o programa Visão Global é ilustrativo do que acontece quando se cai na tentação do poder absoluto. Travões precisam-se.

Editorial do Jornal Expresso das Ilhas de 3 de Agosto de 2011