Há mais de uma semana o Centro de Controlo de Doenças (CDC) dos Estados Unidos pôs Cabo Verde na lista dos países com surto do vírus Zika. Em vários países, designadamente países da América latina como o Brasil, a Colômbia, Guatemala já se vive autênticas epidemias de Zika. As preocupações com o vírus têm aumentado à medida que se vem confirmando a suspeita da sua relação com a microcefalia em crianças cujas mães foram infectadas durante a gestação. Notícias provenientes dos Estados Unidos dão conta de uma outra complicação que é a possibilidade da sua transmissão via relações sexuais.
O Brasil praticamente já declarou guerra ao mosquito aedis egyptis, o vector de distribuição tanto do zika como do dengue, com a mobilização de mais 220 mil soldados. Em vários outros países esforços extraordinários estão a ser feitos para conter a doença e destruir os mosquitos. As mudanças climáticas, e particularmente a actividade nos últimos tempos do El Nino, têm propiciado o aparecimento e a proliferação do mosquito em zonas onde até recentemente era desconhecido. Hoje é visível como já se espalhou por todos os continentes, constituindo actualmente uma ameaça grave para as populações desencadeando epidemias graves de dengue e agora de zika.
O anúncio do CDC americano, seguido de alertas de outros países em relação a viagens para Cabo Verde devido ao Zika, teve consequências imediatas. Operadores turísticos foram obrigados a desviar passageiros para outros destinos ou a devolver passagens já compradas. A reacção da Ministra de Turismo é que tudo isso tinha sido excessivo, considerando que não houve casos significativos nas ilhas turísticas. O problema é que ninguém espera que um potencial turista vai dar-se ao trabalho de ponderar o risco que poderá incorrer indo para uma ilha onde ainda não houve surto do vírus, mas que tem também o mosquito transmissor da doença. Compreende-se que se recuse a vir ou estando cá queira regressar. Cabo Verde é que tudo deve fazer para não estar nestas situações.
Em 2009 o dengue apanhou o país desprevenido e algumas mortes provavelmente resultaram disso. Fez-se um trabalho meritório no combate aos mosquitos, a epidemia de dengue acabou por ceder e a doença quase deixou de existir. Casos de malária têm aparecido em várias ilhas para além de Santiago, designadamente Boavista onde estão grandes hotéis. Agora é o mesmo mosquito aedes aegypti, que normalmente o transmite, que aparece a espalhar o Zika. Há que o combater de forma sistemática e permanente. E ninguém deve ficar descansado até à sua erradicação total destas ilhas.
Foi possível no passado erradicar completamente o paludismo da ilha de Santiago. Deve-se voltar a fazer isso. O combate ao mosquito aedes aegypti deve ser total. O mosquito além do dengue e da zika também transmite a febre-amarela. Cabo Verde não pode dar-se ao luxo de ver o seu futuro turístico comprometido com situações incontroláveis em matéria de saúde. O país é formado por ilhas e deve aproveitar-se dessa condição que para, com a ajuda activa da população e das organizações sociais, comunitárias e municipais, erradicar esses males. O governo deve poder liderar de forma decisiva uma acção desta natureza. Cooperação com o Brasil nesta matéria faria todo o sentido considerando que também está engajado na luta para se ver livre definitivamente desse mosquito.
Segurança a todos os níveis é fundamental para o desenvolvimento de Cabo Verde. No mundo de hoje, de fácil comunicação, viagens frequentes e movimentos migratórios significativos, os riscos aumentam naturalmente e não há como contorná-los. Pior, porém, do que os riscos reais são muitas vezes as percepções de risco presente e futuro. Por isso, em matéria de segurança nacional, deve-se trabalhar na antecipação e prevenir para que as ameaças latentes ou em progressão não se concretizem. A luta para erradicação dos mosquitos transmissores de doenças podia ser uma boa causa capaz de galvanizar a vontade nacional num objectivo claro e preciso para todos.
Editorial do Jornal Expresso das Ilhas de 3 d Fevereiro de 2016