A agência de rating Fitch põe a dívida pública de Cabo Verde em 2015 a 120% do PIB. A economia continua anémica e o mais provável é que não passe de uma taxa de crescimento de 1% no ano de 2015, abaixo da taxa de crescimento de Portugal e da zona euro com quem Cabo Verde tem um acordo cambial. O desemprego mantém-se acima dos 15% e é muito mais elevado entre os jovens e o rendimento per capita desde 2013 vem diminuindo. As consequências já se notam nas manchas de pobreza que se espalham pelo país. Apesar desses índices que em qualquer país teria toda a gente a pensar em medidas urgentes para reverter a situação o que se vê é um governo a regozijar-se com relatórios internacionais que mostram Cabo Verde em aparente boa posição relativamente a países do continente africano. Tirando a dificuldade de se comparar realidades tão díspares, estar à frente em relação a certos países não devia servir de consolação. Mas aparentemente serve: o aluno suficiente, considerado bom em relação aos medíocres e maus na gestão da ajuda externa, é premiado com mais ajuda. O único problema com este modelo de negócios é que, de facto, adia-se o desenvolvimento mesmo que se vejam alguns sinais de progresso em painéis solares, estradas asfaltadas e terminais modernos de passageiros. De facto, a economia estagna. Cabo Verde passou de 2008 para 20015 de uma dívida pública de 51% para 120% do PIB, ou seja, mais do que a duplicou. Mesmo sendo concessional terá sempre que ser paga. Só será paga porém se o país crescer a níveis muito superiores aos que se têm verificado nos últimos 5 anos. E isso não tem acontecido porque desenvolver não pode resumir-se a aproveitar a ajuda externa em recursos financeiros tal qual é apresentada e aplicá-la de forma que melhor sirva a vontade de se manter no poder mesmo deixando passar de lado oportunidades de crescer a taxas muito mais elevadas. O esforço de propaganda para obscurecer a realidade é cada vez maior. Tudo se presta a isso: anteontem foi o índice de pobreza e ontem já foi o relatório de resiliência. Exemplo são as previsões do governo e os fornecidos ao FMI, designadamente de previsão de crescimento para 2015, que acabam por divergir bastante dos dados reais. Aconteceu nos anos anteriores e voltou a acontecer este ano. Um outro caso estranho também foi o relatório da missão do FMI que, segundo declaração pública de Março de 2015, devia ser revisto pelo conselho de administração do FMI em Maio e que acabou por não acontecer. Não há qualquer registo nos arquivos online do FMI de que se tenha reunido para apreciar o relatório. É de se perguntar se, com tantos desencontros e omissões, o próximo governo não terá a surpresa de ver chegar uma equipa do FMI assim que tomar posse para se inteirar da situação real do país para além da propaganda.
Todos anos por altura do debate sobre o estado da Justiça e também na abertura do ano judicial colocam-se problemas de morosidade, de produtividade, de eficácia e da qualidade da justiça. Para além do tratamento que essas questões têm em sede do contraditório na Assembleia Nacional e também nos pronunciamentos anuais do presidente da república e de outros representantes de entidades ligadas à justiça, no dia-a-dia, devem ser preocupação permanente do Conselho Superior de Magistratura, o órgão de gestão da magistratura judicial. Para isso é fundamental o serviço de Inspecção Judicial. Com esse serviço pode-se verificar o estado de todos os serviços do tribunal e obter informações sobre o desempenho e o mérito dos juízes. Como se pode imaginar, a gestão que o CSM faz do sistema de justiça depende muito grau de efectividade da inspecção judicial. Aparentemente, porém, esse tem sido um dos calcanhares de Aquiles do sistema. Pelo que foi relatado na última edição do jornal “ASemana” há críticas sérias sobre o actual serviço. Fala-se designadamente de subjectivismo e de critérios desiguais na avaliação dos juízes. Independentemente da validade ou não das críticas, é facto que ao longo dos anos tem sido difícil erigir um serviço de inspecção judicial à altura. A própria lei de inspecção judicial só foi aprovada em Fevereiro de 2015 quase cinco anos depois da revisão constitucional de 2010 ter ampliado extraordinariamente os poderes do CSM. Parte das dificuldades advém provavelmente da própria pequenez do meio e do número reduzido de magistrados. Inspecção ao trabalho dos tribunais e ao mérito dos magistrados compreende a avaliação por colegas de profissão que muitas vezes se vêem constrangidos pela proximidade, amizade e familiaridade. Não é por acaso que o serviço durante anos foi praticamente inexistente ou trabalhou com um mínimo de pessoal. Muitos recusaram o convite feito para o integrar. O facto porém é que o trabalho dos juízes exige competência técnica e precisa ser monotorizado e avaliado também com competência para que o sistema no seu conjunte melhore, para que a meritocracia prevaleça nos processos de selecção e de promoção e para que o país e os cidadãos beneficiem de uma justiça efectiva e célere. Onde encontrar os recursos humanos para isso é o busílis da questão considerando que não é só reunir competências como também nesta fase inicial do Estado de Direito e da democracia ultrapassar os constrangimentos da pequenez e da proximidade. Países novos como Timor têm recorrido a magistrados de outros países entre os quais vários magistrados cabo-verdianos para preencher as insuficiências do seu sistema judicial. Hoje no mundo global mesmo países como o Reino Unido recorrem a nacionais de outros países para o exercício de cargos de algum grau de exigência técnica no domínio de políticas públicas. É o caso do canadiano Mark Carney que é actualmente governador do Banco de Inglaterra ou de Stanley Fischer que de governador do Banco de Israel passou para vice-governador do Federal Reserve Bank dos Estados Unidos. Não parece pois descabida a possibilidade de se recorrer por algum a tempo a magistrados experientes de outros países para ajudar a construir um corpo de magistratura altamente competente e produtiva que, de facto, fizesse o sistema judicial cabo-verdiano servir com celeridade o desejo de justiça dos cidadãos e ser mais um factor de competitividade do país. Funcionando como até agora dificilmente deixaremos de ouvir as mesmas queixas repetidas todos os anos nos momentos rituais de avaliação do estado da Justiça.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 741 de 09 de Fevereiro de 2016.